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VIII CONOJAF e o Oficial de Justiça do Século XXI

Por Gerardo Alves Lima Filho,presidente da AOJUS/DF. 

Durante os dias 2 a 5 de setembro de 2015, a AOJUS/DF (Associação dos Oficiais de Justiça do Distrito Federal) participou, representada pelo seu Presidente, Gerardo Lima, pelo Vice-Presidente, Júlio Fontela, e pelo Diretor, Edelson Nascimento, do VIII CONOJAF (Congresso Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais), em São Luís/MA, com o tema: Desafios e perspectivas dos Oficiais de Justiça. Nesse evento, ocorreram palestras com diversos especialistas em temas relativos às atividades desempenhadas pelos Oficiais de Justiça dos diversos ramos do Poder Judiciário da União. Indubitavelmente, o encontro foi um sucesso e cumpriu a finalidade de concentrar os debates de vanguarda que vislumbram o futuro da nossa profissão. 

Ressalte-se que, no bojo do congresso, houve a eleição da nova Diretoria da FENASSOJAF (Federação Nacional das Associações dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais). Assim, parabenizamos a Diretoria anterior, no nome do Presidente Hebe-Del Kader Bicalho, que honrou de forma competente a sua jornada à frente da entidade, e desejamos muito sucesso para a que inicia seu mandato, representada pelo Presidente Marcelo Rodrigues Ortiz, em um cenário repleto de desafios. Inclusive, nos colocamos à disposição para contribuir da melhor maneira possível nos projetos de interesse dos Oficiais de Justiça do Distrito Federal. 

Ademais, foi eleita, de forma unânime, a ASSOJAF/GO (Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais do Estado de Goiás) para realizar o IX CONOJAF, razão pela qual o evento ocorrerá em cidade ainda a ser definida nesse Estado. Não temos dúvidas de que o congresso será muito bem organizado pelos combativos colegas de Goiás. No ensejo, parabenizamos a FENASSAJOF e ASSOJAF/MA pela excelente organização do VIII CONOJAF, agradecendo ainda pela agradável receptividade. 

No que tange aos temas debatidos, houve uma questão que nos chamou a atenção de forma especial. Trata-se do diagnóstico de que um dos maiores problemas do Judiciário atualmente consiste na inefetividade dos processos de execução. Com efeito, em alguns painéis foram exibidos dados que demonstram a concentração das maiores taxas de congestionamento do Judiciário na fase executiva, de acordo com os relatórios do Conselho Nacional de Justiça. A taxa de congestionamento na fase de execução na 1ª Instância é de aproximadamente 86%, de acordo com o Relatório Justiça em Números 2014 do CNJ. 

Diante desse cenário, muitas providências têm sido adotadas pelo Judiciário de maneira a conseguir dar vazão no acúmulo de execuções com o desiderato de entregar o bem da vida buscado pela parte que invoca a tutela jurisdicional do Estado. Nesse sentido, nos últimos anos, foram desenvolvidas diversas ferramentas eletrônicas para facilitar a localização de bens dos devedores (Bacen-Jud, Renajud, Infojud etc.). No âmbito da Justiça do Trabalho, digna de registro a implementação dos Núcleos de Pesquisa Patrimonial, previstos pela Resolução GP nº 138, de 09 de junho de 2014, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. 

Entretanto, esses Núcleos não se apresentam como panacéia para todos os males. Deveras, a despeito da relevância de se passar a criar um mecanismo de gestão mais direcionado para as execuções, a nosso sentir, o novel ato normativo deixa de valorizar e atribuir poderes para os agentes mais capacitados a realizarem a adequada investigação patrimonial em função da sua atividade externa e, consequentemente, da possibilidade de diligência no domicílio do devedor: os Oficiais de Justiça. 

Atualmente, os Oficiais de Justiça estão inseridos em um contexto caracterizado por dois fatores relevantes, que caminham de braços dados: a expansão do processo eletrônico e o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, com entrada em vigor em 18 de março de 2016). Com a elevação dos números de utilização do PJE, há uma tendência de redução de atos de comunicação. A título de exemplo, podemos citar o art. 246, § 1º, do novo CPC, que impõe às empresas públicas e privadas (com exceção das microempresas e empresas de pequeno porte) a obrigatoriedade de manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos para recebimento de citações e intimações por esse meio. Pode-se ainda fazer referência ao art. 248, § 4º, do referido diploma legal, que autoriza ao correio a entrega do mandado de citação na portaria nos casos de condomínios edilícios e loteamentos com controle de acesso, o que eleva o êxito das diligências empreendidas pela via postal. 

Precisamos, portanto, de um novo paradigma no cargo do Oficial de Justiça. Um caminho que parece inexorável no caminho para a valorização da atividade aponta para a redução de tarefas simples, como o cumprimento de mandados de citações, intimações e notificações, e a assunção de encargos mais complexos como a gestão estratégica das execuções, por exemplo. Evidentemente, isso não significa trabalhar mais, até porque acompanhamos de perto a sobrecarga que tem adoecido os Oficiais, mas trabalhar melhor, isto é, buscando o máximo de resultado com o mínimo de diligências.      

A esse respeito, faz-se mister salientar que, dentro das execuções, aquelas com menor taxa de efetividade dizem respeito às de natureza fiscal. Não foi à toa que o Conselho Nacional de Justiça criou o Programa Nacional de Governança Diferenciada das Execuções Fiscais. Conforme as informações do CNJ, 50% dos processos em curso no Judiciário são de Execução Fiscal e a taxa de congestionamento desse tipo de demanda é de 91%, de acordo com Relatório Justiça em Números de 2014. As diretrizes do programa consistem em uma atuação proativa e criativa para conseguir reduzir o acervo processual. 

Sob essa perspectiva, verifica-se com muita facilidade que os Oficiais de Justiça possuem condições de elevar substancialmente a arrecadação tributária do governo, uma vez que detêm a expertise necessária para a localização de bens. Na realidade, os Oficiais de Justiça se tornariam imprescindíveis para as partes porque garantiriam a materialização dos direitos, para os advogados com o resultado útil das demandas, para o governo em decorrência do aumento da arrecadação, e para o Judiciário, que não teria sua imagem corroída em virtude da dificuldade de efetividade das decisões judiciais. Em uma visão mais ampla, a atividade dos Oficiais de Justiça seria extremamente relevante para o mercado de crédito e o desenvolvimento econômico, uma vez que garantiria às empresas a segurança jurídica na celebração dos diversos contratos, pela atuação eficaz da Justiça no caso de inadimplemento. 

Sobre o tema, não se pode olvidar que os Oficiais de Justiça praticam atos processuais diretamente e de forma autônoma. Enquanto ator processual reconhecido pelas diversas leis processuais, o Oficial de Justiça é o agente responsável pelas citações, prisões, penhoras, arrestos, despejos, reintegrações de posse, buscas e apreensões, avaliações etc. Desse modo, apresenta-se como um dos mais relevantes servidores da estrutura processual. É bem verdade que, em muitas situações, essas funções são delegadas atualmente para o correio, a polícia, os magistrados e servidores internos a partir das diligências eletrônicas, os peritos etc. Então, o grande desafio é capturar uma sistemática com tarefas que somente os Oficiais de Justiça consigam desempenhar com grau de excelência, um diferencial frente às outras possibilidades de prática dos atos processuais. 

Nesse novo formato, a valorização seria corolário evidente. Poderíamos buscar o mesmo respeito e consideração atribuídos às mais nobres carreiras jurídicas, que nos últimos anos receberam melhorias significativas em suas condições de trabalho e remuneração. Consequentemente, a PEC 414/2014, que reconhece o Oficial de Justiça como carreira típica de Estado, tramitaria com muito mais facilidade e teríamos o respaldo necessário até mesmo para ingressar com uma Proposta de Emenda Constitucional similar à dos advogados públicos e delegados (PEC 443/2009), que vincula a remuneração desses agentes a 90,25% do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. 

Não seria desnecessário observar que a atividade de arrecadação tributária é tão relevante, que já vem sendo ambicionada por outros órgãos que vislumbram as dificuldades do Poder Judiciário. Diversos projetos de lei já trataram do processo de desjudicialização da execução fiscal ou execução fiscal administrativa, com o objetivo de retirar boa parte dessa atividade do Judiciário. 

Impende salientar que, de acordo com Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (“Custo e Tempo do Processo de Execução Fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional”), a ação de execução fiscal no âmbito da Justiça Federal dura em média 9 anos, 9 meses e 16 dias, possuindo probabilidade de recuperação integral do crédito de 25,8%. Sabe-se, igualmente, que o estoque da dívida ativa de pessoas físicas e empresas com a União fechou 2014 em R$ 1,387 trilhão (aproximadamente 25% do PIB), conforme a reportagem “Dívida de pessoas físicas e empresas com a União cresce 9% em 2014 e atinge R$ 1,4 tri” (de Eduardo Campos, Site do Valor Econômico, 06/02/2015), que aponta ainda que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional apenas conseguiu recuperar R$ 20,638 bilhões desse valor junto aos devedores ao longo de 2014, ou seja, aproximadamente 1,49% do total. Em resumo, uma atuação mais efetiva dos Oficiais de Justiça poderia resultar em aumento da arrecadação em algumas dezenas ou mesmo centenas de bilhões de reais.   

Essa tentativa de criação da execução administrativa, entretanto, traz a lume uma questão da mais alta relevância, qual seja, se há a discussão e possibilidade de atribuição desse processo para órgãos fora da estrutura do Judiciário, resta evidente que as execuções podem permanecer no seio desse Poder, porém com o protagonismo dos Oficiais de Justiça. Os Oficiais podem gerir todo o processo de execução e nas situações que requeiram o julgamento de alguma questão os autos seriam remetidos para o magistrado. 

Acrescente-se ainda que nos processos de execução coletiva (falência, regulada pela Lei nº 11.101/2005, e insolvência civil, que encontra normatização nos arts. 748 a 786-A do CPC de 1973), há a figura do administrador judicial, com atribuições de gerir a massa de bens. As suas funções, em apertada síntese, dizem respeito à arrecadação e avaliação dos bens, representação da massa, prática de atos conservatórios de direitos e cobrança de dívidas e alienação dos bens, com autorização judicial. Os administradores judiciais são auxiliares do juízo e nomeados ao alvedrio do magistrado, seguindo alguns parâmetros estabelecidos na legislação de regência. 

Com a alta remuneração, inclusive, nos últimos anos, vem se criando um mercado para exercício dessa atividade, o que despertou o interesse de grandes escritórios de advocacia e empresas de consultoria. No que interessa ao presente artigo, verifica-se a possibilidade de um agente público diverso do magistrado participar com protagonismo da gestão do processo de execução. Em outros termos, não há óbice legal a uma maior autonomia do Oficial de Justiça no processo de execução. 

O fato é que nos últimos anos muitos pleitos absolutamente justos têm sido sistematicamente negados aos Oficiais de Justiça. Essa questão demanda uma análise mais aprofundada e requer providências mais efetivas do que a mera repetição dos mesmos pedidos, com a tentativa de agregar novos argumentos. Isso porque a negativa decorre não de uma questão jurídica e sim política. O indeferimento resulta da falta de valorização atual dos Oficiais de Justiça. Aliás, a evolução dos meios eletrônicos de comunicação processual trouxe à baila até mesmo o debate sobre uma possível extinção do cargo, com a atribuição das funções remanescentes a outros servidores, mediante nomeação específica, processo iniciado em alguns Estados da Federação. Inclusive em Tribunais Federais, já tivemos redução do número de cargos de Oficial de Justiça. 

Nesse raciocínio, torna-se necessária a reinvenção do cargo de Oficial de Justiça. Não podemos ficar apegados a um modelo cuja decrepitude se mostra uma questão de tempo. É preciso um novo posicionamento do Oficial na dinâmica processual, em que ele se torne tão imprescindível que ninguém em sã consciência cogite ideias de redução da quantidade de cargos ou mesmo de negativa de pedidos justos, como a recomposição da indenização de transporte, a aposentadoria especial, a redução tributária sobre o veículo utilizado no cumprimento de mandados, entre outros. 

Em primeiro lugar, nessa nova configuração, sugerimos a criação de Núcleos Estratégicos dos Oficiais de Justiça, que ficarão encarregados da investigação da localização de pessoas e bens, além da otimização das diligências e proposição das medidas necessárias para a resolução das demandas. Inicialmente, esse Núcleo receberia as execuções mais antigas para verificar o que pode ser realizado para a sua resolução. Paulatinamente, iria receber os demais processos para traçar caminhos mais eficazes e sistemáticos do que os praticados atualmente. Esse setor poderia atuar em parceria com o Núcleo de Investigação Patrimonial no caso da Justiça do Trabalho, em que já houve a criação, uma vez que as finalidades são próximas. 

O Núcleo Estratégico dos Oficiais ficaria incumbido de gerenciar todos os sistemas informatizados que podem auxiliar na busca de informações para o cumprimento dos mandados, identificando a ocultação de bens e a mudança de endereço para se furtar aos processos judiciais. Os autos do processo seriam enviados para esse setor realizar a investigação completa, onde poderia ser aberto um processo administrativo para tratar da situação de cada parte. Todas as informações das partes seriam catalogadas em bases de dados eletrônicas para otimizar diligências futuras, indicando o endereço atual (por exemplo, onde a parte foi encontrada pela última vez em processo anterior), bens relacionados ou penhorados em processos anteriores, fraudes à execução praticadas anteriormente, ficha criminal das partes, proposição de diligências investigativas para coleta de dados, e estudos sobre técnicas de descoberta de fraudes e investigação patrimonial. 

Isso evitaria diligências inócuas, repetitivas e desinformadas de localização de pessoas e relacionamento de bens, que apenas servem para justificar a inocorrência da prescrição intercorrente. No formato proposto, o viés passa a ser coletivo, em função da gestão de todas as demandas de execução, e com foco nos resultados. Em uma abordagem mais completa e tendo em vista que todas as tentativas foram realizadas, possível se pensar até mesmo na deflagração do prazo para extinção das obrigações do devedor, conforme previsto nos arts. 158, III e IV, da Lei de Falências, e 778 do CPC, com o intuito de arquivar definitivamente processos que nunca chegarão a qualquer resultado útil e representam custo elevado para o Estado. 

Em termos gerais, o magistrado certificaria o direito e o Oficial de Justiça seria o principal ator no que tange às medidas satisfativas. Pela redação do art. 782 do novo CPC, o juiz determinará os atos executivos e o Oficial de Justiça fica encarregado do seu cumprimento. Nada impede uma interpretação em que o magistrado autoriza no início da execução que os Oficiais de Justiça adotem todas as providências necessárias para a concretização dos direitos, em uma linha afinada com o princípio da efetividade. Haveria, dessarte, uma atuação sistemática desde a constrição cautelar dos bens até a realização do leilão ou da hasta pública e não a maneira, muitas vezes, isolada em que os Oficiais atuam hodiernamente, sem a informação do contexto global do processo. 

É possível ainda a solicitação dos Oficiais de Justiça de autorização específica nos casos que envolvem cláusula de reserva de jurisdição, tais como a quebra de sigilos bancário e fiscal e a ordem de arrombamento. A tutela jurisdicional precisa ser justa, célere e efetiva, razão pela qual devem ser buscados os mecanismos necessários para a sua implementação. 

Outrossim, a nova atribuição dos Oficiais de Justiça, prevista no art. 154, VI, do novo CPC, de certificar proposta de autocomposição de qualquer das partes, pode ser interpretada de maneira mais ampla. Mais do que apenas certificar, o Oficial deve informar às partes os benefícios da autocomposição e estimulá-las à adoção de medidas consensuais de maneira a reduzir o acervo processual. A proximidade com as partes facilita sobremaneira a descoberta de pontos comuns que podem atender ao interesse dos litigantes. Essa nova função também auxiliará na redução do passivo de execuções. 

Por fim, importante observar que entre os dias 2 e 5 de junho de 2015 foi realizado, em Madrid na Espanha, o 22º Congresso Internacional dos Oficiais de Justiça, organizado pela União Internacional dos Oficiais de Justiça, cujo tema central remontou ao papel do Oficial de Justiça enquanto agente capaz de aproximar o Direito e a Economia em uma nova abordagem. No encontro, os eixos de reflexão gravitaram em torno da atividade do Oficial como vetor de desenvolvimento econômico, a abordagem para implementação das decisões no século XXI e a relevância da eficácia da justiça para o desenvolvimento econômico mundial justo. Desse modo, as propostas trabalhadas neste texto se encontram afinadas com a abordagem internacional do tema. 

Enfim, a proposta exposta acima não pretende apresentar uma solução definitiva para todos os desafios que se apresentam à valorização da nossa atividade, mas de iniciar um debate mais profundo acerca do que precisamos para o reconhecimento da relevância do Oficial de Justiça pela sociedade, pelo Poder Judiciário e pelo governo. Trata-se, portanto, de um conjunto de reflexões que vislumbra um horizonte grandioso e almeja alçar o nosso cargo ao mesmo patamar das mais valorizadas carreiras jurídicas, com a caracterização do Oficial de Justiça do século XXI. 

Brasília/DF, 07 de setembro de 2015.

 

 

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