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Suspensão das consignações: o que parece bom de fato pode não ser

Por Zeneide Andrade*

Em 31 de março de 2021 entrou em vigor a Lei nº 14.131 que, entre outros dispositivos, amplia de 35% (trinta e cinco por cento) para 40% (quarenta por cento) a margem consignável, que é o total máximo que o empregado celetista, servidor público ou aposentado e pensionista do regime próprio ou do regime geral de previdência social pode comprometer a sua remuneração, deduzidos os descontos obrigatórios, com consignações em folha de pagamento, incluindo empréstimos bancários. Essa lei também faculta às instituições financeiras concederem carência de até 120 dias para o desconto da primeira parcela do empréstimo consignado ou suspenderem, por igual período, os descontos das parcelas dos empréstimos já contratados.

Essa lei teve origem na Medida Provisória nº 1006, de 1º/10/2020, cuja redação original previa apenas a ampliação em 5% do teto das consignações, como forma de amenizar os efeitos da crise gerada pela pandemia da COVID-19. Porém essa MP foi enriquecida com 60 (sessenta) emendas dos parlamentares resultando no texto da Lei nº 14.131/2021, muito mais ampliado que o texto original da medida provisória.

Neste artigo, abordaremos esses dois aspectos da lei: a ampliação do teto para as consignações e a carência ou suspensão por até 120 dias dos pagamentos das prestações dos empréstimos bancários.

Importante observar que em 1º/4/2020 o Senador Otto Alencar (PSD/BA), apresentou o Projeto de Lei nº 1328 prevendo a suspensão temporária de pagamentos de até quatro parcelas das operações de créditos consignados em benefícios previdenciários, enquanto persistir à emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da Infecção Humana pelo coronavírus (COVID19). Essa proposta legislativa, que tem como justificativa amenizar o peso das parcelas dos empréstimos consignados no orçamento das famílias durante o período da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus e restringia-se aos beneficiários de aposentadorias e pensões.

Durante sua tramitação no Senado o PL 1328 recebeu diversas emendas e, ao final, foi votado o texto substitutivo da Emenda 37-Plen, aprovado na sessão de 18/06/2020, o qual ampliou o rol de beneficiários pela suspensão por 120 dias dos pagamentos das prestações de empréstimos consignados em folha de pagamento, alcançando os salários e remunerações de empregados da iniciativa privada e servidores públicos, bem assim os proventos dos aposentados e pensionistas. Mas para além disso, esse PL previa que não deveria incidir multas, juros de mora, de honorários advocatícios e de quaisquer outras cláusulas penais em razão da suspensão desses descontos. Melhor dos mundos para o trabalhador endividado. Tal proposição foi encaminhada à Câmara dos Deputados em 22/6/2020.

Na Câmara Federal, o Presidente não determinou a urgência na tramitação dessa matéria. O que se verificou foi uma pressão muito forte proveniente das instituições financeiras deste país para que os deputados não dessem seguimento ao projeto aprovado pelo Senado. Concomitantemente, o Presidente da República, em 1º/10/2020, editou a Medida Provisória nº 1006, que ampliou a margem consignável dos aposentados e pensionistas do regime geral de previdência social para 40% (quarenta por cento). Ou seja, o governo optou pelo aumento do endividamento de imensa parcela da população ao invés de movimentar sua base de apoio na Câmara dos Deputados para aprovar o PL 1328 e flexibilizar a cobrança de um tipo de operação de crédito que é bastante segura para as instituições bancárias: os empréstimos consignados em folha de pagamento.

Desse modo, com a edição da referida medida provisória e sua apreciação pelo Congresso Nacional, resultando na Lei 14.131, de 30/3/2021 (DOU de 31/3/2021), o Projeto de Lei nº 1328, vantajoso para quem tem empréstimo consignado em folha de pagamento em detrimento da boa rentabilidade das instituições financeiras, caiu no esquecimento dos Deputados e encontra-se sem movimentação na mesa Diretora do Plenário da Câmara desde agosto de 2020.

Feita essa contextualização, resta-nos analisar o que diz a Lei 14.131, sempre com a ressalva que aos sindicatos interessa que o servidor, empregado, aposentado ou pensionista livrem-se do endividamento e não se iludam com propostas de empréstimo que o levem ao esgotamento da sua margem consignável, pois os juros dos empréstimos continuam elevados para o baixo risco dessas operações.

Essa lei tem uma temporalidade: 31 de dezembro de 2021. Até lá, o teto para consignações nas folhas de pagamento da iniciativa privada (celetistas), do serviço público (empregados e servidores ativos, aposentados e pensionistas) e dos segurados do regime geral de previdência social (aposentados e pensionistas), não poderá extrapolar o limite de 40% (quarenta por cento) da remuneração. Porém, reserva-se 5% (cinco por cento) para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou utilização para saque por meio de cartão de crédito. Esse dispositivo já estava presente no artigo 45, § 2º, da Lei 8.112/90, desde 2015, conforme consta na Lei 13.172, de 2015.

Portanto, há um grau de preferência para os pagamentos de despesas com cartão de crédito com a finalidade de evitar a rolagem e perpetuação dessa dívida, reconhecida por aplicar juros exorbitantes. Assim, se o indivíduo possui dívida com cartão de crédito, seu teto para obtenção de novas consignações será de 35% da sua remuneração, após a realização os descontos obrigatórios para o regime previdenciário, imposto de renda, decisões judiciais, reposições ao erário, entre outros.

No âmbito do Poder Executivo, as consignações em folha de pagamento dos servidores regidos pela Lei 8.112 são regulamentadas pelo Decreto nº 8.690, de 11 de março de 2016. No âmbito do Poder Judiciário Federal, cada órgão tem sua própria regulamentação, mas guardam semelhança com o mencionado Decreto, uma vez que a fonte primária é a mesma.

Devemos ressaltar que as consignações são um conjunto de despesas do trabalhador que podem, facultativamente, ser descontadas do seu holerite ou contracheque e vão além dos empréstimos bancários. Estão nessa lista as contribuições para os planos de saúde, seguro de vida, pensão alimentícia voluntária, contribuições para associações, sindicatos, cooperativas, planos de previdência complementar, os empréstimos bancários, financiamentos imobiliários, amortização de despesas contraídas com cartão de crédito e saques realizados por meio de cartão de crédito. Portanto esse conjunto de consignações não pode extrapolar 40% (quarenta por cento) da remuneração do trabalhador, excluídos os descontos obrigatórios acima mencionados. Após 31 de dezembro de 2021, esse teto voltará para o patamar de 35% (trinta e cinco por cento) se não for modificado ao art. 1º, da Lei 14.131/2021.

Outro aspecto da referida Lei 14.131 que devemos abordar é o que dispõe o art. 4º, a saber:

“Art. 4º Fica facultada a concessão de carência, por até 120 (cento e vinte) dias, para novas operações de crédito consignado, bem como para as que tenham sido firmadas antes da entrada em vigor desta Lei, mantida, em qualquer dos casos, a incidência, durante o período de carência, de juros e demais encargos contratados”

Esse dispositivo, que à primeira vista parece ser uma benesse para o correntista/consignado, tem um aspecto pernicioso que sugere exame cuidadoso antes pelo trabalhador-correntista concordar com a oferta de carência (para novos empréstimos) ou de suspensão dos descontos (para os empréstimos já contratados).

Primeiro é preciso destacar que a instituição financeira não é obrigada a conceder essa carência ou suspensão e isso já é motivo de alerta para o trabalhador que possui consignações. Ora, nenhum banco, privado ou público, desdenha de rentabilidade certa e baixo risco, como são os empréstimos consignados. A avareza, a usura são inerentes à atividade do banqueiro. Portanto se o banco não aderir a oferta de carência ou suspensão das parcelas consignadas é porque não seria um bom negócio para a instituição. Então talvez esse é o menos ganancioso fornecedor de recursos financeiros para quem precisa de emprestimo, é o menos usurário.

Mas se ainda assim o trabalhador quiser se render à sedução de contrair novo empréstimo com carência de 120 dias para o desconto da primeira prestação ou renegociar sua dívida bancária, é preciso ficar atento para os seguintes pontos:

1) Para a carência: verificar qual seria o valor da prestação sem a carência e com a carência, pois incidirá juros para esse período de 120 dias de carência, os quais serão diluídos no valor das prestações. Logo, haverá uma taxa de juros nominal e uma efetiva. Verificar também quais encargos contratados (incluída a parcela do seguro da dívida) que decorrerão dessa carência. Fazer as comparações, inclusive com outros bancos.

2) Para a suspensão por 120 dias de parcelas de consignados: verificar se realmente permanecerá inalterada a taxa de juros e encargos contratados. Verificar também qual será o valor da prestação recalculada com os juros e demais encargos contratados em razão dessa suspensão. Consultar se não há opção de juros menores para refinanciamento da dívida. Confrontar as propostas apresentadas com a opção de refinanciamento do saldo devedor, sem a opção de carência ou suspensão. Fazer comparações com outros bancos. Caso opte por efetuar a portabilidade da dívida, comparar as demais taxas bancárias cobradas pelo novo banco com as taxas do banco em que já é correntista e verificar se será vantajosa a mudança para a outra instituição bancária.

Importante frisar que eventual não aderência da instituição bancária ao art. 4º, da Lei nº 14.131/2021 pode sugerir, principalmente em relação aos bancos públicos como a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, que tem um viés mais social e menos direcionado à lucratividade, como é próprio dos bancos privados, que essa é a melhor opção para o trabalhador, pois a maior parte do lucro dos bancos advém de juros dos empréstimos concedidos aos correntistas e ao governo. Se não é vantajoso para o banco oferecer crédito, o correntista está se preservando do pagamento de juros extorsivos, maiores que o outrora contratado.

Finalizando: Em matéria de empréstimo e financiamento bancário, quando é bom para o cliente, melhor ainda para o banco. Então, não ter pressa para decidir, nesse caso, é a melhor decisão.

*Zeneide Andrade de Alencar é Analista Judiciária aposentada do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul e Coordenadora Administrativa do Sindjufe/MS

 

Artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, as ideias ou opiniões da Fenajufe.

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