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O sequestro ideológico das entidades sindicais - 2ª Parte (em: Minha agenda sindical)

Por Job de Brito, técnico judiciário no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

1. O valor fundamental do sindicalismo: valorização do trabalho e dos direitos pertinentes à classe trabalhadora

Concorde com as considerações feitas anteriormente está esta: sentindo-se alijado de sua “centralidade existencial”, uma vez que, ao invés de servir-se de tudo e de todos depara-se com a situação de estar a servir a outrem, o homem (trabalhador, agora) desenvolverá uma luta em favor da recuperação dessa centralidade. A experiência de que a sua situação – de servidor/servo – é injusta e não natural não advém de ele ter admitido que “todos são iguais”. Na verdade, o reconhecimento do caráter injusto, irreal e não natural de sua existência social decorre de sua centralidade estar sendo negada, de estar se experimentando como um ser à margem; um ser marginal ao seu centro existencial: dentro de si, não se reconhece servo; como sua essência depara-se com o ‘ser senhor’. Nesse sentido, sua luta é por “vir a ocupar o espaço central que lhe é de direito”. No conflito que se estabelece com a não concordância entre a realidade que o marginaliza no mundo e sua convicção que o centraliza existencialmente, ele assume como verdadeira a sua convicção. Toma, portanto, como falsa – embora efetivamente ela o domine – a realidade que o marginaliza. A consequência é que ele atuará, politicamente, para negar a realidade com a qual se depara; realidade que o nega. Sua experiência interior é a de que “a realidade que o cerca é ‘irreal’; a realidade ‘que ele é' é que é ‘real’”. Sustentado nessa experiência, dispõe-se a transformar a realidade, por seu caráter ilusório, surreal, quimérico.

Essa realidade surreal apresenta alguns outros absurdos, entre eles está a sua experiência de que ela resiste à sua vontade, impedindo-o de se situar em seu espaço próprio: o centro. Constatada essa situação, e convencido de que ela é insuperável por meio de uma luta individual, ele desenvolve sua estratégia, seu plano e planejamento de luta para o retorno ao seu espaço natural.

O surrealismo absurdo com que ele se depara possui outras características: a) a raridade de indivíduos que reconhecem, em sua natureza, a pulsão pela centralidade e, em consequência, que se comprometem com uma luta pelo retorno a ela, b) a resistência dos indivíduos que ocupam a centralidade social, c) a discrepância de recursos materiais (econômicos) entre os que estão socialmente centralizados e os que se encontram à margem da existência – eles (trabalhadores) d) a diferença de aptidão adquirida, ou seja, a diferença de formação sócio-cultural para lidar com o mundo entre aqueles e ele, e) a aceitação pela “maciça maioria” dos trabalhadores de uma afirmação que, segundo a própria experiência interior deles, tem caráter ideológico, qual seja, “aceite o seu lugar de nascimento na sociedade: você nasceu para servir!”, f) o esforço “descomunal” necessário a se fazer para a superação dessa situação, se não houver uma “coletivização” dessa luta; na verdade, aquele que busca sua centralidade constata ser impossível alcançar esse objetivo se não vier a atuar dentro de um grupo político unido/unificado. Quanto a este ponto, é necessária uma observação: é certo que o indivíduo, sozinho, pode se reposicionar em sua centralidade existencial. Mas, aqui, o que se quer destacar é “a razão de ser original” das instituições sindicais, defendendo-se a tese de que ela, a razão original, não seria uma luta pela igualdade dos homens.

O surrealismo é tal que não se esgotaria em poucas páginas a descrição de suas características; assim, recorre-se às já apresentadas como exemplo de realidade absurda com que se depara o homem ‘excluído de sua centralidade existencial’.

Reivindicar-se centro de imediato é impossível, portanto. Sua sabedoria natural aponta-lhe uma agenda de longo prazo como a condição primeira necessária para alcançar seus objetivos. O conteúdo estratégico dessa agenda de longo prazo apresenta-se lógico, racional e politicamente viável com a seguinte estrutura desenvolvida como resposta às resistências absurdas apresentadas pela realidade:

1)  Para a superação da dificuldade a) é necessário encontrar-se e articular-se politicamente com os outros homens-trabalhadores em situação idêntica e com o mesmo anseio pela centralidade;

2)  Para enfrentar a situação b) deve-se, antes, abordar o problema apresentado pela situação e), ou seja, há a necessidade de desfazer-se a convicção adquirida pela maciça maioria de que “nasceram para servir”;

3)  É necessária a criação de uma instituição/entidade que receba a contribuição de todos aqueles que se beneficiarão com essa luta pela centralidade para se vencer o óbice de c); também é crucial que, para um perfeito aproveitamento desse recurso, se enfrente a dificuldade elencada em d) e, em consequência, se desenvolva uma capacidade de pensamento estratégico e de planejamento;

4)  O domínio ideológico (você nasceu para servir) do homem-trabalhador, presente em e), não será superado por outra afirmação ideológica (você é igual a ele). A suposição a se admitir aqui é a de que o domínio ideológico será vencido com lucidez, com um “conhecimento efetivo, real, racional, lógico da realidade concreta[1]”. Para não haver muitas delongas neste tópico, considera-se ser ideológica a afirmação “você é igual a ele”, simplesmente pelo fato de se poder afirmar, com o mesmo nível de certeza, que “você é completamente diferente dele”.

5)  Por último, “o esforço descomunal a ser feito para a superação dessa situação” impõe uma agenda de valorização do trabalho e dos direitos do classe trabalhadora como primeiro estágio de luta pela transferência de recursos dos “bem situados, bem aquinhoados” para os que se encontram socialmente marginalizados, à margem de sua existência, portanto.


[1] Tomei conhecimento dessa expressão em uma conversa com o colega Eldo e a adaptei aos propósitos desse texto. A fala dele foi: é necessário agir com ‘conhecimento concreto de uma situação concreta’ Se bem me lembro, ele disse que estava repetindo Marx; se não, ela não é minha, de qualquer modo.

 

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