Câmara analisa projeto de lei com apelo emocional, mas equivocado na forma

O Departamento de Acessibilidade e Inclusão (DAI) do Sisejufe vem a público manifestar posicionamento contrário ao trâmite, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei (PL) 1615/2019, que busca ampliar para as pessoas com visão monocular e sem deficiência no melhor olho, os mesmos direitos e benefícios previstos na legislação para pessoas com deficiência. O projeto deve ser avaliado pelos deputados federais nesta tarde.

Para o diretor Ricardo Azevedo, a Câmara está a instantes de aprovar uma aberração jurídica do ponto de vista Constitucional brasileiro. Ele explica que os monoculares poderão ter o reconhecimento legal de que são pessoas com deficiência, mesmo sem ter que passar por avaliação biopsicossocial, conforme preconiza o texto Constitucional, com base na Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência ratificada pelo Brasil.

“Dentro de poucos dias teremos ou poderemos ter o absurdo desse grupo ser reconhecido como do segmento das pessoas com deficiência sem mesmo ter que passar por tal avaliação, ao passo que as demais áreas de deficiência terão necessariamente que passar por tal avaliação para aquisição de direitos. Este grupo extremamente bem organizado do ponto de vista político conseguiu ganhar os olhares de aprovação de nossos parlamentares sem mesmo ser avaliada a questão constitucional”, alerta o dirigente sindical.

Ricardo ressalta, ainda, que a iniciativa privada se beneficiará porque agora poderá ter funcionários cegos, mas que enxergam de fato. “Não vão precisar mais gastar recursos financeiros para adaptarem seus locais de trabalho ou mesmo adquirirem programas de computador para seus funcionários cegos. Afinal de contas seus empregados cegos, agora vão enxergar normalmente ou praticamente normal. Lamentável decisão que está prestes a ser tomada por nosso Congresso Nacional. Tal medida representará por certo o fim de linha para o mercado de trabalho para quem realmente é pessoa com deficiência. E quando digo mercado de trabalho, devo registrar tanto na área pública, quanto na privada. E viva o momento atual que vivemos de retrocessos e perdas de direitos”, afirma Ricardo.

O diretor do Sisejufe cita texto da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), que fundamenta as incoerências do PL 1615/2019:

1 – Quando o Brasil optou por ratificar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com equivalência constitucional, em 2008, rompeu com o paradigma médico e da integração para considerar que a deficiência é resultante da interação da pessoa com as barreiras com as quais elas atuam, estabelecendo assim padrões de funcionalidade.

2 – A convenção afirma que tais indivíduos devem possuir impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual e sensorial.

3 – A Lei Brasileira de Inclusão – LBI (LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015) define que a avaliação da interação do indivíduo deve levar em conta os aspectos da existência humana, ou seja: biológico, psicológico e social (demanda regulamentação e definição de modelo de avaliação).

4 – Por que o Estado Brasileiro deve honrar o seu compromisso com o 1º Tratado Internacional de Direitos Humanos do Século XXI, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificado em 2008 com status constitucional. Garantindo o cumprimento da funcionalidade como novo paradigma, através da regulamentação do artigo 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (atrasado desde janeiro de 2018).

5 – As pessoas com visão monocular não necessitam de auxílio de terceiros por conta de sua condição, nem de equipamentos, utensílios, tecnologias assistivas ou quaisquer outros mecanismos para a equiparação de oportunidades ou para o exercício de atividades da vida autônoma ou laboral.

6 – Por que tal equiparação de direitos entre pessoas com visão monocular e deficiência visual meramente por um projeto de lei fere de morte o princípio Aristotélico de se tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais no limite da sua igualdade.

7 – Por que não são apresentados quaisquer dados de quantas pessoas com visão monocular passariam a ter os mesmos direitos das pessoas com deficiência e quais os impactos econômicos e sociais tal medida representaria ao Estado Brasileiro e para aqueles que de fato necessitam.

8 – Por que pensando na empregabilidade, tal medida também atingiria de forma direta não apenas as pessoas cegas ou com baixa visão, mas também outras deficiências ,como auditiva, física e intelectual.

9 – Por que em regra, as pessoas com visão monocular não precisam de quaisquer adaptações para acesso ao Transporte, à educação, saúde, lazer, cultura, trabalho, dentre outros.

10 – pela Ausência de estudos para comprovação da influência da condição da visão monocular na qualidade de vida das pessoas com essa característica, que minimamente aproxime suas necessidades das pessoas cegas e / ou com baixa visão.

11 – Por que pessoas com visão monocular em regra utilizam a visão para dirigir, caminhar, praticar esportes, ler placas e livros, identificam pessoas, objetos e indicações visuais dentre outros, utilizando-se da visão como qualquer outra pessoa que o tenha.

12 – Pelo fato que ampliar esses direitos por meio de um Projeto de Lei representa desconsiderar todos os avanços conquistados com a Convenção sobre os direitos das Pessoas com Deficiência, Lei Brasileira de inclusão (LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015).

Por fim, a ONCB destaca que tem plena consciência de que as pessoas com visão monocular devem ter assegurado acesso à órtese, prótese e medicações como já é lei na política de saúde, e como cidadãs possuem todo nosso respeito. Contudo, ressalta que o caminho mais legítimo e justo para apresentar suas demandas não é através de um Projeto de Lei, mas sim por meio da Avaliação Biopsicossocial.

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