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As Mulheres Negras do Judiciário Federal

Por Cláudio Klein, servidore do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP)

 

Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria da Fenajufe

Hoje uma senhora limpou minha mesa, lavou o banheiro que uso e retirou o lixo do local onde trabalho. Quem era essa mulher? Como ela estava? Qual a cor dos seus olhos?

A grande maioria dos servidores do Judiciário Federal não será capaz de responder a esta pergunta. Não por sermos distraídos, pois a maioria se lembra do tom do vestido ou da cor da gravata que outro transeunte estava usando por baixo da toga preta.

É como se, igual aos filmes de ficção, existisse um portal dimensional, onde algumas pessoas conseguem dividir o mesmo espaço físico sem serem notadas. Elas não existem e suas vidas pouco significam do nosso lado do portal.

Quando Zumbi fugiu com os negros pra floresta, buscava o que lhes era negado pelo regime escravocrata do século XIX: o direito a existência com ser humano. 

A terceirização retoma a negação da humanidade, principalmente ao povo negro que compõe a maioria dos que executam os serviços de limpeza, manutenção e segurança. Na base desta pirâmide, estão as mulheres, negras, mãe solteiras, que moram na extrema periferia, que chegam aos Tribunais do país todos os dias as 6hs da manhã. Na medida em que os cargos, os salários e o horário aumentam, há um embranquecimento da população que trabalha. É uma regra geral do sistema atual, e não é diferente no TRF3. Não há negros no topo.

Hoje convivem conosco uma centena de Marias: das Graças, das Dores, do Socorro e mais outras tantas Raqueis, Rutes, Esters, todas indispensáveis, mas invisíveis e anônimas em seu sofrimento diário.

Em São Paulo, Maria sai de casa às 3h30min, do extremo da Zona Leste. Deixa a filha de 5 anos dormindo sozinha até a chegada da outra Maria, a vizinha,  que tomará conta até o meio dia. Pega a condução lotada. Há lugar pra sentar, mas todos se espremem antes da catraca, já que o tempo que o ônibus leva pra chegar ao terminal de trem é maior do que o tempo mínimo do bilhete único. Já chega ao trabalho aos frangalhos.

Ganha menos de R$ 25 reais por dia mais condução para limpar dois ou mais quadrantes. Sob a pressão constante dos supervisores, são 4 horas extenuantes para dar conta de toda tarefa. A terceirização é a nova forma de escravidão do ser humano. Mais cruel e requintada que a do sec. XIX. Um senhor de engenho, ao adquirir um escravo, detinha o direito sobre a vida desse escravo. Mas também era obrigado a alimentar, vestir e dar abrigo à sua propriedade. O que era custoso, muito custoso. O capitalismo encontrou uma solução para esses incômodos. A idéia é tão boa que, no caso das nossas terceirizadas, o Tribunal paga mais de R$ 150,00 por dia para cada uma das senhoras que aqui trabalham. Um preço alto que vai para os bolsos dos piores tipos de empresários do sistema, os que lucram com o suor dos outros. Paga-se até 5 vezes mais do que as trabalhadoras recebem. Um custo elevado para que sejam mantidas invisíveis e caladas.

As mulheres negras e terceirizadas do Judiciário Federal vivem para comer, vestir-se e morar em habitações de quarto e cozinha na extrema periferia das grandes cidades, e, logicamente, fazer a limpeza de nossos locais de trabalho que, em última instância, é a única coisa pela qual o sistema se interessa.  Seu calvário é cotidiano e, ao contrário dos seus antepassados do século XIX, parece não haver Zumbis, muito menos florestas para onde fugir.

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