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O que a necropolítica tem a ver com nossas vidas, servidores?

Por Kelly Cristina* 

“O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita, o dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático. (…) Nos Estados Unidos, ficam quatro, cinco anos sem dar reajuste e quando dão, todo mundo fica ‘oh, muito obrigado’(…);”

“Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa, trancado com a geladeira cheia, assistindo à crise, enquanto milhões de brasileiros estão perdendo o emprego.”

“Nós já botamo (sic) a granada no bolso do inimigo.” O que todas essas afirmações têm em comum, além de se referirem aos servidores públicos e terem sido ditas pelo Ministro da Economia? Qual a relação delas com uma ideologia que se desenvolveu desde a colonização das Américas e agora nos ataca, numa expressão do refinamento daquilo que se conhece pelo ‘deixar viver e fazer morrer’, a necropolítica?

Quero acreditar que todos somos trabalhadores; sim, tal como tantos na iniciativa privada e como aqueles que empreendem. Somos separados apenas pelas “regras do jogo” desse sistema no qual estamos inseridos.

Somos aqueles que, em algum momento da vida, paramos para analisar as condições de

sobrevivência nesse sistema – que nos é imposto desde que nascemos e a depender de onde nascemos. Escolhemos, portanto, dedicar parte da nossa vida ao estudo mecanizado e repetitivo, numa competição nada justa, é verdade, pela aprovação no concurso público.

Fizemos de nossas existências, por um longo ou médio prazo, no mínimo, um eterno repetir diariamente de leis e conceitos, aqueles que bem sabemos, seriam cobrados e colocados de forma, às vezes, nada intuitiva, para nos “pegar” e nos fazer perder a possibilidade de manutenção da nossa vida e da nossa família.

Sim, todos temos em comum, ao menos após a Constituição de 1988, o fato de termos dedicado parte de nossas vidas (principalmente de nosso tempo com aqueles que amamos e estimamos) para realizar um projeto de trabalho que nos possibilitasse manter a vida e, certamente, trazer algum conforto aos nossos queridos (um plano de saúde, uma segurança na moradia, no deslocamento e, para alguns, conhecimento de lugares outros, por meio de viagens).

Trabalhando honestamente, não há quem esteja rico, abastado; mas certamente somos, dentro das condições de cada um, a concretização de uma vida abastecida das necessidades básicas e, certamente para alguns, de um ‘a mais’ nas condições materiais de vida.

A questão é: uma vez supridas as necessidades básicas, o que deixamos de observar e perceber e por que estamos, hoje, na classificação de inimigos da nação? Como categoria mobilizada, na história do Brasil, somos pioneiros nas lutas por melhores direitos e condições de trabalho – mas também somos vanguardistas em aderir de forma acrítica ao modus operandi daqueles que nos governam, uma vez atendidas nossas demandas.

Discussões filosóficas, das quais podemos citar Foucault e sua ideia de biopoder (no exercício do direito soberano de matar), Bataille e sua colocação da soberania (do Estado, da Nação) como um espaço no qual o limite da morte foi abandonado e Hanna Arendt e sua afirmação de que a política de raça está relacionada com a política de morte, nos trazem lições primorosas sobre como a necropolítica está refletindo, agora em nós, a manifestação de seu refinamento em argumentação e desenvolvimento de um “novo” conceito de Estado e economia.

Essa é a manipulação do imaginário coletivo, que se traduz na percepção da existência do outro como um atentado a minha própria vida (uma ameaça mortal ou perigo absoluto), cuja eliminação biofísica representaria o reforço de minha vida e segurança, e tem sido um discurso

reiteradamente utilizado. Nesse momento ela é divulgada como exercício de soberania pelo povo, por meio do Estado.

É o que pretendem expressar e, expressam com sucesso, afirmações de que somos nós os responsáveis pela pobreza e subdesenvolvimento do Estado brasileiro – percebam, no discurso, pessoas vivem pior e de forma indigna porque somos os parasitas da riqueza do Estado.

Tal ideal remonta às bases da Revolução Francesa, quando ao povo foi democratizado o “direito de matar” e porque não dizer, quando dos processos de conquistas dos territórios da América Latina, na exterminação das vidas aqui existentes – e porque não dizer também, como prática contínua de promover civilização aos “Novos Estados e Nações” constituídos.

A relação entre a paixão do público por vingança e as noções de justiça são muito bem conhecidas historicamente. Lembremo-nos das procissões dos condenados pelas ruas antes da execução, os desfiles de partes dos corpos.

Vivemos, desde o que se pretendeu intitular “modernidade”, a expressa fusão entre terror e razão. Somos nós, agora, atingidos pela mesma lógica que se perpetua há séculos – e a qual deixamos escapar de forma acrítica – mas que podemos combater, se nos auxiliarmos mutuamente, numa composição como categoria (a qual somos experts em construir), dado que a história nos demonstra.

A necropolítica é um conceito do qual devemos nos apropriar – pois temos condições teóricas para isso – estudar seus meios de realização, de disseminação e convencimento. E, devemos, sobretudo, combater.

Dela são reflexos a morte de pessoas inocentes, em sua maioria pertencentes a um grupo específico de pessoas e cor, a redução e, até, supressão dos direitos de trabalhadores da iniciativa privada – tudo isso como forma de perpetuar segurança, acumulação de riqueza indevida e manutenção de projeto de poder de uma classe minoritária e que nos subjuga e coloniza, desde a invasão da América.

Pela manutenção de nossas condições dignas de trabalho e existência, garantidas por meio de lutas daqueles que nos antecederam, pela manutenção da dignidade dos trabalhadores da iniciativa privada, com muito menos prerrogativas de lutas e posicionamentos que nós, pela erradicação desse projeto de “deixar viver e fazer morrer” que agora nos mira e irá nos atingir até o limite da dignidade de nosso trabalho e vida, eu digo: está mais do que na hora de nos unirmos e lutarmos por aquilo que nos é garantido pelo direito (posto e natural); produzimos para o Estado, logo, devemos ser por ele valorizados e reconhecidos!

Lutemos por nós, pelos nossos, pelos menos favorecidos e pelos que virão!!!

Não à precarização do serviço público e nenhum direito a menos!!!

Estejamos atentos: é UNIÃO, RESISTÊNCIA e AÇÃO ou barbárie!!!

*Kelly Cristina Alves Massuda Artero é servidora pública federal, ecofeminista e ecossocialista, bacharel em Direito, especialista em Direito Constitucional e mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos, pela UFGD.

 

Artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, as ideias ou opiniões da Fenajufe.

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