Missão cumprida, Lava Jato!

A força-tarefa intitulada Lava Jato nascida em 2014 adoeceu ao alvorecer de 2019 e teve seu óbito decretado em dezembro passado, sendo enterrada em fevereiro com caixão lacrado, talvez por causa do odor putrefato que exalava (ou seria mais um fake?). O evento não teve flores nem velas, mas teve uma fita amarela que lembrava a cor da bandeira da CBF. Deve ter sido mera coincidência. O “pai” da força-tarefa passar a integrar o governo federal eleito em 2018 também deve ter sido outra coincidência.

Quer mais coincidência? Uma presidenta foi deposta com influência explícita da “Força” e o maior líder popular da esquerda, que por coincidência era do mesmo partido da Presidenta, foi preso às vésperas da nova eleição presidencial, no processo judicial mais rápido da história dos tribunais, recheado de fatos ou seriam convicções que arrepiaram a lei. Já o vice presidente, alçado à cadeira presidencial após a deposição, também foi alvo da PF, mas mesmo com provas robustas e malas andantes não contou com a mesma convicção da Procuradoria, e anda solto, sendo até cotado para um cargo no atual governo. Tudo coincidência, tanta que daria um livro. E deu vários. Daria também um thriller de suspense ou um denso documentário, este já disponível para os/as curiosos/as e viúvos/as da Força Tarefa defunta. Mas ela saiu da vida para entrar para a história como uma das mais controversas operações jurídico-policiais, que concluiu com sucesso a sua Tarefa titereada pelas elites nacionais e multinacionais atropelando inexoravelmente os limites legais dos procedimentos jurídicos.

Ao final do sepultamento transmitido ao vivo (com caixão lacrado, não esqueçam), ouvimos alguns suspiros de dor emitidos pelos seus viúvos e viúvas que ainda acreditavam na longevidade da “República de Curitiba” (apelido carinhoso dado pelos seus fãs) e exaltação das virtudes imaginárias criadas por Esopo, âncora da Globo. Outros suspiros, dessa vez de alívio, também foram ouvidos na Live do velório: “missão cumprida, Lava Jato! Ou “Lava Jato, presente agora e sempre, com STF, com tudo”, “Receba a gratidão eterna de quem elegeu esse presidente!”.

Pois, já que falamos em “Presidente”, este anunciou o fim da famosa Operação alegando total desnecessidade, afinal, segundo ele, não há mais corrupção no País. Criou também condições para defenestrar do seu governo o “pai” da Força-Tarefa (que se antecipou e se demitiu), e seu PGR, em seguida, decretou o fim do filho dele. Na lápide da República de Curitiba deve estar escrito: “Aqui jaz a Força que acabou com a corrupção do Brasil!”.

Piadas à parte, o nascedouro da Operação embeveceu a muita gente boa, crédula na sua imparcialidade e necessidade. Foi adorada pelo cidadão comum que lhe avocou nobreza dos heróis, pelo cidadão de bem, e até por operadores do direito, afinal o mister da Força dialoga com o senso comum do brasileiro, gestado desde a formação do Brasil enquanto Nação: o ódio à corrupção. Esse canto do combate a ela ainda segue embalando o imaginário de muitos de nós, e cada vez que se ouve esse som – sem saber de onde vem -, milhões de crédulos vão às ruas dançar, e dançam com fervor, até que uma figura qualquer é alçada ao poder político do País e este logo manda parar a festa. A história brasileira e mundial está repleta desses cantos de sereia (será por isso que o Poder não gosta de historiadores? Será que historiadores gostam de corrupção? Não! Defendemos apenas que o combate a ela não seja utilizado como ferramenta política. E nesse o uso foi escancarado). Simples assim.

Mas a Força-tarefa também rendeu lucros: Devolveu dinheiro aos cofres públicos e sobrou muitos também para alguns privados. Deu para dividir o lucro com todo mundo do staff nacional e internacional, leiloou os pedaços que restaram das maiores empresas nacionais, rendeu caras palestras, e ainda presenteou com uma faixa presidencial um J. Pinto Fernandes que entrou na história dois anos depois da “República” nascer. Mas isso não foi coincidência e nem proposital, e sim um erro de cálculo: Esgarçaram tanto a mola mestra que o troféu foi parar bem além do esperado, além da ala da direita, e caiu no colo da extrema direita. Tudo como dantes no quartel… Após alguns pequenos encontros de cotovelos tudo se ajeitou, e os títeres da LAVA JATO apoiaram o candidato mais afinado com suas pautas, agendas, gostos, alvos, crimes e costumes afinal, no saco do Poder sempre cabe mais farinha, areia, cal, outros pós brancos, rato, barata, muriçoca, escorpião e caranguejeira.

Nesse ajuste de rota, cor, sapatos e coturnos, as elites que criaram a Operação passaram a ensaiar o seu fim, ou a sua volta ao estágio verdadeiro… Até quem sempre foi contra a República de Curitiba saiu a elogiar a PGR pela degola final. Assim, o ocaso da “República” foi quase uma unanimidade, a despeito dos/as viúvos/as, mas para muitos desses era justo pois a corrupção já acabara mesmo (sic), e a Tarefa fora cumprida com sucesso e louvor. Suas principais figuras, o ex-Juiz Moro e o Procurador Dallagnol ainda se abateram um pouco, pois acabariam as palestras e os holofotes, e Moro, desempregado, foi ganhar a vida nos Estados Unidos, local que ele visitava bastante e ficou tudo bem. Um fim bem previsível já que apesar dos bastidores da Lava Jato estar atolado nas graves denúncias sobre os procedimentos da Operação, tudo deve seguir em plácido repouso como na pax romana.

Voltando ao velório, que já sabemos ter sido evento fake, o que se ouviu no making of foram vivas à Operação, que na verdade não morreu, apenas voltou à sua forma verdadeira: uma carta de baralho, e se alojou, novamente, nas mangas do Poder.

Contudo, não acho certo que se deixe morrer simplesmente e se enterre assim as convicções e efeitos políticos da Lava Jato. Creio que esse seria um bom momento para exumar o cadáver e revelar suas entranhas.

*Denise Carneiro é Trabalhadora da Justiça Federal da Bahia, membra do Coletivo Resistência e Luta no Judiciário e da CSP-Conlutas/BA.

 

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