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Enfim, o nepotismo começa a naufragar

Por Madalena Nunes* – 16/03/06

Não foi uma luta fácil. Conseguir a proibição concreta do nepotismo no Judiciário é o resultado de décadas de lutas e ações da organização sindical no Poder Judiciário e demais organizações sociais, que muito fizeram para conquistar essa vitória.

Foram muitas campanhas de esclarecimento do que significa nepotismo e dos prejuízos que essa prática traz ao serviço público; Foram muitas denúncias da imoralidade que representa o nepotismo dentro do Poder Público; Foram muitas ações políticas e mesmo judiciais buscando o resgate da justiça contra a prática do nepotismo. Foi uma batalha gigante, em todo país. Até porque é gigante a causa, pois significa a contestação contra a prática arraigada de favorecimento familiar e parentesco por parte de quem detém o poder.

Dentro do Judiciário essa prática é comum e considerada natural pela maioria dos juízes e desembargadores. Mas não pelas servidoras e servidores concursados, aviltados nos seus direitos e ainda obrigados a executar tarefas daqueles que muitas vezes sequer compareciam ao local de trabalho, pois bastava serem parentes de magistrados para terem direitos a significativos salários e outros benefícios.

Nesse caso, natural é a indignação. E esta não se acomodou, antes, reagiu e resistiu de todas as formas, onde o movimento sindical no judiciário exerceu um papel fundamental, não se intimidando diante das ameaças e perseguições. O tacão foi pesado.  Militantes sindicais que assumiram o desafio de lutar e denunciar a prática do nepotismo perseguidos, transferidos para outras localidades, tiveram seus salários reduzidos, não recebiam promoções, enfim, sofreram retaliações e discriminações de todas as formas.

Mas isso não é tudo. Insatisfeitos com as perseguições e discriminações, alguns juízes presidentes de tribunais sem justificativas junto à sociedade de suas práticas nepotistas, demonstraram sua força de poder demitindo sumariamente militantes sindicais. É importante aqui registrar dois casos arbitrários de demissões, emblemáticos nas perseguições a militantes sindicais que ousaram lutar pelo fim do nepotismo: Moisés Szmer Pereira, que teve sua aposentadoria cassada em 1994, felizmente, hoje revertido aos quadros do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro e Paulo Roberto Rios Ribeiro, exonerado também sumariamente do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão em 1995, e mesmo depois de dez anos, com inúmeras ações judiciais e políticas no sentido de reverter sua exoneração, implementadas pelo movimento sindical através dos Sindicatos do Judiciário e da Federação Nacional dos Trabalhadores no Judiciário Federal e Ministério Público da União, ainda permanece exonerado, numa demonstração de força dos detentores do poder e da prática do nepotismo no Judiciário.

Também não podemos deixar de citar o caso do Tribunal de Justiça do Piauí, quando em 1993, o Sindicato dos Servidores no Poder Judiciário do Piauí denunciou o chamado "três da alegria", onde vários parentes e amigos de desembargadores e juízes foram agraciados com promoções ou nomeações para cargos no TJ do Piauí.

Imediatamente após as denúncias, o presidente do tribunal suspendeu o recolhimento da contribuição sindical, obrigou servidores a se desfiliarem do sindicato e aos que ousaram resistir, restou a redução de 50% nos seus salários, contrariando, assim, a legislação brasileira, inclusive normas constitucionais, numa atitude autoritária e arbitrária de interferência e intervenção na organização sindical e de abuso de poder.

Isso é só uma amostra das perseguições e retaliações sofridas em nome da manutenção do nepotismo, mas existem inúmeros outros exemplos que o espaço não nos permite citar.

Mas "tudo vale a pena se a alma não é pequena". Hoje podemos comemorar um passo significativo rumo ao fim do nepotismo. Após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que numa votação histórica no dia 16 de fevereiro de 2006, por 9 votos a 1,  manteve a Resolução de n° 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça, vedando a contratação de parentes de magistrados até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário.

Essa medida não é a única que proíbe o nepotismo, existem inúmeras outras, inclusive os princípios constitucionais de impessoalidade e moralidade no serviço público. Mas com certeza é a que teve maior repercussão, até por que vivemos um momento propício para questionamentos dos desmandos do poder público, onde a sociedade não mais aceita práticas arcaicas e viciadas de apropriação do público pelo privado.

Nessa luta não caminhamos sozinhos, a postura de contestação do nepotismo por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação Nacional dos Magistrados, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, e muitas outras organizações sociais foi determinante para essa conquista.

Podemos comemorar o fim do nepotismo? Ainda não, visto que é uma constante no Poder Executivo e Legislativo. No Judiciário, o Brasil inteiro viu a reação de juizes e desembargadores negando-se a demitir seus parentes. Mas podemos dizer que o nepotismo começa a naufragar. Nós do Judiciário estamos em festa, pois tendo como aliado o "Guardião da Constituição", como é conhecido o Supremo Tribunal Federal, podemos dizer que o nepotismo sofreu um golpe fatal, pois não haveremos de permitir mais essa prática ainda que camuflada, seja direto ou na forma de troca de favores, conhecido como nepotismo cruzado.

Nesse sentido, não poderíamos deixar de parabenizar o Movimento Sindical no Judiciário, pioneiro nessa luta e que destemidamente foi em busca de aliados a fim de contribuir para um Judiciário justo, democrático e moralizado, com credibilidade social e sem a mácula do clientelismo e apadrinhamento, práticas que transformam a administração pública em negócios de natureza privada e familiar.

Com isso podemos acreditar que é possível avançar e garantir a proibição do nepotismo também no Executivo e Legislativo. Registramos que já existe em tramitação na Câmara dos Deputados uma lei que proíbe o nepotismo naquela instituição, onde devemos iniciar uma campanha pela sua aprovação e estender a proibição dessa prática em todo poder público, pois se é público, não se admite apropriação por quem quer que seja. Continuamos lutando para que o acesso ao serviço público seja exclusivamente através de concurso público, é esse o caminho para garantir um serviço público de qualidade e sem clientelismo.

Viva o fim do nepotismo! Viva a luta dos trabalhadores!

* Maria Madalena Nunes é servidora do Judiciário Federal, ex-diretora da Fenajufe e do Sintrajufe/PI, licenciada em História pela UESPI e diretora de Organização da Central Única dos Trabalhadores no Piauí.

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