Por Fábio Maroja Jales* – 13/08/12
Desde o começo dos tempos o ser humano tem especial interesse na vida de seus semelhantes. Nas pequenas cidades e vilas da Europa medieval todos sabiam e procuravam saber sobre tudo que acontecia sem qualquer limite legal ou moral para a preservação da intimidade das pessoas.
O tempo passou, o mundo mudou, as cidades cresceram e o direito e a moral se desenvolveram, mas o interesse pela vida alheia continua o mesmo. Basta olhar o sucesso de revistas e programas televisivos de fofoca. Porém, com a evolução do direito, nossa Constituição Federal assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (art. 5º X da CF/88), mesmos valores que inspiram a garantia do sigilo de correspondência, dados e comunicações telefônicas (inciso XII do mesmo art. 5º).
Na esfera pública, de forma distinta, a privacidade não é regra e sim exceção. Isso porque o aparelho estatal pertence a todos, de forma que a população tem o direito de acesso às informações referentes aos seus inúmeros entes, órgãos e repartições.
A mesma Constituição Federal de 88, promulgada dentro de uma situação institucional de retorno ao Estado Democrático de Direito após anos de ditadura, também vislumbra o direito da população de receber de órgãos públicos informações de seu interesse particular ou que digam respeito ao interesse coletivo e geral (inciso XXXIII do mesmo artigo 5º). O comando constitucional foi finalmente regulamentado pela Lei 12.527 de novembro/2011, a chamada Lei da Informação, diploma legal que é um marco no aperfeiçoamento de nossa jovem democracia (que retornou há pouco mais de 20 anos), na medida em que confere transparência aos atos, contratos, despesas, enfim à gestão dos órgãos públicos.
Com base na interpretação que o CNJ deu ao Decreto 7.724/12 que regulamenta a Lei da Informação, os Tribunais estão divulgando em suas home-pages a remuneração dos servidores, inclusive com a menção expressa aos seus nomes.
Ora, não há dúvida no âmbito da jurisprudência do STF que os sigilos bancário e fiscal decorrem do inciso X do art. 5º da Constituição Federal, portanto, a movimentação financeira e o acervo patrimonial do servidor não podem ser divulgados ao público, acessíveis apenas às autoridades públicas de órgãos de controle ou de fiscalização. Assim, porque podem divulgar, para ciência pública, os rendimentos dos servidores que são a própria base do sigilo bancário e do sigilo fiscal?
O servidor público federal já é sujeito de severo sistema de controle de sua remuneração: Assessorias de Controle Interno do órgão, no caso dos Tribunais Federais, com auditagem mensal da folha salarial; Tribunal de Contas da União (Lei 8.730\93), com auditagem anual; Receita Federal do Brasil, com auditagem anual; e mais recentemente CSJT e CNJ, para não mencionar o controle amplo exercido pelo Ministério Público.
Apesar disso, não se pode desprezar a força do controle social nos salários do servidor público, decorrente da divulgação dessas informações na rede mundial de computadores. Certamente, ninguém duvida que a lupa da população é capaz de detectar anomalias que escapam ao controle dos citados órgãos estatais.
A supremacia do interesse público para a divulgação de dados de interesse geral não pode anular totalmente o direito à intimidade (sigilo do salário) como garantia individual também constitucional. Importante que se tente contrabalançar ambos os interesses de forma que o individual sofra menos restrições possíveis.
Nesse sentido, é perfeitamente exequível construir uma regra de harmonização para a divulgação pública dos salários dos servidores públicos, sem que se fulmine totalmente o seu direito à intimidade no aspecto econômico (salário). Pode, sim, ser criado mecanismo que permita a divulgação dos salários, cargos, funções comissionadas e demais vantagens, porém sem associá-los ao nome de seu titular e sim, por exemplo, a uma matrícula. Tal solução não retiraria a essência do controle pretendido pelo ordenamento jurídico, com a vantagem de não expor o servidor a simples atos de bisbilhotice ou curiosidade alheia, ou para achaques ou atos de violência pessoal ou patrimonial.
Não custa lembrar que não estamos na Dinamarca ou Suécia, onde a violência e a desigualdade social e salarial não representam riscos para o servidor ao expor seu salário na rede mundial de computadores sem qualquer restrição na vinculação ao seu nome.
A divulgação associada aos nomes dos respectivos titulares da remuneração, numa sociedade desigual como a brasileira, com grande número de desempregados, subempregados ou trabalhadores que percebem apenas o mínimo legal, bem longe do patamar de dignidade salarial alcançado pelos servidores do Poder Judiciário Federal, representa para estes não só uma violação dos incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal, como também um risco efetivo à sua segurança, além de exposição desnecessária à cupidez humana em bisbilhotar a vida alheia.
* Fábio Maroja Jales é coordenador executivo do Sintrajur-RN e analista judiciário do TRT-21.