Medida arbitrária violava garantia legal da inamovibilidade de dirigente sindical. Decisão foi revertida após intervenção do sindicato junto à diretoria do Foro.
Após 19 anos de trabalho na Justiça Federal, sendo 12 anos na subseção de Taubaté, no interior do estado, no último dia 21 de outubro, a trabalhadora foi surpreendida, em sua residência, com a notificação de que fora colocada à disposição da diretoria do Foro pela juíza corregedora da Central de Mandados de Taubaté, Carla Cristina Fonseca Jório. A magistrada ordenou, no mesmo dia, que a servidora devolvesse à Central todos os mandados sob sua posse.
A juíza tentou justificar a medida alegando que a servidora havia causado problemas na subseção: “tornou-se agressiva…durante período de greves com colegas que não aderiram ao movimento grevista, bem como com juízes que tentavam fazer prevalecer o respeito à cota mínima…”; “questionamentos acerca da divisão de trabalho, abandono de reunião de trabalho, alegações de que continuava sendo assediada, e-mails dirigidos ao juiz corregedor da Central”; o que segundo a magistrada “causou situação de estresse no Fórum Federal de Taubaté, o que não se pode admitir que se repita.”
A tentativa de colocar uma dirigente sindical à disposição da diretoria do Foro, na realidade, acabou evidenciando o que vinha acontecendo há anos com a trabalhadora, resultando inclusive em seu adoecimento: Fausta Camilo de Fernandes estava sendo assediada moralmente em seu local de trabalho, e após denunciar os fatos, veio a ser colocada à disposição.
Junto a isso, a medida violou frontalmente a garantia da inamovibilidade do dirigente sindical, prevista expressamente em lei. Ou seja, caracterizou conduta antissindical e atentado à organização dos trabalhadores, na medida em que a permanência no local não se trata de garantia pessoal do dirigente, mas sim do conjunto da categoria representada.
No início do ofício n° 11 de 2013, enviado pela magistrada à diretoria do Foro, justificando a decisão de colocar a trabalhadora à disposição, registra que ela foi afastada do trabalho por problemas de saúde em vários períodos nos anos de 2011, 2012 e 2013. Já no terceiro parágrafo, a juíza cita textualmente um trecho descrito pelos médicos peritos da Justiça Federal, no qual relatam que a servidora afirma estar sendo vítima de assédio moral.
A magistrada prossegue emitindo juízo de valor acerca da origem dos problemas de saúde da servidora, afirmando ser “conhecida por todos como motivada por problemas familiares”. No requerimento administrativo feito pelo Sintrajud/SP – requerendo a imediata suspensão dos efeitos do ofício n° 11/2013 – o Departamento Jurídico da entidade questiona: “Qual é a fonte da magistrada para tal afirmativa?”
Uma simples consulta ao prontuário médico da servidora seria suficiente para saber que por reiteradas vezes ela afirmou que os transtornos em sua saúde decorrem dos problemas enfrentados no seu ambiente de trabalho. E nesse ponto reside outro problema, também destacado pelo Sintrajud no requerimento: “Também é inegável a perturbação com a notícia dada pela própria Magistrada que teve acesso a laudo pericial de saúde da Requerente, documento este que deveria ser munido de absoluto sigilo.”
Um caso de assédio moral
Negar a um trabalhador a sua atividade laboral é uma das formas de assediá-lo moralmente, dizem os especialistas. E quando se viu nessa situação, Fausta Fernandes questionou o então corregedor da central de mandados, pois, na prática, ele a havia impedido de exercer seu ofício. Para a magistrada, entretanto, o questionamento transformou-se em “acusação”, o que “demonstra a incompatibilidade em continuar trabalhando na Subseção Judiciária de Taubaté”, em suas palavras.
No requerimento administrativo, por outro lado, o Sintrajud/SP rebate a postura da magistrada, que em vez de “fomentar o trabalho de investigação a respeito da situação vivenciada pela servidora, claramente compatível com assédio moral, preferiu remover a servidora de seu local de trabalho, em autêntica punição à mesma por ter encaminhado uma representação diante das condições de trabalho”.
Perseguição a uma liderança sindical
No ofício, a magistrada revela também que o que motivou a tentativa de remoção foi a atuação sindical e política que a servidora desempenha naquela subseção, sobretudo nas mais recentes greves da categoria.
Uma das maiores estudiosas sobre o assédio moral no Brasil, Terezinha Martins explica que o assédio moral é uma ferramenta para ‘pôr para fora de casa’ os trabalhadores questionadores, militantes e ativistas sindicais e políticos. Há ainda, de acordo com Terezinha, dois outros “tipos” de trabalhadores que são assediados: os adoecidos e os muito competentes.
A explicação foi dada nas recentes palestras que Terezinha ministrou sobre o tema para a categoria. Segundo a palestrante, o assédio moral serve para silenciar os trabalhadores, impedindo questionamentos e críticas, além de frustrar a criação de um sentimento de solidariedade no local de trabalho.
Além de militante política e dirigente sindical, portanto questionadora, Fausta ainda reúne as outras duas características descritas por Terezinha Martins, que ampliam as chances de um trabalhador ser assediado.
A servidora adoeceu em decorrência do trabalho e foi afastada dele para recuperar a saúde. Quando voltou, Fausta encontrou um ambiente ainda mais hostil. Diz Terezinha Martins que o assédio moral sobre os trabalhadores adoecidos serve para afastá-los do local de trabalho, pois eles são exemplos para todos de que o trabalho pode adoecer. “Ao perceberem que um colega adoeceu pelo trabalho, os demais trabalhadores reduzem a sua produtividade por receio de adoecerem”.
Não é para menos que a magistrada tenha feito questão de repetir em seu ofício que a servidora havia se afastado do trabalho por estar enferma. Em nenhum momento a juíza questiona o profissionalismo de Fausta, justamente porque não há nada de desabonador em sua conduta e histórico profissionais.
Uma realidade no Judiciário
A tentativa de remoção da servidora é emblemática, pois evidencia a maneira como a administração da subseção de Taubaté está “resolvendo” as denúncias de assédio: afastando e punindo a vítima (denunciante). Como ocorreu também com outras trabalhadoras no período recente.
A medida confirma algo que o Sintrajud/SP denuncia há anos: o assédio moral é uma realidade dentro do Poder Judiciário. Mas o caso revela também a importância de não se calar diante dessa prática. Ao contrário, a denúncia é uma importante ferramenta para combater o assédio moral.
Na terça-feira, 22, o Sintrajud/SP apresentou requerimento à Direção do Foro da Seção Judiciária de São Paulo, questionando a medida adotada. Dirigentes e advogado do Sindicato procuraram pessoalmente o juiz diretor do Foro, para relatar a gravidade do ocorrido e reivindicar a rápida apreciação do expediente.
Na noite do mesmo dia, o diretor do Foro, juiz Paulo César Conrado, suspendeu a decisão da administração de Taubaté, reconhecendo a ilegalidade do ato: “Dentre os casos em que a legislação constrange a tomada da indigitada providência está a que figura no art. 240 da Lei nº 8.112/90; ao garantir, com efeito, a inamovibilidade do servidor titular da condição de dirigente sindical, o preceito indicado faz inviável sua colocação à disposição da DF …”.
O despacho prontamente proferido pelo diretor do Foro, como deveria ocorrer sempre em casos como esse, corrigiu a distorção da medida arriscada pela corregedora da central de mandados de Taubaté, observando que “o quanto narrado no ofício originador desse expediente, não autoriza a pretendida colocação à disposição, o que deve ser afastado”. O sindicato seguirá cobrando das administrações dos órgãos da Justiça que medidas como essa, caso venham a ocorrer, sejam prontamente repelidas, tal como reconhecido no caso pela Diretoria do Foro.
Fonte: Caê Batista, do Sintrajud/SP