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As ilegalidades e ilegitimidades da dívida pública brasileira

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Por Eugênia Lacerda, diretora da Fenajufe e da ANATA e Coordenadora do Núcleo DF da Auditoria Cidadã da Dívida

 Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

A Auditoria Cidadã da Dívida, associação que investiga as dívidas públicas brasileiras desde 2001, aponta indícios de ilegalidades e ilegitimidades na realização dessas dívidas. E esses indícios de irregularidades não são invenções, foram demonstrados na CPI da Dívida, instalada em agosto de 2009, realizada pela Câmara dos Deputados.

Os trabalhos da CPI foram concluídos em 11 de maio de 2010, e, dentre as ilegitimidades das dívidas, denunciadas pela Auditoria Cidadã da Dívida e reconhecidas pela CPI, está o reconhecimento de que as elevadíssimas taxas de juros (não-civilizadas) foram o fator mais importante para o crescimento da dívida, inclusive dos estados e municípios.

Além dessa, a CPI reconhece que as dívidas dos estados e municípios cresceram devido à utilização do índice IGP-DI que se mostrou “volátil” e gerou custos excessivos aos entes federados.

Ademais, a CPI constatou que a dívida interna cresceu nos últimos anos para financiar a compra de dólares das reservas internacionais, com grande custo para as contas públicas.

Reconheceu, ainda, que o Senado Federal permitiu emissões de títulos sem especificar suas características, renunciando, assim, sua competência.

Por fim, também restou comprovada a falta de informações, de documentos e de transparência da dívida o que beneficia a falta de fiscalização das dívidas.

Como se não bastassem as ilegitimidades, há também as denúncias de graves indícios de ilegalidades.

Uma delas é o anatocismo, que é a cobrança de juros sobre juros. Atualmente, é uma prática ilegal conforme súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.

Outra ilegalidade apontada são os juros flutuantes na dívida externa, prática ilegal segundo a Convenção de Viena.

Além dessas, constatou-se a ausência de contratos e documentos, a ausência de conciliação de cifras e cláusulas ilegítimas e a ilegalidade do livro fluxo de capitais, que deu origem à dívida interna.

A grande destinação dos recursos orçamentários para o pagamento da dívida também viola os direitos humanos e sociais dos indivíduos e o direito ao Desenvolvimento.

Há, ainda, fortes indícios de ilegalidade na transferência de dívidas privadas para o setor público, ilegalidade da crescente liberalização para os fluxos internacionais de capital, indício de ilegalidade face às evidências de excesso de poderes e conflito de interesses na definição das elevadas taxas de juros, indício de ilegalidade e conflito de normas no atual regime de metas de inflação, que tem servido como justificativa para sucessivos aumentos dos juros e garantia de elevados lucros aos bancos, indício de ilegalidade nas volumosas “Operações de Mercado Aberto” (que representam dívida feita sem autorização legislativa) realizadas pelo Banco Central, em flagrante burla à Lei Complementar 101/2000, que proibiu a emissão de títulos pelo Banco Central, desvio de verbas legais vinculadas a áreas específicas de cerca de R$ 50 bilhões (Royalties do petróleo, FUNDAF, entre outras) para o pagamento da dívida pública, forte indício de ilegalidade na contabilização de parte dos juros da dívida como se fossem amortizações, infração legal face à deficiência de controle e de implantação do sistema de transparência da dívida pública, indícios de ilegalidades na “renegociação da Dívida dos Estados com a União – Desequilíbrio contratual e incidência de Juros sobre Juros – violação da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.

Há, por fim, a violação de Princípios Gerais de Direito como a Razoabilidade, tendo em vista as evidências de práticas abusivas, cláusulas abusivas, taxas de juros abusivas, dentre outros aspectos tanto da dívida externa como interna e a Equidade, segundo o qual as leis não podem acobertar outras formas de abuso, como o abuso financeiro. Viola, ainda, o princípio da Ordem Pública, princípio que sustenta que nenhum sujeito pode fazer legalmente o que tende a ser injurioso ao público ou contrário ao bem público.

Além das ilegitimidades e ilegalidades, durante os trabalhos da CPI da Dívida Pública, detectaram o descumprimento de várias normas legais.

Primeiro, com relação a graves deficiências de controle e registro do endividamento público, foram apontadas:

 Segundo, com relação ao descumprimento de atribuições legais e constitucionais pelos órgãos de controle do endividamento público federal, a CPI constatou:

 Importantes Negociações da Dívida Externa com Bancos Privados Internacionais – correspondentes à parte mais relevante da dívida externa desde a década de 70 – não chegaram a ser auditadas pelo Tribunal de Contas da União;

 Por fim, os danos patrimoniais às finanças do país apresentados foram:

 

 

Apesar de a CPI apresentar todos esses indícios de irregularidades da dívida pública, o relatório final “oficial” apresentado pelo relator (dep. Pedro Novais – MA) diz não ter encontrado irregularidades no endividamento, não recomenda a auditoria da dívida e não recomenda acionar o Ministério Público para averiguações.

 Por essa razão, foi elaborado um relatório alternativo, de autoria do dep. Federal Ivan Valente – SP, que incorporou todas as análises técnicas elaboradas com o apoio da Auditoria Cidadã da Dívida e recomenda a realização da auditoria da dívida bem como o encaminhamento ao Ministério Público para o aprofundamento das investigações.

 O relatório de Novais recebeu apenas 8 votos favoráveis na CPI. O relatório alternativo de Valente não foi submetido a votação, mas contou com 8 assinaturas.

Ambos relatórios da CPI foram enviados ao Ministério Público Federal para investigações, mas até o momento não houve resultado.

A complacência dos órgãos públicos com o sistema da dívida deixa claro que somente uma auditoria cidadã da dívida pública, com a participação efetiva da população, pode garantir a análise das ilegalidades e ilegitimidades das dívidas públicas brasileiras com lisura e o efetivo encaminhamento do resultado dessa auditoria.

[1] Material utilizado: Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados, 1ª Edição 2013, Brasília/DF, Maria Lúcia Fatorelli