Por João Batista Moraes Vieira* – 17/08/12
Pode o STJ, conhecido como Tribunal da Cidadania, numa simples canetada acabar com um direito social historicamente conquistado a duras penas como muita luta e sangue derramado?
Sim, pode. Argumenta-se a necessidade da continuidade do serviço prestado à sociedade, mas se faz vista grossa quando os sindicatos sustentam que a greve é instrumento constitucional legítimo de reivindicação salarial.
A judicialização do direito de greve vem impondo derrotas sucessivas aos trabalhadores do setor público. A mais recente delas é a decisão de que deva ser mantido na Justiça Eleitoral 80% do quadro trabalhando. Ora, fazer greve apenas com 20% de servidores é o mesmo que não fazer greve. Esdrúxula e escatológica essa decisão cujo julgador deveria estar sob os efeitos de um dia de fúria contra os grevistas, no dia que assinou a decisão o carro oficial do ministro deve ter ficado preso no trânsito conturbado pela passeata dos grevistas na Esplanada dos Ministérios.
O drama de Kafka perde para o dos servidores da Justiça Eleitoral: esses estão agora condenados a ficar no silêncio, amordaçados, desmobilizados, assistindo à desvalorização da classe sem ter o sagrado direito de lutar, como se estivessem numa camisa de força. Estão também na situação parecida à do filme “Dormindo com o Inimigo”, pois os servidores caíram na santa inocência de acreditar que os dirigentes dos Tribunais fossem solidários à luta da categoria. Dividindo o mesmo teto com seus auxiliares, os magistrados a ferro e fogo decidem com injustiça contra a luta de seus próprios servidores que carregam nas costas e constroem diariamente a credibilidade institucional do Poder Judiciário Federal.
É severa demais, sem proporcionalidade, desarrazoada, a condenação aos servidores da Justiça Eleitoral que estão agora impedidos de brigar por aumento salarial por suas próprias mãos, ficando à mercê da vontade do Governo Federal, delegando a outrem o destino de suas famílias. Essa decisão é quase uma sentença de morte para os servidores da Justiça Eleitoral, agora pessoas desprovidas desse direito constitucional de lutar por melhorias de condições de trabalho e salariais, por incrível que possa parecer, algo não percebido pelo STJ, é com a greve feita pelos servidores é que se consolidou até agora a importância do Poder Judiciário Federal para a sociedade brasileira. É com as greves que se obtém a valorização da carreira, condições de trabalho mais dignas e a melhoria da prestação jurisdicional para toda a sociedade.
É verdade também que as decisões judiciais sobre o direito de greve vêm ocupando espaço que deveria ser do Legislativo que está até hoje em mora com a regulamentação da lei de greve no serviço público. Acontece que o Judiciário entrou no jogo do Executivo que, por sua vez, controla o Legislativo: o Governo Federal, que tem a chave do cofre, conta com as oportunas e convenientes decisões dos Tribunais.
E a orientação do Governo Dilma para seus assessores é de levantar a bola para o Judiciário, nada mais simples e fácil do que obter liminar que imponha restrições ao exercício do direito de greve de uma categoria do serviço público que luta contra o congelamento salarial de mais de seis anos.
Por isso que não haverá tão cedo regulamentação específica do direito de greve do servidor público, melhor continuar do jeito que está, time que vem ganhando não se mexe, estratégia que vem dando certo não se muda, situação muito confortável ao Governo, quando a coisa apertar, chame os bombeiros, ou melhor, chame o Judiciário para pôr fim às greves.
Seria melhor o STJ dissesse logo com todas as letras dos seus acórdãos que os servidores da Justiça Eleitoral não podem fazer greve por realizar trabalhos superessenciais, prestam serviços mais relevantes do que médicos e policiais e que são agentes especialíssimos do Estado, mas nem por isso, todavia, devem necessariamente ser merecedores de receber salários proporcionais a essa tão importante missão de realizar com qualidade e preparo as eleições oficiais do País.
Com suas decisões de natureza conservadora, talvez resquícios da época em que a questão social era caso de polícia, o STJ, ao decretar o fim do direito de greve na Justiça Eleitoral, desfere um tiro no pé do Poder Judiciário Federal, sem a participação dos servidores do Eleitoral no movimento paredista corre-se o risco de enfraquecer o movimento reivindicatório, resultando em perdas salariais que consequentemente desestimularão o profissionalismo da carreira judiciária, perdendo com isso a própria Instituição que deixa de contar com servidores preparados e de alta qualidade técnica. Os salários pagos aos servidores do Judiciário Federal, em sua maioria, já não estão mais atraentes.
Se os Tribunais não querem que os servidores lutem com suas próprias forças para conquistar a reposição salarial da categoria, que então esses Tribunais, principalmente STF, STJ e TSE, façam o favor, em nome de seus servidores, de exigir do Poder Executivo Federal aprovação do PL 6613, projeto que trata do Plano de Cargos e Salários dos servidores do Judiciário Federal, que está parado, esse sim é que está em greve, no Congresso Nacional desde 2009.
Mas no tocante em exigir a imposição do orçamento do Judiciário Federal, os ministros deverão resolver o dilema se efetivamente são ministros do Judiciário Federal ou se são ministros do Executivo Federal, até agora mostraram uma subserviência e vassalagem sem precedentes ao Governo Dilma. Não aceitar de forma nenhuma que o orçamento do Judiciário de 2013 seja excluído da LOA, já é uma grande mudança de rumo. Caso haja mais uma vez o desrespeito à independência e autonomia do Judiciário Federal, cabe ao STF decidir judicialmente a questão, para isso basta que o Excelso julgue os mandados de segurança e de injunção impetrados pelos sindicatos, o primeiro versa sobre a obrigatoriedade de envio do orçamento do Judiciário ao Congresso Nacional e o segundo sobre a revisão anual dos vencimentos dos servidores.
*João Batista Moraes Vieira é analista judiciário do TRE-GO e presidente do Sinjufego (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal em Goiás.)