A falta de garantia de condições de trabalho e a suspensão do pagamento integral da indenização de transportes vêm ampliando os níveis de tensão vividos pelos oficiais de justiça no estado de São Paulo. Na Justiça Federal, além de enfrentar a necessidade de seguir cumprindo um significativo número de diligências presenciais durante a pandemia, os servidores do segmento ainda têm que adquirir, pagando do próprio bolso, equipamentos de proteção individual. Importante ressaltar que a categoria de conjunto teve redução salarial nominal imposta a partir de março com as novas alíquotas previdenciárias.
Embora congelado desde 2017 em R$ 1.479,47, o benefício da faz falta no orçamento, especialmente em razão dos gastos inesperados que estes servidores vêm tendo com parte do trabalho sendo realizada de casa. Mas também porque boa parte dos custos com transporte têm natureza fixa (preço de aquisição e financiamento dos veículos, seguro, imposto, manutenção). Além disso, quando chegar o momento de cumprir os mandados acumulados durante o período de plantão extraordinário, os oficiais temem que a indenização corresponde a esse volume de trabalho não seja paga.
Na Justiça do Trabalho a parcela está congelada em R$ 1.537,89, desde 2015. Embora o reajuste na JT seja mais antigo, o valor nominal pago na Justiça Federal ainda é menor. Há anos os oficiais e o Sindicato reivindicam que a parcela seja atualizada, e agora o Judiciário sinaliza com a retirada de um direito.
Dirigente do Sintrajud e também oficiala de justiça, lotada no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, Cláudia Morais frisa que “estamos todos recebendo mandados que estão se acumulando em nossas caixas, embora estejamos cumprindo por e-mail ou telefone o que é possível. Mas a maior parte desses mandados serão cumpridos quando do retorno às atividades de rua, mas a indenização foi cortada. O que se espera, como mínimo, é que a parcela seja paga porque os mandados serão cumpridos, e os motivos que ensejam a indenização continuam existindo. Logo, os tribunais deveriam manter esse pagamento.”
O entendimento da diretoria e do departamento Jurídico do Sintrajud é de que o valor é devido, dado que os serviços serão compensados e as despesas com a manutenção do veículo próprio usado no exercício da função são permanentes.
Prazos e saúde
Os oficiais também se preocupam com a retomada da contagem dos prazos dos processos eletrônicos a partir do último dia 4, e com a possibilidade de encerramento do novo regime de plantão extraordinário, em princípio marcado para o dia 15 deste mês na Justiça Federla. O período especial foi prorrogado até 31 de maio pela Resolução 318 do Conselho Nacional de Justiça e pela Portaria Conjunta PRES/CORE TRF-3 nº 6, publicada hoje. No TRT-2 a suspensão das atividades presenciais por tempo indeterminado, inclusive as diligências, foi estabelecida com o Ato GP nº 08/2020. Os prazos e a tramitação dos processos físicos remanescentes na Segunda Região permanecem suspensos até que sejam digitalizados, ressalvadas as urgências.
Os impactos que a recontagem dos prazos pode ter na pressão sobre o aumento das diligências presenciais e no orçamento familiar foram apontados por todos os colegas ouvidos pela reportagem do Sindicato. A entidade recebeu diversas manifestações no mesmo sentido de oficiais de justiça que participaram da transmissão ao vivo sobre o trabalho do segmento durante a pandemia, realizada no último dia 23 de abril. Vários servidores também têm enviado mensagens ao Sintrajud por meio dos canais de comunicação com a categoria.
“Embora esses novos prazos só se apliquem às partes, e não aos oficiais de justiça, tememos que essa recontagem gere mais pressões sobre os oficiais. Esperamos que o CNJ e os tribunais regionais tenham a sensibilidade de que é inviável a retomada dos trabalhos, especialmente em São Paulo, onde a pandemia avança e os hospitais operam já muito próximo de seus limites. Nossa expectativa é que esses prazos sejam dilatados e que o regime especial prossiga”, ressaltou Marcos Trombeta.
Outro oficial de justiça ouvido pela reportagem do Sintrajud, que preferiu ter o nome preservado, considera que o maior problema para o exercício funcional do segmento durante a pandemia – a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) – torna o possível corte na indenização de transporte mais injusto. “Eu tive que comprar, por conta própria, máscaras cirúrgicas e álcool gel, mas a gente anda totalmente exposto ao ambiente para cumprir os mandados. A gente entende a urgência dos mandados a cumprir, mas a falta de EPIs pesou, e posteriormente a administração informou que não pagará a indenização de transporte com o valor cheio. Ou seja, a gente vai ter uma defasagem financeira, mas quando passar a pandemia vai ter uma sobrecarga de trabalho”, relatou.
O servidor ressaltou ainda gastos com papel, tinta para impressão dos mandados, internet e telefone, com os quais vem arcando. No caso dele, teve de comprar também uma impressora. “O que compensaria esses gastos seria exatamente a indenização de transporte”, disse.
Douglas Ferreira de Oliveira, oficial de justiça lotado na subseção de Presidente Prudente, lembra que “de acordo com a Resolução 4/2008 do CJF, a indenização de transporte é paga pela realização de serviço externo, ou seja, as atividades exercidas fora das dependências da JF. Ela nos é paga para nos indenizar de gastos com combustível, óleo e reposição de peças do veículo, exatamente para isso, conquanto as disposições normativas, dada a especiosa omissão, nada lho digam a respeito. Do contrário, a administração nos daria veículo oficial e combustível para rodar, como faz a Polícia Militar.” O servidor aponta ainda que, com a suspensão da parcela indenizatória, “perderemos duas vezes: agora e depois. Lá na frente, quando os mandados represados, expedidos em desacordo com essas próprias normas unilaterais e infralegais, nos forem distribuídos, haverá gastos com óleo e combustíveis, além do aumento de estresse e de carga horária para cumprimento. Isto ninguém está pondo na balança”, ressaltou.
Oficiala mais antiga do Fórum da Justiça Federal em Santo André, no ABC Paulista, Elaine Raggiotto Boscioni afirmou à reportagem que naquele fórum os oficiais não têm sido pressionados a cumprir mandados presencialmente, mas também expressou preocupação com o não pagamento da indenização de transporte. “Quando voltarmos [a cumprir as diligências presenciais] vamos trabalhar em dobro. E a gente está gastando com máscara, álcool, informática, coisas para as quais a administração não se atentou”, destaca.
Proteção contra o vírus
Segundo a oficiala, os juízes do Fórum da JF/Santo André vêm sendo compreensivos sobre a gravidade da situação. Mandados de busca e apreensão em processos administrativos, mandados de segurança e para prestação de informações estão sendo cumpridos, em sua maioria, por e-mail. “Em Santo André está tranquilo porque estamos acatando a resolução de que diligências presenciais só as urgentes. A gente cumpre parte dos mandados do plantão por e-mail e aguarda a confirmação de recebimento para certificar. Eu tive um caso isolado de mandado a cumprir presencialmente numa universidade, que envolvia colação de grau de estudantes de Medicina”, relatou Elaine.
O INSS, no entanto, deixou de receber os mandados de busca e apreensão eletronicamente. Como não há nenhum servidor do Instituto nos locais de trabalho – fechados ao atendimento e com os servidores também em trabalho remoto, tais diligências estão inviabilizadas, gerando acúmulo de trabalho a ser cumprido após o fim da quarentena.
Elaine afirma que recebeu material de proteção individual, mas não todos os necessários. “Eu recebi cinco máscaras, mas não recebi luvas, álcool gel, nada disso”, informa. “E tive colegas que tiveram que cumprir mandado no CDP [Centro de Detenção Provisória]”, afirma.
O Sindicato e a associação dos oficiais vêm cobrando solução para os problemas enfrentados pelos oficiais.
O coordenador da associação do segmento, Marcos Trombeta, aponta que por vezes há “uma falta de compreensão dos juízes no cumprimento de mandados que poderiam ser cumpridos de outra forma e nos quais houve insistência de que fossem cumpridos presencialmente. Uma falta de cuidado de magistrados, que arriscam as vidas dos oficiais, sendo que nesse momento a gente não está recebendo equipamentos de proteção individual. Ressalto o apoio da direção do Sintrajud e deixo registrado o trabalho da diretoria [do Sindicato] para preservar a saúde dos colegas. O Sindicato apresentou vários requerimentos em parceria com a Assojaf nesse sentido”, relatou Marcos Trombeta.
O oficial lembra que o último pedido para fornecimento de equipamentos de proteção aos oficiais foi formulado há quase dois meses, no dia 12 de março. “Até agora não tivemos resposta da administração no sentido de garantir o EPI para os colegas que tiveram que cumprir diligências”, disse. A Diretoria do Foro respondeu em 06 de abril que, além do que tinha em estoque – luvas de látex e aventais de TNT (tecido não tecido) – estariam em aquisição álcool gel, mais luvas e máscaras.
Questionada pela reportagem do Sintrajud sobre o andamento da compra, a administração negou-se a responder via assessoria de comunicação e solicitou novo pedido por ofício ou via processo SEI (Sistema Eletrônico de Informações), o que sempre demora um tempo maior do que a dinâmica jornalística e a possível retomada da contagem de prazos permitem esperar.
“A falta de EPI é a principal preocupação dos colegas, mas essa questão da indenização de transporte também é um elemento de tensão, especialmente na Central da capital, que recebe muitos mandados apesar da suspensão dos prazos e da queda na designação de diligências”, concluiu o diretor do Sindicato e oficial de justiça da JF em Osasco, José Lucas Dantas.