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Estão querendo te enganar! Parte 1 - Corrupção no serviço público*

Por Denise Carneiro*

Este Artigo sobre o Serviço Público será dividido em 3 partes: A primeira tratará sobre a “Corrupção”, a segunda sobre “Altos Salários” e a terceira sobre a “Precariedade no serviço versus privatização”. Alerto que se trata de resumo e não visa esgotar todos os aspectos do tema, apenas os mais relevantes. Nesta primeira parte veremos que, ao contrário do que alardeiam os neoliberais e corruptos, o funcionário público é sim o elemento chave do combate à corrupção. Surpresos? Pois é... Mas nem sempre foi assim.


Antes da Constituição Federal de 88 e da Lei 8112/90, políticos corruptos poderiam utilizar os órgãos públicos livremente como extensão da sua empresa ou casa. Era comum eles indicarem amigos e parentes para exercer cargo público e, em contrapartida, esses atuariam ali ou para corromper licitações ou como funcionários fantasmas pagadores das “rachadinhas”. Em geral os indicados perdiam o emprego facilmente, fosse porque o político que o indicou não se reelegeu, ou por não estar satisfeito com a atuação do seu indicado, ou ainda por querer sua vaga para uma nova barganha. Sabemos que nem todos os cargos comissionados são preenchidos por ajudantes de corruptos, óbvio, reconhecemos a existência de pessoas idôneas nesses cargos e elas merecem nosso respeito; mas uma pesquisa do ministério público revelou que cargos de livre nomeação são “portas abertas” para as ilicitudes. Segundo o Procurador Coaracy Fonseca (MPE/AL) “ocupar um cargo em comissão não é indício de desonestidade, mas a realidade brasileira vem demonstrando que estes cargos vêm sendo utilizados para facilitar ‘esquemas’ no serviço público”. Isso nem a mídia e nem o governo mostram.


A mídia também não mostra que esses fatores são os principais motivos para tantos ataques contra o servidor público, pois a exigibilidade do concurso e a estabilidade do servidor cortou em média 50% a possibilidade de barganha de cargos públicos. O fato de negar ao seu “chefe” o poder de demiti-lo por se negar a burlar uma licitação ou por não aceitar pagar a “rachadinha”, ou por fiscalizar e até punir um político corrupto - que pode ser até quem o indicou - deixou furiosos muitos políticos. Reconhecemos que em todas as profissões há erros de conduta, mas quando há casos de corrupção com envolvimento de servidor de carreira, ele é processado com o mesmo rigor legal. Se os governos estivessem realmente preocupados com a corrupção, ao invés de acabar com a obrigatoriedade do concurso e com a estabilidade, deveriam aprovar vários projetos que estão parados no Congresso e que visam reduzir o número de vagas de livre nomeação. O economista doutor em políticas públicas pela USP Marcos Mendes defende a existência desses cargos, mas em menor número do que existe hoje porque ela “viabiliza vícios como o empreguismo e o aparelhamento partidário da máquina pública”. Ao contrário dos cargos providos por concurso, esses cargos de livre nomeação (ou cargos comissionados) são geralmente portas abertas para a corrupção. Esses cargos servem também como o chamado “cabide de emprego” e geralmente são utilizados como moeda de troca por voto ou campanha para este ou aquele candidato, ou também, como nesse governo, para inserir em postos chaves do serviço público pessoas ligadas ao perfil ideológico do governo muitas vezes sem a menor condição técnica. Por isso a sanha deles para acabar com o concurso, e com a estabilidade do servidor.


Segundo o jornal Correio Brasiliense, quase metade dos servidores comissionados assentados nos órgãos públicos do Governo do Distrito Federal (GDF) não passou por concurso. Isso não é novo. O quadro é ainda mais grave nas administrações regionais: 84% dos funcionários comissionados estão lá por indicação política. Não entraram por concurso e, se não obedecerem aos seus chefes (políticos que os indicaram) podem perder o emprego. Um estudo publicado em 2014 pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) não encontrou números semelhantes em outros países. No quesito “menor percepção de corrupção”, criado pela ONG Transparência Internacional, o Brasil vem piorando o desempenho desde 2018; chegando, em 2019, ao pior patamar da série histórica desde 2012, ficando em 106º lugar entre os 180 países pesquisados pela ONG.


Na comparação com outros países, o Brasil está ganhando entre os mais corruptos e perdendo na relação entre o número de servidores e a população do país. Aqui, para 100% dos trabalhadores, apenas 12% está no serviço público, bem abaixo de países como a Inglaterra (23%), França (20%), Austrália (18%); e a média da OCDE é de 21%. Citei esses países porque são os que possuem os melhores serviços gratuitos de saúde e investem muito mais do que o Brasil investe, tanto em valores como em número de funcionários. Outro objetivo para o ataque aos servidores, da forma odiosa e falsa adotada pelo atual governo, é a decisão política de desmontar todo o aparato de assistência à população, e entregar o serviço a empresas privadas. As consequências disso trataremos na terceira parte.


Uma reflexão importante é pensarmos se, nesse momento e com esse atual governo, como estariam os órgãos fiscalizadores caso os indicados pelo Presidente pudessem mudar os ocupantes de todos os cargos colocando ali os seus amigos? Será que esses teriam isenção e liberdade para trabalhar no estrito cumprimento do dever? A CF e a Lei 8112 são impeditivos para essa barganha generalizada. Essa situação nunca vivida por nós torna-se então uma oportunidade única, espero que não tardia, para esclarecer a relação simbiótica entre o serviço prestado e o povo brasileiro, e de entender que o servidor público concursado é funcionário do povo brasileiro, faz parte da classe que vive do trabalho e não desse ou daquele político com uma agenda específica e muitas vezes escusa. Precisamos da consciência e da compreensão tanto dos servidores quanto de toda a população sobre a importância da prestação de serviços gratuitos ao povo. Todo serviço é essencial pois possui a função de servir ou de gerir recursos e/ou produção em área estratégica. É preciso entender a significação disso, é preciso haver uma real identificação entre servidores e a população em geral, é preciso reconhecer que foi a mobilização popular que deu origem ao serviço público nos moldes atuais, com preenchimento de vagas por concurso, e com a estabilidade necessária para questionar chefes ou políticos. Além disso, os servidores de órgãos reguladores e forças de segurança necessitam de garantias para fazerem o seu trabalho, e as principais queixas deles é sobre os escalões superiores das carreiras – geralmente preenchidos por indicações políticas - por vezes dificultam certas investigações.


Então, o engano acaba aqui. Resumidamente, restou comprovado que a Constituição Federal de 88 e a Lei 8112 realmente dificultam a corrupção e vem daí a insistência dos políticos corruptos em acabar com esses regramentos. Isso é reforçado pela visão mercadológica que defende o acesso aos serviços apenas por quem puder pagar por eles.


Concluindo essa primeira parte, lembramos que foi o povo, pensando em uma sociedade melhor, que se mobilizou e na década de 80 conseguiu criar esse modelo de serviço público. O Brasil levou décadas para consolidar isso e, se não esclarecermos a todos e todas o que está em jogo, a crueldade que o governo quer fazer com o povo, já no final da próxima década fará o serviço público ser “coisa do passado” e aí realmente caberia a frase “eu era feliz e não sabia”.

* Denise Carneiro, servidora da Justiça Federal da Bahia, membra do Coletivo Resistência e Luta no Judiciário

Referências:
https://www.scielo.br/pdf/ee/v46n1/0101-4161-ee-46-01-0043.pdf
https://oppceufc.wordpress.com/2019/01/17/os-15-paises-com-mais-servidores-publicos-no-mundo-2/
https://www.infomoney.com.br/colunistas/terraco-economico/funcionalismo-publico-no-brasil-um-grafico-para-mudar-sua-visao/
https://www.nexojornal.com.br/]https://transparenciainternacional.org.br/

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