fbpx

Exercício da Advocacia – Servidor do Judiciário Federal – Conjecturas acerca de ação coletiva nesse sentido

Por: Alan da Costa Macedo, Coordenador Geral do SITRAEMG, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal, Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

        

Desde que comecei a atuar como coordenador geral do SITRAEMG, venho trazendo ao debate questões que há muito tempo me assolavam como “ filiado” e também “consumidor dos serviços do Sindicato”, mas que nunca  eram colocados em evidência ou não tinham a atenção devida.

Entre elas estão questões como: “Home Office”; “ Isonomia do Adicional de Qualificação”; “ Valorização da Carreira do Técnico Judiciário com a exigência de nível superior ( através de estudo bem elaborado do tema e proposta de Lei específica originada pelo STF) ;  “Possibilidade do Servidor do Judiciário advogar” entre outras questões mais específicas.

Hoje, trarei ao debate a questão da possibilidade do servidor do Judiciário advogar, com o fito de dar conhecimento aos colegas sobre os fatos e fundamentos de tal pedido.

Talvez perguntem: Para que tratar de temas secundários em momento em que se discute a revisão salarial que é mais importante?

Direi: Infelizmente não confio nesse governo e precisamos estudar soluções oblíquas às questões gerais sob pena de “passarmos necessidades” daqui a um curto espaço de tempo. Lembrem-se como eram e como são, hoje em dia, os funcionários do Banco do Brasil.

É de conhecimento público que passamos por um processo “global” de “ minimização dos Estados”, ou seja, todos , senão quase todos os países que importam , exportam e que tem o “ capital” como fonte de governabilidade estão tendo que se adequar a essa realidade ( Estado Mínimo) e não é diferente aqui no Brasil. Infelizmente, não podemos nos iludir que algum “ salvador da Pátria” nos devolverá o  status quo ante, ou seja, nossos salários não  serão mais tão bons quanto antes.

Sonhemos com a revisão salarial anual acompanhando a inflação? Sim.

Mas pensar que recuperaremos todas as nossas perdas (considero justo e legítimo, mas longe da realidade) em uma ação governamental de um tipo de governo que não mais existe (Governos Corporativos) é ilusão, repito: ilusão.

O que podemos fazer, então, para tentarmos manter um mínimo razoável de “padrão de vida”? Não sou eu que vai responder a isso, mas os próprios fatos e fenômenos sociais que se apresentam.

Vejam-se que inúmeras carreiras tem o “bico” como saída ao problema econômico mundial, do qual o Brasil não conseguiu fugir. Policiais fazendo bico de segurança; Médicos dando aulas em Universidades particulares; Juízes escrevendo livros e dando aulas; Servidores lecionando e trabalhando em outras atividades informais etc.

Penso que ficarmos inertes é que não podemos. Devemos lutar por todas as frentes, pois se não conseguirmos a recuperação do que já perdemos com a inflação e, em curto tempo, não conseguirmos aprovar a Data-base, a solução vai ser, sim, fazer “bico” para sobreviver.

Nesse sentido, “advogar” é uma solução para quem tem que pagar suas contas, manter a qualidade de vida dos seus familiares e não precisar se desligar totalmente do serviço público federal.

Diante disso, passei a estudar mais as questões ligadas à constitucionalidade da proibição “total” do servidor do Judiciário advogar e convenci meus pares a pedir ao Jurídico do SITRAEMG que formulasse uma ação coletiva nesse sentido. A ação está quase pronta, mas antes de distribuirmos, vale deixar aqui algumas das razões de pedir.

QUESTÕES FÁTICAS E DE DIREITO

Aos servidores púbicos do Judiciário Federal é vedado (de forma total e absoluta) o exercício da advocacia, consoante o que se depreende do art. 28, inciso IV, do Estatuto dos Advogados do Brasil:

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

(...)   IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

Observe-se que a lei “restringe” de tal maneira que, independentemente de proximidade com as atividades estritamente jurisdicionais, bem como o fato de atuarem na Justiça Eleitoral, Trabalhista, Federal são irrevelevantes para o legislador infraconstitucional.

Disso sobrevêm as seguintes indagações:                                                

a)     O tratamento discriminatório dado aos servidores do Judiciário é razoável?

b)     A vedação imposta de forma total e absoluta é proporcional?

c)     O fator discrime, ou seja, o fator de desigualdade justifica a desigualação com outros servidores de outros órgãos?

d)     A Lei faz restrição permitida no texto Constitucional?

e)     O exercício da Profissão, após a conquista do certificado de aprovação na OAB pode ser mitigado por simples vontade legal?

f)      Quais os critérios ( exposição de motivos) do Legislador infraconstitucional para fazer a referida vedação de forma total e absoluta?

A meu ver a incompatibilidade do artigo 28, IV do Estatuto da OAB, imposta aos servidores do Judiciário, deve ser declarada incidentalmente inconstitucional. Isso porque, a incompatibilidade restringe o exercício total da advocacia, o que se mostra totalmente desarrazoado pelos motivos que serão abaixo elencados:

RAZOABILIDADE

Sabe-se da possibilidade de regulamentação infraconstitucional do tema em questão, no entanto, a imposição de limitação ao exercício de qualquer profissão deve ser propagada principalmente sob a égide do Princípio da Razoabilidade. Sob esse prisma, a Constituição Federal prevê em seus artigos 5º, inciso XIII, e 170, § único, que o exercício de qualquer profissão é livre:

“Art. 5º [...]

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; [...] “

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. ( grifei)

A incompatibilidade prelecionada no Art. 28, IV, do Estatuto da OAB, proibição total da advocacia, a meu ver não encontra amparo nos princípios – proporcionalidade e razoabilidade (norteadores da aplicação da lei em relação aos direitos considerados fundamentais), devendo ser observados em sua máxima extensão em todo e qualquer âmbito de incidência jurídica.

Quando se pensa em restringir o exercício de determinada profissão, deve-se fazê-lo pelo meio menos gravoso e sob ponderações específicas quanto a proporcionalidade da medida.

Penso que o servidor do Judiciário Federal deve, sim, ser tratado de forma diferenciada, diante do óbvio acesso que tem ao conteúdo de processos, decisões judiciais e no próprio trato diário com os Juízes. Mas, não é razoável que se aplique restrição total a situações que podem ser separadas.

Vejam-se os questionamentos abaixo:

a) Um servidor da Justiça Federal tem algum tipo de ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça do Trabalho?

b) Um servidor da Justiça Estadual tem algum tipo ligação/contato/vantagem/  ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Federal?

c) Um servidor da Justiça do Trabalho tem algum tipo ligação/contato/vantagem/  ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Estadual?

d) Um servidor da Justiça Eleitoral tem algum tipo ligação/contato/vantagem/ ou acesso diferenciado em processos que tramitam na Justiça Estadual, Federal ou do Trabalho?        

Se as situações que se apresentaram geram a resposta: “não”, por que a vedação ao exercício da advocacia tem que ser total e não parcial?            Há razoabilidade e proporcionalidade nisso?

 ISONOMIA

Há algum tempo, verifico que às diversas carreiras do Executivo e legislativo, muitas destas com grande poder decisório, é permitido o exercício da advocacia. Veja-se como exemplo o caso dos Analistas do INSS.

            “Quem ocupa o cargo de ‘‘analista do seguro social’’ não pode ser impedido de se inscrever na OAB, já que a função é reconhecida apenas como de suporte e apoio técnico. O entendimento, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, manteve decisão da 6ª Vara Federal de Porto Alegre, que mandou a seccional gaúcha da OAB a conceder nova inscrição a uma técnica do Instituto Nacional do Seguro Social, que quer voltar a advogar.

Nas razões em que tentou derrubar o Mandado de Segurança obtido pela autora na primeira instância, a Ordem repisou o argumento de que o cargo é incompatível com o exercício da advocacia, na forma do artigo 28, incisos II e VII, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). Em síntese, sustentou que essa função tem relevante poder de decisão sobre terceiros.

Para os julgadores das duas instâncias, entretanto, o cargo ocupado pela autora diz respeito, essencialmente, à instrução e análise de processos administrativos previdenciários. Logo, não se amolda a nenhuma das hipóteses legais que implicam incompatibilidade para o exercício da advocacia.

O relator da Apelação em Reexame Necessário, desembargador federal Cândido Alfredo da Silva Leal Junior, ainda citou precedentes da corte sobre o assunto. Um dos acórdãos, da relatoria da desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, lavrado 26 de junho de 2013, anotou: ‘‘Não constitui óbice à inscrição do impetrante no quadro de advogados da OAB a circunstância de ocupar o cargo de Técnico do Seguro Social do INSS, pois compreende atribuições essencialmente de suporte e apoio técnico, nos termos do art. 6º, II, da Lei n. 10.667/03. A investidura em cargo ou função de direção é requisito indispensável para a configuração da incompatibilidade prevista no inciso III do art. 28 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil''.  Para Leal Junior, a técnica está impedida de exercer a advocacia, apenas, contra a Fazenda Pública que a remunera, conforme prevê o artigo 30, inciso I, do mesmo Estatuto.” [1] ( grifei)

Veja-se o inteiro teor do julgado acima citado no link: http://s.conjur.com.br/dl/trf-manda-oab-rs-inscrever-tecnica.pdf

A pergunta é: O Analista e técnico do INSS tem funções decisórias. Por que nós, que não temos função decisória ( esta pertence ao Juiz) estamos vedados totalmente de advogar enquanto àquele cargo é vedada advocacia apenas contra a Fazenda que o remunera?

Por que para nós não se aplica a mesma máxima: “Para os servidores do Judiciário, é vedado o exercício da advocacia apenas contra a fazenda que o remunera”?

Essa seria a correta aplicação da Lei conforme a Constituição, pois não há fator de discriminação razoável e coerente para nos diferenciar das demais carreiras do Executivo e Legislativo.

Afinal qual o critério legitimamente manipulável, que sem danos à isonomia, autorize distinguir pessoas e situações em grupos separados para fins de tratamento jurídico diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos inerentes ao princípio constitucional da isonomia?

No que tange ao reconhecimento das distinções que não podem ser procedidas sem afronta ao preceito isonômico, poder-se-ia analisá-las sob três aspectos, que foram desenvolvidos pelo Professor: Celso Antônio Bandeira de Mello[2]: o primeiro concernente ao elemento relacionado como fator de desigualação; o segundo atinente ao nexo lógico abstrato existente entre o fator erigido em critério distintivo e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; e por fim, a consonância desta conexão lógica com os interesses salvaguardados pelo sistema constitucional.

Assim sendo, “para que certo preceito normativo não incorra em violação ao princípio igualitário, necessário se faz perquirir o fator que é adotado como critério desigualador; verificar, ainda, se existe razoabilidade, ou seja, fundamento lógico para que, em função do caractere distintivo escolhido, se dispense tratamento jurídico específico; outrossim, cumpre analisar se essa correspondência existente é in concreto, compatível com os valores consagrados pela ordem jurídica constitucional”. ( MELLO, 1999)

Assente é o entendimento de que a lei não pode adotar como critério diferencial um caractere tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, uma calasse a ser alvo do tratamento discriminatório; bem como, exigi-se que o caractere diferencial adotado, invariavelmente resida no grupo, coisa ou situação a ser discriminada, ou seja, traço algum que não exista nelas mesmas poderá servir de alicerce para submetê-las a regimes diferentes.

Como é sabido, o preceito igualitário insculpido no texto constitucional tem por escopo propiciar garantia contra perseguições, bem como tolher favoritismos.

Resta claro, pois, que se determinada norma individualiza, de forma atual e absoluta, o seu destinatário está ela, indubitavelmente, violando a regra isonômica, vez que, ou estará dispensando tratamento benéfico a um grupo de individuais, ou estará, por outro lado, impondo encargo sobre uma só classe, sem todavia, prever gravames ou vantagens para os demais. É o caso em que se pode comparar um servidor do Judiciário Federal com um Servidor do INSS.

Também é lógico que a norma individualizadora gozará de legitimidade, e por assim dizer, aceitação, quando patente estiver a consonância entre o elemento de discrime por ela adotado e o tratamento diferenciador em razão dele estabelecido. Isso não ocorre no nosso caso.

O art. 28, IV, do Estatuto da Advocacia é inconstitucional porquanto, por afronta ao preceito igualitário, ao acolher situação, para fins de regulá-la distintamente, eventualmente amparou-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade da disciplina jurídica dispensada.

Digo isso porque é cediça a influência negativa da OAB nesse sentido. Aquele conselho de Classe quer, de todo o jeito, proteger a classe de advogados de “concorrência”. Dizem que o servidor do Judiciário teria “vantagens” em relação aos demais advogados. Não dizem, porém, que vantagens seriam estas e se seriam aplicáveis a todos os casos. Retorne-se a um caso concreto para exemplificar: O que um Servidor da Justiça Federal poderia interferir; obter vantagens ou exercer prerrogativas atuando como advogado na Justiça do Trabalho?

Por óbvio, seria realmente preocupante aos “advogados” que não se atualizam concorrer com servidores públicos cheios de conhecimento (aqueles conquistados para aprovação no serviço público), disciplinados e com currículum invejável.

Tal vantagem, no entanto, não se dá apenas em relação aos servidores do Judiciário, mas um advogado que é também professor universitário, escritor de livros e com notório saber jurídico é também um “concorrente de peso” com a maioria.

Com isso, entendo que a lei não elegeu como critério de discriminação qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou acontecimentos  eventualmente diferençados que guardassem uma correspondência coerente com a desequiparação que deles resulta, o que me permite afirmar que são discriminações fortuitas e arbitrárias.

Cármem Lúcia Antunes Rocha citada por José Afonso da Silva[3] diz:

“Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental”.  ( grifei)

            Por estas conclusões e por outras que serão aventadas oportunamente ( provavelmente na ação coletiva a ser distribuída) é que submeti o assunto aos colegas da Coordenação Geral do SITRAEMG que, colegiadamente, aprovaram o maior e mais abrangente estudo de caso para que o nosso Jurídico preparasse Ação coletiva com objetivo de conseguir a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 28, IV, do Estatuto da Advocacia e, com isso, possibilitasse ao servidor do Judiciário Federal (legitimados ativos filiados ao SITRAEMG)  o exercício da advocacia.



[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

Pin It

afju fja fndc