Matéria publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral nesta terça-feira, 5 de abril, gerou dúvidas entre os servidores sobre os prazos da luta em defesa da garantia de reposição das perdas inflacionárias. O TSE destaca que “servidor público não pode ter reajuste acima da inflação a partir de hoje (5)”, mas o texto não traz nenhuma referência ao fato de que a demanda apresentada pelo funcionalismo federal na campanha salarial deste ano se enquadra na legislação, e pode e deve ser assegurada pelos agentes públicos.
A própria jurisprudência do TSE atesta que “a revisão remuneratória só transpõe a seara da licitude, se exceder ‘a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição”. A Corte tem como posição ainda que “a aprovação do projeto de lei que tiver sido encaminhado antes do período vedado pela lei eleitoral não se encontra obstada, desde que se restrinja à mera recomposição do poder aquisitivo no ano eleitoral”.
A nota do TSE também é omissa quanto à jurisprudência da Corte sobre a reestruturação de carreiras, que, no entendimento do Tribunal, “não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei no 9.504, de 1997”.
Em diálogo com a categoria na sala virtual de greve promovida pelo Sintrajud no último dia 30, durante a paralisação nacional, o coordenador do departamento Jurídico da entidade, César Lignelli, esclareceu porque a mobilização para recompor o poder de compra dos salários não se esgota nesta semana.
Prazos legais
A Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997), em seu artigo 73, estabelece que o agente público está proibido adotar medidas que possam macular a igualdade de concorrência entre os candidatos, mas o objetivo da lei é tão somente impedir que candidatos à reeleição obtenham vantagem usando o aparato estatal.
“Nos seis meses anteriores à eleição no primeiro turno, que vai ser agora em 2 de outubro, e isso é importante, não pode haver revisão geral de remuneração que exceda a recomposição ou a inflação daquele período, deste exercício”, explicou o coordenador jurídico. Ou seja, até este dia 4 de abril era autorizada revisão salarial mesmo que excedesse a inflação do período. Após essa data, o gestor público pode conferir a revisão geral anual, desde que limitada à inflação acumulada no período.
“Ainda que a revisão geral de remuneração [aconteça] depois de 4 de abril, se for para aplicar a inflação do período, pode”, apontou o advogado. “E isso é só sobre a revisão geral de remuneração. Não é [aplicável], por exemplo, a reestruturação [de carreira]” — os Planos de Cargos e Salários conquistados pelos servidores do Poder Judiciário da União após quatro longas greves. Como atesta a jurisprudência do TSE já firmada a esse respeito, mencionada acima.
A Lei Complementar 173/2020 alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal introduzindo a nulidade de qualquer ato que resulte em aumento de despesas de pessoal 180 dias antes do fim de mandatos ou que gere parcelas a serem pagas por futuras gestões. “Mas esse limite está lá para julho, não é agora”, destacou César.
Reportagem do jornal ‘O Estado de S.Paulo’ sobre negociação entre os servidores do Banco Central e a instituição, publicada em 30 de março, também destaca parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional sustentando esse prazo mais dilatado (leia aqui).
Mesmo esse limite é passível de discussão no âmbito do Judiciário. O Conselho da Justiça Federal, por exemplo, estabeleceu, por meio artigo 7º da Instrução Normativa nº 7/2020, que as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal e as alterações da Lei Complementar 173/2020 não se aplicam à Justiça Federal. O advogado esclareceu que esse é um importante referencial de interpretação que pode ser invocado para todos os servidores do Poder. “Então, é muito importante, lembrando que existe orçamento, manter a mobilização para que seja aprovado algum tipo de reestruturação, recomposição ou revisão salarial”, destacou César.
Lignelli frisou que “é a luta que constrói os prazos na lei”, lembrando que outros momentos nos quais a categoria arrancou conquistas em anos eleitorais, como em 1996 (PCS 1), 2002 (PCS 2), 2006 (PCS 3) e 2016 (Lei 13.317, o último reajuste conquistado, após a histórica greve de 2015). Ressaltando que os Plano de Cargos e Salários (PCSs) foram a forma que a categoria judiciária encontrou de assegurar reposição ao menos parcial das perdas, mas só foram obtidos com mobilizações fortes. “A história nos diz isso. Tem muita greve que não redundou em reajuste, mas eu não vi nenhum reajuste que não tenha sido precedido de greve”, afirmou o coordenador do departamento Jurídico do Sintrajud.
Revisão anual na Constituição
O inciso X do artigo 37 introduziu no texto constitucional que é “assegurada a revisão anual sem distinção de índice”. Se for conferida uma revisão às carreiras policiais, como pretende o governo, o Estado brasileiro tem obrigação de garantir o mesmo índice a todos. “O texto é muito objetivo com relação a isso”, ressalta César Lignelli, ainda que os sucessivos governos venham ignorando o dispositivo constitucional.
A lei que regulamentou o inciso X do artigo 37 (Lei 10.331/2001) fixou a data-base do funcionalismo em janeiro, embora não tenha estabelecido critérios para que a revisão fosse efetivada anualmente, nem os mecanismos de recomposição inflacionária.
O advogado criticou o fato de o Supremo Tribunal ter reconhecido, no julgamento da ADI 2061, que o Estado brasileiro está em mora com o direito constitucional, mas não ter estabelecido nenhuma sanção pelo descumprimento da Constituição, o que vem sendo usado pelos governos para manter a política de arrocho salarial.
Direito de greve
Ainda sobre as garantias legais à mobilização do funcionalismo, o advogado ressaltou que “a greve hoje é absolutamente permitida, é ‘legalizada’. Já era desde a Constituição de 1988, mas tinha uma disputa se tinha que ter ou não regulamentação. Só que o STF resolveu em 2007”, lembrou — explicando que foi assegurado aos servidores o direito de greve em analogia às garantias previstas na iniciativa privada.
Cumpridos os requisitos legais (apresentação da pauta de reivindicações, convocação de assembleia, tentativa de negociação infrutífera e comunicação com antecedência – o que o Sindicato assegura), só cabe aos trabalhadores decidirem porquê e quando iniciar a greve.
E, muito importante, ressaltou o advogado: “Não é possível punir por adesão a greve. Não existe isso”, complementando que qualquer servidor pode aderir a paralisações e greves convocadas pelo Sindicato, inclusive quem está em estágio probatório. A garantia está prevista na súmula 316 do STF. “Quem decidiu isso foi o próprio STF”, lembrou. “Pela lei, a administração não pode tomar qualquer ato para constranger o servidor ou a servidora a não aderir à greve. Se isso acontecer vocês têm que entrar em contato imediatamente com o Sindicato”, disse César.