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Igualdade de gênero e participação política

Por Flávia Piovesan* – 27/05/05

Em pesquisa recente a respeito da diferença de direitos entre homens e mulheres, divulgada pelo Fórum Econômico Mundial em 16 de maio, o Brasil alcançou a 51a posição, considerando 58 países -- 30 pertencentes à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e outros 28 países em desenvolvimento. Foram considerados cinco fatores: participação econômica; oportunidade econômica; atuação política; acesso à educação; e saúde e bem-estar.

Ainda que à frente, nas primeiras posições, despontem os países escandinavos, como Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia, países latino-americanos, como a Colômbia, o Uruguai e a Argentina ocupam uma posição bem mais avançada que a do Brasil, estando, respectivamente, em 30o, 32o e 35o lugar. Note-se que até o Zimbábue e a Indonésia revelam melhor situação, ocupando o 42o e o 46o lugar. No quesito participação política das mulheres, o Brasil é o penúltimo da lista, perdendo apenas para a Jordânia.

O que pode explicar o acentuado e preocupante grau de desigualdade entre homens e mulheres no Brasil, especialmente no campo da participação política?

No horizonte histórico de construção dos direitos das mulheres, jamais se caminhou tanto quanto nas últimas três décadas. Elas compõem o marco divisório em que se concentram os maiores avanços em prol da igualdade de gênero, decorrentes, sobretudo, da capacidade de articulação e mobilização do movimento de mulheres.

No plano jurídico, à luz da Constituição Federal de 1988 (que incorporou a maioria significativa das reivindicações das mulheres) e dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos adotados pelo Brasil, resta assegurada a plena igualdade entre os gêneros no exercício dos direitos civis e políticos, sendo vedada qualquer discriminação contra a mulher.

Todavia, os dados da realidade brasileira invocam a distância entre os avanços normativos e as práticas sociais, que refletem um padrão discriminatório em relação às mulheres.

No campo dos direitos políticos, ainda é bastante reduzida a participação de mulheres no âmbito dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

No Poder Legislativo, em 2001, a média nacional de participação de mulheres correspondia a 11,54%, enquanto que a participação de homens correspondia a 88,46%. Observe-se que as mulheres compõem 50,48% do eleitorado nacional. A direção dos próprios partidos políticos não se mostra igualitária no que tange ao gênero, destacando-se que a participação de mulheres em 2000 apontava a 12%. Este percentual reflete exatamente a participação das mulheres na poder Legislativo, o que retrata a perpetuação da desigualdade de gênero nestas distintas instâncias de participação política.

No Poder Executivo a participação de mulheres, em cargos públicos eletivos, atém-se a 5,71%, enquanto que a participação masculina aponta a 94,29% (dados de 2001). Nos quadros da Administração Pública, embora as mulheres sejam 52,14% dos servidores públicos na esfera da Administração Direta, estão representadas em maior concentração em cargos de menor hierarquia funcional. Na medida em que se avança nos cargos de maior hierarquia funcional, o número de mulheres decresce significativamente. A título exemplificativo, aponte-se que as mulheres compõem 45,53% dos cargos DAS1 (hierarquia inferior) e apenas 13,24% dos cargos DAS6 (hierarquia superior).

No Poder Judiciário, até 2000, não havia qualquer mulher na composição dos Tribunais Superiores. Em 1998, a participação de mulheres era de apenas 2%, sendo que, em 2001, este percentual elevou-se a 8,20%. No tocante às 1a e 2a instâncias jurisdicionais, a elevada participação das mulheres (em média 30% na 1a instância) explica-se pelo fato desses cargos serem ocupados por concurso público e não por indicação política, como ocorre nas instâncias superiores.

Embora as mulheres sejam mais da metade da população nacional, sua representatividade nos quadros dos Poderes Públicos está muito aquém dos 50%, alcançando, no máximo, o percentual de 12% (no caso do Legislativo).

A reduzida participação de mulheres nos postos decisórios traduz a dicotomia entre os espaços público e privado, que acaba por condicionar o exercício de seus direitos mais fundamentais. Se ao longo da história atribuiu-se às mulheres o domínio do privado, a esfera doméstica da casa e da família, gradativamente testemunha-se a reinvenção dos espaços público e privado. Constata-se a crescente democratização do espaço público, mediante a participação ativa de mulheres nas mais diversas arenas sociais. Contudo, resta o desafio de democratização do espaço privado – cabendo ponderar que tal democratização é fundamental para a própria democratização do espaço público.

Daí a relação de interdependência entre os direitos políticos e os direitos civis. Vale dizer, o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres requer e pressupõe o pleno exercício de seus direitos civis e vice-versa. Ressalte-se que, até o advento da Constituição de 1988, era legalizada a hierarquia entre os gêneros e a desigualdade absoluta das mulheres no campo dos direitos civis, com base no Código Civil de 1916, apenas revogado em 2002, com a aprovação do novo Código, que veio a romper com o legado discriminatório em relação à mulher.

O maior desafio é introjetar e propagar os valores igualitários e democratizantes consagrados na Constituição e nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, compondo um novo paradigma, emancipatório, capaz de transformar valores sociais e práticas culturais discriminatórias, assegurando o exercício da cidadania civil e política das mulheres brasileiras, nos espaços público e privado, em sua plenitude e com inteira dignidade.

* Flávia Piovesan é professora doutora da PUC-SP nas disciplinas de Direito Constitucional e Direitos Humanos, professora de Direitos Humanos do Programa de Pós Graduação da PUC-SP e do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento na Universidade Pablo Olavide (Espanha), visiting fellow do Programa de Direitos Humanos da Harvard Law School (1995 e 2000), membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e procuradora do Estado de São Paulo.

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