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A marcha do desenvolvimento capitalista no Brasil: a economia política da questão regional

Por Paulo Rios, historiador, doutor em Políticas Públicas, diretor do Sintrajufe/MA e da Fenajufe (suplente)

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

Pensar o conceito e a realidade histórica da chamada “questão regional” nos leva a considerar a análise do desenvolvimento nacional na medida em que a dimensão espacial é resultado da produção e reprodução da vida material no âmbito das relações sociais capitalistas, as quais se inserem no território como totalidade.

Um conceito como “questão regional” vem à tona e se estrutura com base em um contexto histórico específico externando tanto as abordagens teóricas, quanto os movimentos da história. A idéia de região é vinculada à definição de marcos espaciais fixos, sistematizados convencionalmente, tendo como base a existência de aspectos naturais similares ou certas características históricas e culturais afins.

As circunstâncias que levaram à ocupação e formação do espaço econômico no Brasil, com características de descontinuidades quer sejam temporais ou mesmo geográficas, teve como conseqüência em três séculos de história colonial, o fato de que cada região produtora buscasse sua vinculação econômica aos portos existentes, sem conseguir implantar inter-relações entre si. Esta herança da nossa formação social e econômica levou à determinação da natureza intrínseca da “questão regional” no Brasil.

A “questão regional” funda-se no desenvolvimento da colônia, contexto em que se estruturaram diversas economias regionais primário-exportadoras com base no trabalho escravo. Com o fim da escravidão e o desenvolvimento das formas capitalistas de produção, estas, ocasionaram um forte “desequilíbrio regional” no Brasil, uma vez que São Paulo passou a concentrar a produção industrial no país, passando a se configurar uma hegemonia do seu sistema fabril sobre o conjunto das regiões, hegemonia esta traduzida como sendo uma relação de trocas entre o centro e a periferia do capitalismo no Brasil (Cano, 1977).

O destaque paulista está relacionado com a emergência, no oeste daquela unidade federativa, da burguesia cafeeira. Surgia assim uma burguesia mais moderna que usava o trabalho assalariado do imigrante ao invés do escravo, numa referência à implantação das relações capitalistas de produção.

A tônica deste período foi o surgimento de várias crises e de várias transformações na estrutura produtiva do país marcada pela aliança política e de classe entre os estamentos burocráticos e patrimonialistas e a burguesia cafeeira (Oliveira, 1993). A manutenção destes pactos estabelecidos entre os segmentos políticos e econômicos atrasados com os modernos levou à industrialização, mas deixou de lado suas referências regionais. Estes arranjos deixaram de representar a aliança da burguesia industrial do Sudeste, que tinha como objetivo direcionar suas estratégicas para um mercado nacional em estruturação e um setor das burguesias agrárias detentoras de uma considerável inserção e controle do poder político.

Para Francisco de Oliveira, o regime escravocrata foi a grande base da unidade da América portuguesa, unidade esta que se manteve intacta no Brasil independente, mesmo com as rebeliões havidas. A escravidão percorreu todo o território nacional, de norte a sul, dos igapós amazônicos aos pampas gaúchos.

A classe dominante também havia se unificado e tinha um tipo social característico: os senhores de escravos.

Estes senhores da Casa Grande e Senzala tinham todo o interesse em manter a unidade territorial. Em primeiro lugar, porque era prova de garantia de que o tráfico africano haveria de continuar, pelo menos até 1851, quando foi proibido, num enfrentamento com a Inglaterra. Em segundo lugar, era prova de garantia também que o tráfico interno seria parte dessa unidade de classe, uma vez que esta prática mantinha os preços da escravaria num nível adequado para os seus interesses mercantis.

A unidade política entre os potentados e o Estado serviu para sufocar as rebeliões escravas, dentre elas a Balaiada, em solo maranhense, sob a liderança de Negro Cosme. Esse processo criou as condições necessárias para que a classe senhorial escravagista impusesse a sua vertente centralizadora e unidade nacional, sublimando as tendências centrífugas, consubstanciadas em inúmeras tentativas de fragmentação, de criação de unidades independentes.

Abordando as desigualdades regionais e a concentração industrial no Brasil, Wilson Cano destaca que a partir de meados do século XIX, seriam criadas as bases para que a indústria pudesse surgir e crescer no país, levando à criação, mesmo que ainda embrionária, de um mercado interno. Para o autor, antes da subida de Vargas ao poder, em 1930, a economia se caracterizava pela dispersão na formação de suas regiões, pensadas separadamente. Cada uma delas apresentava uma conotação histórica e um desenvolvimento econômico particular.

O ano de 1930 tornou-se uma espécie de marco simbólico da inserção do Brasil na “modernidade”, uma vez que no contexto histórico adstrito a estas transformações estruturais do país, cabe tanto a passagem da economia agrário-exportadora para a civilização urbano-industrial como a estruturação do Estado Nacional, base essencial que levaria a fundo o projeto burguês.

Esse processo dificilmente teria se tornado uma realidade sem que houvesse uma forte intervenção do aparelho estatal na tarefa de criar e implantar novos instrumentos de ação institucional, claramente direcionados para as políticas de planejamento e execução de importantes investimentos em infra-estrutura, buscando suplantar o tipo de organização territorial oriundo da economia primário-exportadora.

Mesmo no âmago desta forte intervenção do Estado, o patamar em que chegou a integração regional foi incapaz de superar as disparidades oriundas do período colonial, quando o Nordeste ainda detinha uma parcela significativa da riqueza nacional. No entanto, na medida em que a marcha da industrialização concentrou-se no Sudeste, principalmente em São Paulo, esta tendência histórica aprofundou certas disparidades, demandando ao Estado a necessidade de criar e implantar políticas específicas de planejamento regional, até então pioneiras no país (Cano, 1977).

As classes sociais oriundas do capital cafeeiro, no contexto mencionado, não se tornaram de todo hegemônicas no sentido de serem capazes de levar adiante este processo de modernização capitalista, uma espécie de hegemonia inacabada, levando o Estado a um ponto de mediação desses interesses em jogo, definindo-se como um “Estado de Compromisso” (Oliveira, 1993).

No Brasil, a União Federada foi alicerçada sobre as oligarquias que deram sentido e significado a República, e, como corolário desse processo, na opinião de Francisco de Oliveira (1999), o nosso republicanismo não encarava as grandes questões da cidadania moderna, uma vez que seus pilares foram erigidos com conteúdo e princípios antidemocráticos.

Para Cano (1998), depois de 1930, a integração do mercado nacional levou à alteração desse quadro, dado o aprofundamento das relações econômicas entre São Paulo e as demais unidades federativas. Ao passo em que se acelerava o desenvolvimento e a industrialização de São Paulo, o processo de trocas se tornava mais complexo e aumentava em quantidade, passando a exigir que fossem realizadas várias e importantes modificações do processo produtivo em termos das estruturas regionais e, ao mesmo tempo, motivando seu crescimento econômico.

O período entre 1930 e 1970 representou uma tendência histórica na qual o Brasil, de maneira permanente e sistemática, alcançou taxas de crescimento econômico em patamares sempre superiores à média do mundo capitalista. Neste sentido, São Paulo acompanhou a tendência de crescimento, apresentando inclusive taxas anuais acima da média nacional.

Tendo em vista este forte crescimento econômico verificado em São Paulo, estas condições históricas aliadas às características típicas do processo de concentração econômica regional daí decorrente, fizeram com que o país vivenciasse uma significativa disparidade nos níveis de renda per capita e das condições de vida das populações entre as diversas regiões, com destaque para o Nordeste, o Sudeste e o Sul. Em 1970 – auge deste processo de concentração – São Paulo detinha cerca de 60% da produção industrial brasileira.

Para Wilson Cano, a concentração antes referida não causou atraso ou algum tipo de estagnação à periferia nacional. Na verdade, ocorreu o contrário, uma vez que as demais unidades federadas alcançaram de mesmo modo, taxas elevadas de crescimento, decorrentes do desenvolvimento de maiores e melhores relações econômicas com a “locomotiva” paulista.

Esta tendência levaria a uma integração do mercado interno, tanto no plano comercial quanto na produção propriamente dita, a partir da industrialização. É o momento em que várias regiões são inseridas na lógica de acumulação do capital, lógica esta que atravessa a economia nacional, ampliando os investimentos em várias regiões, vinculando a dinâmica econômica regional à reprodução do capital industrial.

Consolidada a matriz industrial do país, no interregno entre 1970 e 1985, a acumulação capitalista no Brasil cobrava um empenho maior na área periférica em termos de produção, tendo em vista a necessidade de se utilizar os recursos naturais disponíveis nestas regiões. Assim, a instalação de um número considerável de projetos econômicos e estruturais de grande porte (hidrelétricos, não-ferrosos, químicos e petroquímicos) acabou tendo como destino final as regiões periféricas, ampliando as suas possibilidades de crescimento.

Para concluir, ressalte-se que este deslocamento da instalação de novas unidades produtivas na periferia, somada aos resultados oriundos das políticas de desenvolvimento regional, implantadas sob a égide da Ditadura Militar, acabou levando a criação das condições para a irrupção de importante processo de desconcentração industrial em várias regiões do país.

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