O processo no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do TRF4 foi marcado por protelações e ações fora da necessária formalidade. A denúncia foi feita pelas colegas no final de 2019, buscando que a administração encaminhasse a apuração dos fatos. A assessoria jurídica do Sintrajufe/RS deu todo apoio e orientação às servidoras, inclusive para o ingresso, que se fez necessário, de representação junto ao Ministério Público Federal, o que, até o momento, determinou a abertura de inquérito administrativo, cível e penal dentro daquele órgão e do qual se espera o oferecimento da denúncia pelos atos praticados dentro de uma instituição pública.
Apenas no final de novembro de 2020, mais de um ano depois da abertura do processo SEI com a denúncia das sindicalizadas e a menos de um mês do recesso, depois da intervenção do Sintrajufe/RS, representando as vítimas por meio de recurso das colegas, sobreveio decisão do Conselho de Administração do TRF4 determinou a abertura de sindicância contra o denunciado. Até então tinha-se a decisão anterior do presidente do tribunal, determinando o arquivamento do referido processo SEI. A comissão foi composta por um servidor e duas servidoras: Denise Gaio Schütt (presidente), Arnaldo Fernando Girotto e Eloara Carvalho da Silva.
A comissão de sindicância ouviu as servidoras que denunciaram o assédio, testemunhas e o denunciado, que não foi impedido e esteve presente em todas as audiências, o que causava constrangimento, tanto para as denunciantes como para as testemunhas.
Em seu relatório final, a comissão de sindicância reconhece que houve “situações de comportamento inadequado” por parte do denunciado. Como relata a assessoria jurídica do Sintrajufe/RS, em diversas passagens, falas e comentários do denunciado são caracterizadas pela própria comissão como “inadequado”, “brincadeira desagradável”, “gosto duvidoso”, “impróprio”, “reprovável”. Ora, dentro do serviço público, e principalmente neste espaço, são condutas que devem ser não só rechaçadas como punidas.
No entanto, diante dos relatos das vítimas, a comissão entendeu que a caracterização dos atos como assédio sexual poderiam ser fruto da “sensibilidade pessoal de cada um”. Com isso, desfez do sofrimento delas, colocando a questão como algo apenas subjetivo. Ao longo de todo relatório distribuem-se afirmações e desconfianças sobre as denunciantes. Ao tratar de seus relatos, minuciosos, sobre os fatos, a comissão usa expressões como “estranha-se”, “presume-se”, “causa estranheza”. Há inclusive, questionamento sobre o comportamento nos dias seguintes ao assédio, que “não sugerem um quadro de abalo de quem tenha sido assediado”. É cediço em toda literatura sobre casos de assédio moral e sexual, que a interpretação dos fatos, a sensibilidade, a emoção, a percepção, enfim, são sentimentos subjetivos, mas precisa ser considerada a fragilidade das relações impostas.
No relatório, é ressaltado que “esta Comissão, pelas suas conclusões, tem a pretensão, porque formada convicção, de estar contribuindo para a proteção da mulher, mesmo que minimamente e pelo menos no âmbito da Instituição Tribunal Regional Federal da 4ª Região”. Esta manifestação é, no mínimo, incoerente, como podem alegar “proteção da mulher” e, ao mesmo tempo, trazer ao julgamento o benefício da dúvida quanto ao comportamento do denunciado? “Não se pode cair na armadilha da banalização, porque essa prática trabalha contra, enfraquece, dificulta a persecução dos casos em que realmente tenha acontecido”. Ou, ainda, “deve haver responsabilidade na hora de acusar […] para assim sendo, verdadeiramente estarmos enfrentando os abusos praticados contra as mulheres”. É, em suma, uma reprodução da desconfiança em relação à vítima, o que leva à banalização da violência, à naturalização e à perpetuação do assédio, dentro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A decisão de arquivamento mesmo com a caracterização de comportamento inapropriado é inaceitável, na avaliação da direção Sintrajufe/RS, e abre uma séria discussão sobre a necessidade de mudança de cultura no Poder Judiciário, em especial no local da denúncia, o TFR4. Ainda mais quando se trata de servidor que possui cargo de confiança da administração do tribunal.
A direção do Sintrajufe/RS também espera que a Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual do TRF4, que teve sua primeira reunião no dia 1º deste mês, analise os fatos e se posicione sobre essa banalização das atitudes impróprias e reprováveis com as mulheres do TRF4.
Sintrajufe/RS analisa medidas para levar o caso adiante
O Sintrajufe/RS e sua assessoria jurídica avaliam a decisão da comissão de sindicância como absurda e desrespeitosa com as vítimas e com todas as mulheres. A partir da análise do relatório da comissão de sindicância, serão estudados os próximos passos, como recurso ao Conselho de Administração e todas as ações possíveis na busca por justiça para as vítimas e o combate à tentativa de naturalização de comportamentos que agridem as mulheres todos os dias em seus locais de trabalho.
Diretoras do Sintrajufe/RS afirmam que o Judiciário precisa mudar a cultura machista
A diretora do Sintrajufe/RS Mara Weber afirma que “o relatório da comissão é um texto para entender como o machismo estrutural funciona. Naturaliza as agressões e os comportamentos inadequados de homens e desconfia das vítimas e as culpabiliza. As mulheres não aceitam esse tipo de tratamento. Está na hora de o Poder Judiciário entender isso e mudar sua cultura nesse sentido. Vamos até o fim nesta luta”.
“A sensação é de decepção, de revolta”, afirma a diretora Clarice Camargo. “Por outro lado, meu primeiro sentimento foi de apoiar as vítimas, as colegas denunciantes, que são corajosas pelo protagonismo e pelo que decidiram levar a frente e são pessoas que merecem toda nossa atenção. O resultado talvez nos fosse previsível, diante do que acompanhamos ao longo da história, do posicionamento da sociedade, organizações públicas, privadas, parte da mídia, etc. Surpreendente são os argumentos, que desqualificam, distorcem o que realmente aconteceu e, me parecem, fatos muito graves. Nós não podemos aceitar atitudes machistas, desrespeitosas, invasivas, ainda mais se houver situações de pessoas em cargos de subordinação. Esse resultado da comissão, que não é definitivo, só alimenta minha vontade de ver justiça neste caso, que possa servir de alerta, de incentivo para outras denúncias, que não se aceite mais o desrespeito às mulheres em qualquer ambiente onde estiver”, diz a dirigente.
A diretora Naiara Malvolta afirma que o arquivamento “é um acinte, um desrespeito a todas as mulheres que trabalham na instituição, mas, em especial, um desrespeito ao Judiciário”. Ela reforça que a comissão de sindicância não só ignorou a caracterização do “assédio sexual por intimidação”, como ignorou que o assediador é um alto funcionário, “com relevante papel de chefia da área administrativa, cargo de confiança diretamente ligado ao presidente do TRF4, de quem o próprio cargo exige conduta reta e ilibada”. De acordo com Naiara, os argumentos da comissão “lembram sentenças há muito superadas no Judiciário gaúcho, que só consideravam assédio quando havia consumação do favor sexual. Um grande absurdo, do qual sobra a sensação de impunidade e falta de empatia com as vítimas”.