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Os servidores públicos estão salvando o Brasil

Por Guilherme Coelho*

Esperança de superar pandemia está na Fiocruz, Anvisa, Butantan, SUS...

Imaginem a hipotética situação em que precisássemos salvar o Brasil de um governo delinquente, que se mantivesse no poder aproveitando a momentânea paralisia social causada, por exemplo, por uma pandemia. Pensem nesse roteiro de filme de terror. Como iríamos sair dessa enrascada?

As últimas horas nos mostraram que a principal garantia de sobrevivência para o Brasil seria um Estado competente, composto por instituições sólidas, alicerçadas em profissionais que servem ao país, e não a um projeto político passageiro. Seja ele qual for.

A esperança brasileira de superação da crise causada pela Covid-19, como vimos, está centrada na atuação independente dos servidores do Instituto Butantan, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Neles estão cientistas, médicos, enfermeiros, administradores e tantos outros profissionais com os quais a sociedade tem uma dívida de agradecimento a ser paga.

E se o país continua funcionando é porque as esferas privadas — famílias, pessoas, empresas, organizações não governamentais — são amparadas pela pública. Desde a limpeza urbana aos serviços de segurança, de saúde, de educação, de arrecadação, de justiça e de ordenamento.

O agradecimento aos servidores públicos começa justamente pelo ato de reconhecer a importância social do trabalho que desempenham. Não é por acaso que os países que mais admiramos são aqueles que contam com um corpo de profissionais públicos valorizados pela sociedade. Essas nações já aprenderam que políticas de Estado, sustentadas por uma administração pública que desfrute de autonomia, devem se sobrepor aos atos de governos transitórios.

São servidores independentes, altamente qualificados, que garantem atualmente a possibilidade de o Brasil contar com vacinas para o controle da pandemia. Profissionais assim são até capazes de contrariar absurdos perpetrados por governantes e dizer que não há tratamento preventivo para o novo coronavírus, mesmo que as autoridades tenham torrado inutilmente dinheiro do povo na fabricação de panaceias.

O Congresso Nacional, com nova liderança a partir do mês que vem, tem a oportunidade histórica de promover o reconhecimento aos servidores de uma forma mais ampla e justa. A Câmara dos Deputados e o Senado estão com a missão de realizar uma transformação do Estado brasileiro, a partir da reforma administrativa.

Ao falarmos de reforma, logo se exaltam os arautos de um discurso fiscalista, que, numa visão simplificadora, pregam o encolhimento da máquina pública como solução mágica. Estão errados. A questão essencial não é o tamanho do gasto realizado pelo Brasil, mas sim sua qualidade.

Quase 90% dos profissionais empregados pelo setor público brasileiro estão em estados e municípios, encarregados do atendimento que mais impacta o dia a dia do brasileiro. A maior parte trabalha nas prefeituras e, na média, recebe salários 2% menores do que a média do setor privado.

Há sim distorções e privilégios, que a reforma administrativa deve ter a coragem de enfrentar. Porém, seu foco deve ser mais amplo, no sentido de intervir para a valorização dos profissionais públicos, propiciando-lhes condições para atingir maior qualificação e progressão em suas carreiras.

Para que nosso filme não seja uma tragédia sem fim, devemos alterar o roteiro. Os parlamentares têm a responsabilidade de fazer isso, a começar por uma reforma que reconheça a importância dos servidores públicos e promova a transformação do Estado, vacinando-o contra o vírus de governantes autoritários e limítrofes.

*Guilherme Coelho é economista, diretor de cinema e empreendedor social. Fundou o Instituto República (República.org) em 2016, com o objetivo de promover excelência no serviço público brasileiro apoiando formação continuada, reconhecimento e construção de conhecimento sobre capital humano em governos – e com a ajuda das artes e do audiovisual.

Guilherme Coelho nasceu no Rio de Janeiro e estudou economia, cinema-documentário e teatro. Em 2003, junto com Nathaniel Leclery, fundou a Matizar Filmes para produzir documentários independentes sobre questões contemporâneas brasileiras. Seus documentários longa-metragem “Fala Tu” e “PQD” foram exibidos em festivais pelo mundo, incluindo Festival de Berlim, Cinéma Du Réel, Internacional de Miami, Festival do Rio e Mostra de São Paulo. Na Matizar, ele produziu “Jogo de Cena” e “Moscou” de Eduardo Coutinho, um mentor e figura inspiradora para Guilherme e para uma geração de pessoas no audiovisual. Em 2015, Guilherme participou do Talent Campus do Festival de Berlim e estreou no cinema de ficção com “Órfãos do Eldorado”. Escrito, produzido e dirigido por Guilherme, o filme é inspirado no romance homônimo de Milton Hatoum. Atualmente, Guilherme prepara um segundo longa-metragem de ficção, “Neuros”, e conclui um documentário sobre pessoas em recuperação de longo prazo de álcool e drogas.

**Artigo publicado com expressa autorização do autor.

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