CONJUNTURA INTERNACIONAL E
NACIONAL
01. Avaliamos que vivemos uma nova
situação mundial de lutas, convulsões e rebeliões, marcada por uma polarização
crescente da luta de classes. De um lado uma ofensiva imperialista enorme
acompanhada de traços duríssimos para garantir sua hegemonia. De outro uma crise
econômica profunda, divisões inter-imperialistas e
crise na “ordem mundial” e suas instituições (ONU,OTAN, OMC) e, principalmente,
uma reação dos trabalhadores de grande magnitude.
02. Os EUA concluíram sua guerra e
iniciaram a conformação de um protetorado no Iraque. Porém, segue crescendo a
consciência anti-imperialista e as mobilizações devem seguir ganhando as
ruas do mundo contra o imperialismo e suas instituições. Em muitos países, essas
mobilizações se combinaram com uma reação do movimento operário contra retirada
de direitos (Itália, por exemplo) e nada indica que retrocedam qualitativamente.
Na América Latina se sucedem levantes, insurreições, derrubada de governos e/ou
desestabilização ou mesmo ruína de regimes, e eleição de governos de Frente
Popular (Brasil e Equador, mais à frente possivelmente Uruguai e El Salvador).
03. O pano de fundo dessa nova situação da luta
de classes em nível mundial é a crise econômica profunda em que se debate a
economia dos EUA, toda a economia imperialista e mundial. A crise é grave e
profunda. A estagnação que já atinge os três centros imperialistas do planeta
caminha para uma recessão e não está descartada a possibilidade de uma
depressão.
04. Isso impõe para o
imperialismo a necessidade de avançar na recolonização,
de atacar mais e mais duramente os trabalhadores e de drenar, num patamar muito
superior, mais valia para o coração (ou corações) do sistema. O imperialismo não
tem outra saída a não ser manter e aprofundar a ofensiva colonizadora sobre os
países periféricos e ao mesmo tempo avançar na exploração de seu próprio
proletariado. A profundidade da crise, entretanto, está levando à maior crise inter-imperialista desde à segunda guerra: a crise da ONU e
da OTAN. Por trás da ocupação do Iraque pelos EUA e da disputa da União Européia
por uma ocupação compartilhada via ONU, está a luta entre os imperialismos pelas
colônias.
05.
A aceleração da ALCA na América Latina e a invasão do Iraque, com o objetivo de
impor um protetorado dos EUA naquele país, são duas faces da mesma moeda ou do
mesmo remédio que o imperialismo vê como o que pode tirá-lo de sua atual crise e
como política para consolidar os EUA como imperialismo hegemônico. Os EUA
ganharam de forma rápida a guerra contra o Iraque no terreno militar, mas não
conseguiram ganhar os corações e mentes das massas de todo o mundo e nem
reverter sua crise. A luta mais geral continua em curso.
06. Essa vitória pode pavimentar o
caminho para submeter o restante do Oriente Médio, dar um fôlego para o capital
e fazer a correlação de forças pender para o lado da ofensiva imperialista. Mas,
ela pode também desencadear o efeito inverso. Pode precipitar uma recessão
mundial e aumentar os riscos de uma depressão. Pode acirrar ainda mais as
divisões inter-imperialistas.
E, mais importante, pode atear de vez fogo em todo o Oriente Médio, fazer
aumentar em muito as mobilizações em todo o mundo, desestabilizar governos, como
os da Ingleterra e Espanha, levar a luta de classes e
as mobilizações a um patamar superior dentro do próprio EUA. Os cenários não
dependem apenas da economia, nem apenas do aparato militar, mas sobretudo da luta de classes.
07. À América Latina, em processo
avançado de recolonização, estagnação/recessão e empobrecimento, segue
reservado o papel de bombeador de recursos e riquezas
para o norte, através da expropriação financeira via dívida, remessa de lucros
das multinacionais e recorrentes fugas de capitais e também como fonte
receptora (importadora) de mercadorias industrializadas e cada vez mais
produtora de commoditties (produto primários,
como café, algodăo, minério de ferro, etc). Os EUA querem e estão
acelerando a ALCA, avançando em acordos bi-laterais
com inúmeros países.
08. O
modelo atual – baseado no Consenso de Washington - está esgotado: o patamar
atual de exploração dos países não é sustentável. Eles querem e precisam avançar
mais na recolonização, na espoliação e exploração. Queima de
capitais e mais desnacionalização na periferia, bem como a apropriação de
recursos naturais, das contas governamentais e serviços. O controle político e
institucional total é o que eles almejam com a ALCA, enquanto avançam também na
militarização do continente.
09. O
processo avançado de recolonização e o esgotamento e
crise do modelo aplicado em toda década de 90 significou para a classe
trabalhadora e o povo um empobrecimento enorme. Esse processo mudou também a
estrutura produtiva dos países e o perfil das burguesias e bombeou recursos como
nunca para os centros imperialistas. O continente viveu de conjunto uma recessão
no ano passado, sendo que vários países entraram em depressão, como Argentina e
Uruguai. O Brasil – que tinha mais gordura para queimar, em termos de parque
produtivo e riquezas e que entrou atrasado no “Consenso de Washington” - viveu
outra década “perdida”, um crescimento pífio. Se não chegou a viver um processo
de desindustrialização a lá Argentina, também não avançou em
capacidade instalada, desnacionalizou grande parte do que era o parque produtivo
nacional e sua infra-estrutura e parte da base produtiva se deteriora. Junto com
isso aumenta a miséria, o desemprego, a exploração, o arrocho e a violência.
10. O
movimento de massas no continente vem se levantando de forma generalizada contra
essa situação de recolonização e crise. Um número cada vez
maior de países estão vivendo verdadeiras convulsões, com levantes, picos
insurreicionais e também governos e projetos de Frente Popular. Equador e
Argentina já não são casos isolados no continente. A eles vêm se somar Uruguai,
Paraguai, Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia... E o Brasil acaba de eleger um
governo de Frente Popular.
11. O
imperialismo – sobretudo os EUA - está discutindo o que fazer diante das
dívidas impagáveis, ou dito de outra forma, como assegurar a
recolonização e a “sustentabilidade” do envio
permanente de riquezas para o norte. Eles estudam hoje um novo consenso, nos
marcos da ALCA.
12.
Enquanto não define uma tática unificada perante todos os países, o FMI socorreu
o Brasil no ano passado. O acordo com o Fundo não respondeu apenas a um cálculo
político, foi um bom negócio – não deixaram o país quebrar, mas o mantiveram no
fio da navalha de uma moratória forçada - em troca de exigir índices maiores de
superávit e super-exploração, e comprometer o novo
governo com a conclusão do trabalho de FHC. Ou seja, fazer com que as reformas
cheguem no nível em que chegaram na Argentina, coisa que ainda não se chegou no
Brasil, e a concluir o tratado da ALCA.
13.
Para a América Latina, em qualquer caso, avançará a miséria, a
super-exploração e a espoliação. E neste ano de 2003 vão aumentar também
as crises, porque o crédito externo caiu em mais de 50% e “transatlânticos” como
o Brasil só conseguem pagar o serviço da dívida com dinheiro de fora. Vai piorar
e muito o nível de vida das massas e a rapina dos países. Na melhor hipótese
para a burguesia: no caso de uma retomada forte da economia americana, haverá
espaço para mais setores da burguesia se associarem à rapina, com uma possível
volta de capitais para cá em 2004. No caso de manutenção ou agravamento da crise
atual, a queima de capitais e a devastação será muito superior.
Também aqui, a luta de classes vai determinar em última instância o processo.
14. O Brasil que Lula governa está
plantado sobre esta crise estrutural, que hoje está mais agravada, mais séria e
mais profunda do que sob FHC. O país está praticamente quebrado: o empréstimo do
FMI segura as contas do Estado este ano, se não houver fuga de capitais e
entrarem os investimentos externos que entraram no ano passado. Para segurar os
capitais que estão aqui e atrair outros, o governo é obrigado a jogar a economia
na recessão, a economizar muito mais dinheiro do que FHC para pagar juros, a
aumentar o endividamento público e aprofundar as reformas neoliberais de FHC.
15.
Agregue-se a esse quadro de quase insolvência do Estado, a situação
pré-falimentar de grandes empresas endividadas em dólares e sem crédito externo.
É o caso das distribuidoras de energia elétrica –
Eletropaulo/AES à frente, que deu calote no BNDES, diz que não tem como
pagar sua dívida junto ao banco, ao mesmo tempo em que remeteu mais de três
vezes o valor da dívida para o exterior na forma de remessa de lucros. Mas não
são apenas as elétricas que estão em busca de um PROER ou até de uma “reestatização”
em que o Estado arque com os prejuízos, saneie a empresa e depois a devolva
pronta para lucrar para o setor privado: são as empresas de aviação, parte das
teles, empresas de comunicação (Globo à frente, que levou R$ 1
bi de empréstimos do BNDES). Ou seja, a crise é tão grave que, inclusive a reestatização sem indenização se converte numa palavra de
ordem colocada na ordem do dia. Agregue-se ainda nisso a crise dos estados:
vários sem dinheiro para pagar até o funcionalismo.
16. Na lógica de “não romper
contratos” com o FMI e com todo arcabouço
e blindagem neoliberal, a
contrapartida dessa situação para os trabalhadores e a maioria do povo
significará uma piora
considerável do nível de vida: mais exploração e queda do poder
aquisitivo, mais desemprego, mais dilapidação dos serviços públicos e também
mais entrega de patrimônio.
17.
Não é à toa, que o PT assume elevando o superávit primário para 4,5% do PIB – o
maior da história – e Lula afirma que este é um ano em que será obrigado a comer
“angu quente, sem poder sequer ir comendo-o pelas beiradas”. Toca-lhe não apenas
manter, como aprofundar o modelo econômico de FHC.
O “projeto” do PT, do PCdoB
e da burguesia diante da crise
18. A
Frente Popular – que tem pesos pesados da burguesia no governo – quer buscar
antes de tudo construir uma unidade da burguesia brasileira (com consentimento,
aliança e sociedade também com as multinacionais aqui instaladas), para tentar
conquistar no médio prazo reformas ou uma reciclagem no modelo hoje esgotado. De
modo que o mesmo modelo, aprofundado,
possa ser “sustentável” para ao menos permitir taxas maiores de
crescimento econômico.
19.
Isso não passa por evitar a recolonização e menos
ainda romper com ela; mas por aprofundá-la no atacado.
20. A
burguesia brasileira de conjunto – em que pese os choques e atritos entre os
diferentes setores e interesses, uma vez que o capital financeiro neste modelo é
claramente o mais beneficiado e o “setor produtivo” reclama disso - não quer e
não vê qualquer perspectiva numa ruptura ou choque mais forte com o
imperialismo. Quer, isso sim, um lugar ao sol por dentro do projeto
imperialista. Quer uma reciclagem do modelo.
21.
Eles não vêm saída por fora da ALCA. Querem no médio prazo atrair
“capital produtivo”, instalação de mais multinacionais aqui que substituam
importações e exportem para diminuir a vulnerabilidade externa. Para tentar
atingir isso, eles precisariam instituir aqui o grau de “competitividade”
chinesa ou coreana, ou seja, querem esfolar a mão-de-obra assalariada (daí as
reformas). A situação toda agrava-se ainda mais, na
medida em que há uma estagnação ou quase recessão mundial, e, portanto,
pouquíssimo investimento produtivo no mundo. Por isso, eles buscam manter a
bicicleta pedalando, tentando vender mais produtos agrícolas, sonhando que uma
ALCA abra mercados na agricultura e buscando manter-se confiáveis para rolar as
dívidas do Estado e das empresas, bem como atrair capital externo em algum grau,
seja especulativo, seja entregando novos setores que o imperialismo deseje, seja
buscando alguma capitalização e/ou “parceria” imperialista para as empresas
nacionais ainda existentes.
22. A burguesia brasileira, sobretudo
o que sobrou do capital industrial, gostaria de possuir hoje mais soberania e
independência, mas não vê saída e nem benefícios numa ruptura com o
imperialismo. Pelo contrário, precisa dos capitais imperialistas. Ao mesmo
tempo também fica angustiada com uma trajetória insustentável do modelo atual e
teme tremendamente um desfecho a lá Argentina, uma depressão que queime capitais
em larga escala.
23.
Por outro lado, não há – nos marcos do neoliberalismo e do processo avançado de
recolonização hoje existente - muita margem de manobra. A alternativa
deles, nesse sentido, passa por tentar reunir condições de renegociar o padrão
de endividamento atual – alongar os prazos e melhorar as condições de pagamento
da dívida, de modo que o país não fique permanentemente na beira da insolvência
e do calote e que, portanto, consiga dar um novo fôlego ao modelo. Isso,
entretanto, passa pelo aprofundamento das reformas
neoliberais e também pela negociação e adesão à
ALCA. Ou seja, requer um novo patamar de super-exploração
e empobrecimento do povo e avançar na recolonização.
O PT por sua vez, auxiliado diretamente pelo PCdoB que
se coloca como mais realista que o rei na defesa do governo petista,
se propõe a ser o gerente desse projeto da burguesia e do imperialismo.
24. As condições para a reciclagem
do modelo passam pelo aprofundamento do modelo de FHC, combinado com o esforço
“exportador” do Delfim Neto da época final da ditadura (o ministro do ‘exportar
é o que importa’ e o mesmo que falsificou os índices de inflação para impor um
tremendo arrocho sobre os trabalhadores) que também já vinha sendo perseguido
pelo FHC do segundo mandato.
25.
Isso pressupõe – repetimos – ataques duríssimos à classe trabalhadora e ao povo
e condições terríveis para o próximo ano. O país, sob uma base de estagnação
econômica, estará – como nos finais da ditadura – voltado para a exportação
(sendo que hoje, exportará mais
commoditties e menos produtos industrializados do que naquela época e
em meio a uma crise mundial profunda), o que acarretará uma mistura de recessão
interna com pressão inflacionária. Junto com isso, o governo ataca a Previdência
Pública para privatizá-la, diminuindo ainda o salário também dos aposentados do
serviço público e perseguirá ainda um patamar superior de flexibilização
trabalhista. A burguesia – com a anuência e ajuda do governo – em nome de não
“disparar a inflação”, vai querer impor um patamar ainda maior de arrocho. Os
níveis de desemprego vão crescer. E os cortes nos gastos sociais vão se fazer
sentir rapidamente, tanto nos serviços públicos, como nos investimentos e nos
gastos sociais. A informação mais recente dá conta, de que sequer haverá verbas
para cumprir a promessa do governo de assentar 100 mil sem-terras: meta em si
pífia. A um ponto que o número de assentamentos do governo Lula poderão ficar
abaixo dos de FHC!
26.
Para atingir este “projeto”, entretanto, há mais de uma pedra no caminho.
Primeiro, a burguesia que tem acordo no atacado com isso tudo, no varejo e na
hora do vamos ver é “pragmática” ou anárquica, ou da turma do salve-se quem
puder. Ela mesma não tem confiança cega de que isso vai dar certo e menos ainda
de que não venha – independente do que eles querem e projetam – um descontrole
pela frente. De modo que, com superávit de 4,5%, aumento de juros, juras de amor
ao mercado e tudo o mais que o governo Lula tem feito se na conjuntura vários
indicadores financeiros recuaram – risco Brasil, dólar, os títulos da dívida
externa se valorizaram -, a inflação, entretanto, está de volta. Esta é em
grande medida sub-produto da vulnerabilidade externa, já que as empresas
endividadas em dólar dolarizam seus preços e também
aquelas que importam componentes; é também sub-produto do exportar é que
importa, mas é também produto da voracidade do conjunto da burguesia por
aumentar suas margens de lucro e da desconfinaça da
mesma acerca do futuro. Se isso vale para a burguesia brasileira, vale também e
mais ainda para os capitais imperialistas que diante da crise externa e de um
aprofundamento da mesma podem deixar de entrar aqui de uma hora para outra e
detonar – de novo – fuga de dólares tanto dos capitalistas estrangeiros, como
nacionais, que têm bilhões nos paraísos fiscais.
27.
Outra pedra no caminho são os trabalhadores e a maioria do povo.
A insatisfação enorme contra toda essa situação, que derrotou eleitoralmente a
burguesia e levou à vitória a Frente Popular, não será ainda maior diante
de uma situação muito pior e sem perspectiva de melhora? Por quanto tempo o
movimento vai suportar ver piorar seu nível de vida, dando crédito à mentira do
governo de que o remédio amargo é temporário e em prol da mudança que eles
esperam?
10 meses de governo
Lula: os trabalhadores não têm o que comemorar
28. Após oito anos de governo FHC, os
trabalhadores e o povo pobre do nosso país cansados de ver
seu nível de vida se deteriorando, a elevação do desemprego, o arrocho dos
salários, o crescimento do conflito no campo e a
criminalização dos movimentos sociais, expressaram sua indignação e
vontade de mudança com a eleição de Lula para presidente em 2002.
29. Em poucos meses a euforia das
mudanças começa a se transformar em desilusão e indignação com a continuidade da
política econômica de Pedro Malan levada agora por Antônio
Palocci, que antes mesmo de sua posse assumiu o compromisso de garantir
os contratos com o FMI e o pagamento das dívidas externa e interna. Logo no
início do governo anunciou-se o aumento do superávit primário de 3,75% para
4,25% do PIB. A conseqüência disso: cortes no Orçamento da União que chegaram a
R$ 15 bilhões e atingiram saúde, educação, moradia, reforma agrária e inclusive
a vedete das políticas sociais compensatórias, o programa Fome Zero.
30. De janeiro a maio de 2003, o
governo Lula “economizou” R$ 37 bilhões para pagamento da dívida pública
interna, o que significou 5,73% do PIB (mais que os 4,25% acordados com o FMI).
Como sempre, isso não foi capaz de pagar sequer os juros dessa dívida que chegam
a R$ 65,3 bilhões.
31. Nesses dez meses de governo Lula, ao invés
de ampliar o nível de emprego, rumo aos 10 milhões de postos prometidos durante
a campanha eleitoral, vimos somente na grande São Paulo, o crescimento da taxa
de desemprego atingir a casa dos 20%, o aumento da recessão e a perda do poder
de compra dos trabalhadores (queda de 14,7% na renda do trabalhador, segundo o
IBGE). A privatização das empresas estatais das áreas de energia elétrica e
telefonia, bem como a criação das chamadas agências reguladoras, tem levado a
sucessivos aumentos das tarifas públicas acima da inflação. Ao invés de realizar
um processo de reestatização destas empresas, o
governo se dispõe a obedecer os contratos de
privatização e aumentos das tarifas.
32. O governo, além disso, aprovou uma lei de
falências na qual as empresas que falirem deverão primeiro honrar seus
compromissos com os bancos credores e só depois pagar suas dívidas trabalhistas,
sendo portanto um presente aos banqueiros.
Em relação ao problema da terra, o governo não
assentou o que prometeu durante a campanha eleitoral, reduziu verbas do
ministério da Reforma Agrária, preservou todas as medidas jurídicas repressivas
de FHC que proíbem a desapropriação de terras ocupadas e colocou no Ministério
da Agricultura, um homem do agro-negócio, que defende o armamento dos
fazendeiros contra os trabalhadores rurais sem-terra.
O governo Lula organizou ainda no Congresso uma
unidade vergonhosa, tendo como parte da base aliada os deputados do PTB, PMDB, e
PP, representantes dos interesses das grandes empresas multinacionais.
33. Enquanto os trabalhadores não têm o que
comemorar, a burguesia e o imperialismo batem palmas. A votação da reforma da
previdência em primeiro turno na Câmara e o encaminhamento das reformas
tributária e trabalhista ao lado da tentativa de aprovação da independência do
Banco Central - que coloca na mão de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco
de Boston, o controle da política monetária do país -
representam os pilares das primeiras grandes medidas tomadas pelo governo
Lula.
Privatização da seguridade social: o verdadeiro objetivo da reforma da
Previdência
34. A perspectiva do governo Lula é suprimir direitos
trabalhistas, reduzir e até mesmo extinguir benefícios sociais para sobrar
dinheiro para o pagamento da dívida externa e interna, imprimindo pesadas
derrotas aos trabalhadores. Por isso, o principal objetivo da reforma da
previdência não é atacar os altos salários de pretensos marajás (vide a
manutenção dos salários milionários dos juízes, deputados, ministros e seus
apadrinhados), mas transferir para o controle do capital volumosos recursos
financeiros pagos pelos trabalhadores para a manutenção da Previdência pública.
35. Uma vez retirados do controle do Estado, todos esses
recursos poderão ser destinados ao setor privado que já explora parte do serviço
previdenciário. Por trás destas mudanças – antipopulares
e contrárias aos interesses dos trabalhadores – estão os interesses dos
banqueiros e das companhias seguradoras.
36. Com a reforma da previdência apresentada pelo
governo Lula, se propõe quebrar os direitos históricos dos servidores, como a
integralidade e a paridade, aumenta-se a idade mínima para aposentadoria,
reduz-se as pensões, institui-se a contribuição dos inativos e abre-se
espaço para a privatização através dos fundos de pensão.
37. Em sua defesa da
reforma da Previdência, o governo parte da mesma lógica mentirosa de seu
antecessor: de que a previdência é deficitária e que os servidores públicos são
privilegiados. Mas a verdade é que a única crise da a Previdência Social se deve
ao fato de haver sonegação por parte das grandes empresas, combinada com desvios
das verbas da seguridade social para pagamento das dívidas externa e interna.
Entre os principais sonegadores estão empresas de membros do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), que sozinhos devem R$ 1,4 bilhão,
dentre eles a Sadia de Luiz Fernando Furlan (ministro
do Desenvolvimento), as empresas do vice-presidente, José Alencar, além da Cia.
Vale do rio Doce, Itaú, Santander/Banespa, Bradesco,
ABN Amro/Real, Cia Suzano de Papel, Sucocítrico Cutrale e a ALCOA.
Vale lembrar que ao invés de cobrar a dívida desses empresários privilegiados e
sonegadores, Lula os premiou com a renegociação em longas e suaves prestações,
preferindo atacar as conquistas dos trabalhadores.
38. Há mudanças
necessárias na Previdência Social? Claro que sim. E elas começam com a revogação
das medidas adotadas na reforma realizada por FHC: a
volta da aposentadoria por tempo de serviço; a volta da aposentadoria especial
para quem trabalha em área insalubre ou em trabalho penoso; a revogação do
chamado fator previdenciário, do limite de idade para a aposentadoria, etc.
Todas essas medidas resgatariam direitos que foram eliminados ou reduzidos por
iniciativa de FHC.
39. Defendemos um sistema
único de previdência social que:
a) Permita a unificação do
sistema do setor público com o do setor privado, estendendo a todos os direitos
conquistados em ambos;
b) Estabeleça
uma previdência solidária, baseada no princípio da repartição (todos
contribuem para garantir o benefício de todos) e não no princípio da
capitalização;
c) Estipule um sistema
único com direito à aposentadoria com salário integral; por tempo de serviço
(mantendo-se a aposentadoria “especial” na educação);
d) Mantenha os regimes
especiais para quem trabalha em ambiente insalubre ou em funções penosas,
permitindo nestes casos aposentadoria em menor tempo;
e)Adote um mecanismo de
correção do valor dos benefícios, assegurando-se de início, um expressivo
reajuste para os aposentados que ganham salário mínimo e instituindo-se um
mecanismo automático de correção do valor das aposentadorias para preservar seu
poder de compra;
f) Garanta a administração
dos recursos da Previdência Social por uma comissão composta por trabalhadores,
aposentados e governo;
g) Valorize os servidores
da Previdência Social, com salários e condições de trabalho
dignos e plano de carreira que estimulem o trabalhador a exercer bem sua
função;
h) Adote um sistema de
controle e fiscalização que puna com todo rigor a sonegação (incluindo a
eliminação das isenções atualmente dadas a entidades “filantrópicas”), a
corrupção, etc.
Greve enfrentou com garra ataque do governo
40. Os servidores do Judiciário
federal e do MPU, juntos com as demais categorias do funcionalismo público
federal, fizeram uma heróica greve na primeira fase da batalha em defesa da
Previdência Pública. Mesmo quando decidiu retomar o trabalho, a categoria
aprovou a continuidade da luta para tentar barrar a aprovação do projeto
privatizante imposto pelo governo. As mobilizações, com atos unificados,
debates e corpo-a-corpo junto a parlamentares devem continuar agora no embate
que se dá no Senado.
41. Nossa avaliação é que a greve foi bastante
positiva, especialmente por ter sido o primeiro novimento
paredista na história de nossa categoria que não tinha reivindicação de caráter
econômico imediato. Fizemos uma greve eminentemente política, com um conteúdo de
enfrentamento direto com o projeto governista. Buscamos, também pela primeira
vez com tanta força, mostrar ao conjunto da população os danos causados à
seguridade social e ao conjunto dos trabalhadores pela malfadada PEC-40. Em todo
o país foram confeccionadas milhares de cartilhas, jornais e
panfletos – em muitos lugares unificados com outras categorias – para
esclarecer que a reforma proposta tem por objetivo apenas atender aos interesses
do mercado financeiro internacional e do FMI e tinha como parâmetro e balizador
os compromissos assumidos pelo governo junto ao FMI na carta enviada ao
organismo em 28 de fevereiro deste ano.
42. Apesar das inúmeras dificuldades,
conseguimos manter mais de um mês de greve em todo o país, precedida por algumas
paralisações de advertência. As ilusões com o governo – que contava com índices
de popularidades superiores à média da população (46% nos SPF’s e 40% no geral,
segundo pesquisa da Folha/Ibope na época) no serviço
público; a postura do descaradamente traidora da maioria da direção da CUT; a
tramitação e votação da proposta no mês de julho, período que tradicionalmente
os servidores tiram férias; e o fato do nosso vitorioso Plano de Cargos e
Salários ainda não ter refletido claramente aumentos salariais para a categoria
em função do parcelamento imposto por FHC; além, é claro, da incompreensão de
parcela da categoria sobre o significado das perdas embutidas na reforma foram
circunstâncias que dificultaram a deflagração da greve e o crescimento dos
índices de adesão ao movimento. Também pesou o isolamento, que mesmo com todo o
esforço das entidades que compõem a Cnesf (Coordenação
Nacional das Entidades dos Trabalhadores do Serviço Público Federal) não foi
rompido, e em função disso não conseguimos incorporar a esta luta o conjunto dos
servidores municipais e estaduais e trabalhadores do setor privado. Mas é
importante frisar que as dificuldades que encontramos na construção desta luta
no Judiciario Federal e MPU também se refletiram no
conjunto das categorias. Ainda assim, o funcionalismo chegou a quase 50 dias de
greve.
43. E embora o governo tenha conseguido,
literalmente na base da pancadaria contra os trabalhadores, aprovar o projeto em
primeiro e segundo turnos na Câmara dos Deputados não foi como esperava. O
governo contava com 380 a 420 votos e teve 358 na votação do relatório geral,
cinqüenta a mais que o necessário. No dia seguinte, na aprovação da taxação dos
aposentados, apenas 326 deputados votaram a favor. Dizemos apenas porque, como
disse o próprio Lula em outros tempos, o Congresso
Nacional é um covil de “picaretas”. Agora, parece que Lula se esqueceu disso ao
se aliar com eles mediante troca de favores, liberação de milhares de reais para
emendas pessoais e compra de votos, para retirar direitos conquistados a custo
de muitos anos de luta.
44. Além disso, nossa greve também
serviu para desmascarar perante a categoria os verdadeiros objetivos do governo
com a reforma e que lado Lula escolheu ao sentar na cadeira presidencial. Ficou
claro para o conjunto dos servidores públicos em todo o país o verdadeiro perfil
do governo eleito sob o signo da mudança, que confundia e imobilizava parte das
categorias do setor. Hoje, a ampla maioria do funcionalismo
público já questiona o governo – o que é impressionante dado o fato de
Lula ter sido depositário da confiança dos trabalhadores, especialmente do setor
público, por mais de 20 anos e estar governando a menos de um ano. Além disso, a
greve foi fundamental para romper o cerco da imprensa, que teimava em
veicular campanhas de desmoralização do servidor, colocando as exceções
como regras.
45. Diante do ataque que a reforma traz,
não havia outra alternativa senão a construção da greve
naquele momento. Nem mesmo na Mesa Nacional de Negociações que o governo fez
instalar junto ao Ministério do Planejamento para negociar a pauta de
reivindicações, houve qualquer espaço de negociação a respeito da Previdência.
Além disso, qualquer negociação em torno a pontos específicos da proposta, como
propunha a direção da CUT, seria, de conteúdo, uma traição aos trabalhadores,
tendo em vista que o governo poderia até negociar algumas migalhas
mas já estava claro desde o primeiro dia que não abriria mão do elemento
central da reforma (a criação dos fundos de previdência privada e o fim da
integralidade).
46. Infelizmente, os
companheiros do Sindjus-DF não acompanharam as resoluções aprovadas em todas
as nossas plenárias nacionais, que diziam claramente “Não à reforma privatizante e retirada imediata da PEC-40”. Os companheiros
optaram pela política de negociação de emendas ao projeto, o que se confirmou
como uma política errada por dois motivos: em primeiro lugar, porque a divisão
da categoria enfraquece e não fortalece a luta. Em segundo lugar, porque
alimentou esperanças de negociações que – se tívessem
sido reproduzidas em nível nacional – levariam a categoria à desmoralização
frente a tão brutal ataque, pois colocaria os
sindicatos na posição de colaboradores da política de retirar direitos
históricos em troca de migalhas.
47. Está no Congresso Nacional a reforma tributária que
tem por objetivo desonerar a carga tributária sobre os grandes capitalistas, via
redução do IPI, aumento dos impostos indiretos que atingem todo o povo, a
transformação da CPMF em imposto definitivo, e centralização da arrecadação nos
cofres da União para garantir o pagamento em dia das dívidas externa e interna.
Esta última medida, inclusive, já estabelecida por FHC com a Lei de
Responsabilidade Fiscal e aprofundada por Lula com a diminuição do repasse do
Fundo de Participação dos Municípios, o que tem levado ao estrangulamento
financeiro da maioria dos municípios e de vários estados do país.
48. Será encaminhada também brevemente
uma reforma trabalhista, ampliando a retirada de direitos e conquistas. O
próprio Ministro Jacques Wagner afirmou que se deveria eliminar a multa de 40%
sobre o FGTS para demissões imotivadas. Com o alarde dessa declaração, o
ministro a negou, mas fez uma declaração pior: propôs debater a mudança de todas
as clausulas da CLT, colocando em risco conquistas como 13o salário,
férias remuneradas e licença-maternidade, e ameaçando a luta pelo direito de
greve e negociação coletiva dos servidores públicos.
49. Está colocada para todo o movimento sindical,
inclusive as entidades do funcionalismo público e nossa Federação, a luta contra
estas duas reformas (além é claro da retomada da luta contra a reforma do
Judiciário nos moldes que vêm sendo propostos pelo governo e da qual trataremos
mais adiante).
ALCA: Exigir o plebiscito oficial já
para que os trabalhadores e o povo se manifestem sobre a proposta de
recolonização
50. Um dos fatos marcantes
da luta dos movimentos sociais no ano passado foi o plebiscito sobre a ALCA. A
participação popular foi muito expressiva, com mais de 10 milhões de pessoas
votando na consulta contra a proposta de anexação dos países da América Latina
como quintal dos Estados Unidos e a entrega da base militar de Alcântara (MA). O
resultado do plebiscito extra-oficial refletiu o sentimento de rejeição aos
planos imperialistas de recolonização da América
Latina.
51. Um dado lamentável
relacionado ao plebiscito foi o boicote feito contra ele por vários setores do
movimento social. Alguns partidos, sindicatos e dirigentes não só boicotaram a
consulta, como teceram comentários desrespeitosos à mobilização, entre eles
o próprio Lula (que ainda nem era presidente à época). Uma deplorável
demonstração de adaptação aos interesses dos monopólios e capitulação frente à
investida do capital imperialista.
52. Agora, os movimentos
sociais e a coordenação nacional da campanha contra o acordo de “livre comércio”
estão na luta pela realização de um plebiscito oficial, a ser convocado pelo
governo, sobre o tema.
53. Os primeiros passos da
política externa do Governo Lula pareciam demonstrar que poderia haver alguma
resistência aos ditames de Washington. Para o Itamaraty foram nomeados nomes
expurgados de organismos internacionais pelo imperialismo por estarem a serviço
da soberania dos povos, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Em seguida
esboçou-se uma posição diferenciada dos Estados Unidos sobre o golpe na
Venezuela, logo transformada pelo governo Lula numa proposta “amigos da
Venezuela”, com a participação dos Estados Unidos, patrocinador da ação
golpista.
54. No entanto, apesar da
retirada do projeto referente a Base de Alcântara do
Congresso Nacional, esse rompante de “independência” foi negado na prática
porque o Brasil segue firme realizando negociações bilaterais com os EUA e com
os países do Mercosul para garantir a implementação da ALCA nos prazos
estipulados pelo imperialismo, assinando uma declaração conjunta propondo-se a
implementá-la até 2005, pondo fim a nossa soberania.
55. Devemos exigir do governo Lula a imediata ruptura de
relações políticas, econômicas e militares com o imperialismo norte-americano.
Assim como, que o governo não estabeleça nenhuma colaboração com os planos
militares do imperialismo para a América Latina, rompa imediatamente as
negociações da Alca e realize o plebiscito oficial para que os
trabalhadores e o povo brasileiros decidam se o país deve ou não aderir ao
Acordo para Legalização da re-Colonização da América.
57. A independência
política e organizativa dos trabalhadores diante do Estado, dos patrões e do
governo é uma questão decisiva para a sobrevivência e fortalecimento dos
sindicatos como legítimos representantes dos trabalhadores. Porém, esse
princípio elementar foi completamente pisoteado pela Articulação Sindical quando
o atual presidente da Central foi apontado e escolhido de fato pelo presidente
da República meses antes do seu congresso: Luís Marinho tem, na prática, status
de ministro, ou seja, trata-se do representante oficial do governo no movimento
sindical. O episódio da sua escolha pelo próprio Lula para ser o presidente da CUT e a postura da
central diante da reforma da Previdência deixa bem claro qual a escolha da
Articulação Sindical: transformar a CUT numa Central Chapa Branca.
58. A postura da CUT
diante da reforma da Previdência foi, para dizer o mínimo, vergonhosa. Em vez de denunciar a PEC-40 em sua
essência, como o projeto que legaliza a privatização da seguridade social no
Brasil, teve como orientação de fato a reivindicação de migalhas nos marcos dos
planos do FMI.
59. Todas as correntes e
sindicatos que seguem reivindicando um sindicalismo classista, democrático e de
luta, independente do Estado e de todo e qualquer governo, aqueles que seguem
reivindicando a tradição combativa que motivou a fundação da
CUT devem buscar se organizar para dar a batalha desde dentro da Central
contra os planos neoliberais do governo Lula e a política
oficialista da Articulação Sindical. Particularmente, os sindicatos dos
servidores públicos federais filiados à CUT podem e devem, a partir do exemplo
de sua luta contra a reforma da previdência, encabeçar um movimento por uma CUT
democrática, de luta e independente do governo.
60. Os trabalhadores de
todo o país precisam saber que existem dois projetos em disputa dentro da CUT e
que a luta entre estes dois projetos não está concluída, mas tão somente entra
numa nova fase com a eleição de Lula para a presidência da República. É verdade
que, por um lado, há a CUT da conciliação de classes, da parceria com a empresa,
do banco de horas, da flexibilização da jornada, do sindicato “cidadão e
propositivo”, chegando mesmo a formular políticas de governo e co-gestão
das empresas. Mas, de outro lado, há uma CUT da luta de classes e da ação
direta, do confronto com os patrões e o governo em defesa dos interesses dos
trabalhadores, da defesa intransigente das conquistas sociais e trabalhistas, do
sindicalismo combativo e socialista. Nas campanhas salariais e nas lutas contra
as reformas neoliberais do governo Lula estes dois projetos para a CUT estarão
se enfrentando em cada assembléia, em cada manifestação, em cada greve.
61. Mais do que nunca é
preciso dar um novo rumo para a CUT, a partir do cotidiano da luta de classes.
Não podemos simplesmente esperar o próximo congresso da Central para iniciar
esta batalha e forjar uma nova direção. Ela foi inaugurada de fato com a greve
dos funcionários públicos federais contra a reforma da previdência e deverá se
desenvolver durante todo o governo Lula. Deste embate dependerá o futuro do
movimento sindical brasileiro e o da própria Central.
62. Também não poderíamos
deixar de expressar nossa opinião sobre as propostas de ruptura com a CUT e
criação de uma nova Central, e particularmente sobre a fundação da CSP (Central
dos Servidores Públicos). Como dissemos anteriormente, a disputa pelo perfil da
CUT é uma luta em curso. Na nossa opinião é errado fundar hoje uma central
apenas de servidores, em primeiro lugar porque divide a classe trabalhadora e
enfraquece a luta contra os ataques que ainda estão por vir – como a reforma
trabalhista. Em segundo, porque, particularmente a CSP nem de longe representa
uma alternativa à CUT na luta em defesa de nossos direitos. Formada por
sindicatos e federações de larga tradição de “pelegagem”
e que nunca estiveram ao nosso lado nos confrontos que travamos com governos,
patrões e administrações nos últimos anos – como a Anajustra
– a CSP na verdade não passa de mais um instrumento burocrático para confundir
ainda mais a consciência dos trabalhadores. A verdadeira luta que devemos travar
caso sejamos derrotados na disputa pelo resgate do papel da CUT como a nossa
central lutadora, democrática e autônoma, é pela construção sim de uma Central
alternativa, mas não apenas com servidores. Sem uma parcela importante do
operariado e dos trabalhadores do setor de serviços privados não teremos força
para enfrentar os ataque que ainda serão impostos pelo governo e o
neoliberalismo. Como diz o ditado popular: “os trabalhadores UNIDOS, jamais
serão vencidos”. Não podemos ser nós, os trabalhadores que conseguimos construir
em nossas bases a luta contra este governo, a dividir a classe. Nossa tarefa
agora é aproveitar o processo que certamente se abrirá com o início da
tramitação da reforma trabalhista, para alavancar um processo de construção do
enfrentamento nos setores privados para posibilitar a
ampliação da luta contra o governo e por uma Central de luta.
O CDES é a nova versão do Pacto Social
63. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES) é um engodo policlassista. Reúne uma
ampla maioria de empresários e alguns sindicalistas, dentre eles representantes
da CUT, para pretensamente debater e aconselhar o governo sobre o caráter e o
encaminhamento das suas políticas. É um engodo, por gerar a ilusão de que
poderia ser possível um pacto entre trabalhadores e empresários para realizar as
mudanças necessárias, a erradicação da pobreza e das injustiças sociais. Como se
não houvesse luta de classes.
64. Esse novo modelo de pacto social só serve
aos interesses da burguesia, pois aos trabalhadores caberia legitimar as
decisões do governo e das grandes empresas nacionais e estrangeiras, nos seus
interesses de exploração dos trabalhadores.
65. Devemos exigir que a CUT e demais entidades do
movimento operário e popular se retirem do CDES e denunciem este organismo como
um instrumento do governo de legitimação do neoliberalismo.
Propomos que a 11ª Plenária da
Fenajufe aprove que vamos estar juntos com os demais
trabalhadores do setor público e privado na luta pelos seguintes temas:
- Não às reformas trabalhista e tributária do
governo Lula. Em defesa de todas as conquistas dos trabalhadores como 13o.
Salário, férias remuneradas e licença maternidade.
- Pela taxação dos
lucros das grandes empresas e bancos; imposto sobre as grandes fortunas; fim da
CPMF e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
- Ruptura imediata com a Alca e o FMI. Realização do plebiscito oficial já.
- Não
pagamento das dívidas Externa e Interna aos banqueiros e especuladores.
- Não às
reformas neoliberais do governo Lula: em defesa de todas as conquistas sociais e
trabalhistas dos trabalhadores.
- Não à
independência do Banco Central: Estatização do sistema financeiro.
- Fim
das agências reguladoras de energia elétrica, telefonia e petróleo;
reestatização das empresas privatizadas; controle dos preços das tarifas
públicas pelas organizações dos trabalhadores.
-
Reforma Agrária, sob controle dos trabalhadores, que exproprie o latifúndio.
Liberdade para todos os presos políticos do MST e punição aos mandantes e
assassinos de trabalhadores camponeses.
- Prisão
e expropriação dos bens de todos corruptos e corruptores.
-
Não à CUT Chapa Branca.
Independência total da CUT em relação ao governo Lula e ao Estado. Em defesa de
uma CUT, democrática, de luta, de classe e socialista.
- Que a CUT se retire do CDES e do Fórum Nacional do Trabalho denuncie
seu caráter patronal e neoliberal.
- Exigir que Lula, o PT e o PCdoB expulsem os
ministros burgueses do governo e governem para os trabalhadores, apoiando-se nas
suas lutas e organizações.
avançar na luta por nossas reivindicações
específicas
66. Depois de anos de
muito embate e de termos conseguido aprovar a revisão
do nosso PCS, sabemos que a luta pela recuperação salarial não se encerrou. A
reposição das perdas salariais com o estabelecimento de uma política
salarial para a categoria é uma bandeira de todos os servidores públicos, junto
com o pagamento integral e imediato de todos os passivos trabalhistas acumulados
ao longo dos últimos dez anos de neoliberalismo. Outra pauta que se coloca na
ordem do dia para o início do próximo ano é a luta pela antecipação da próxima
parcela de nosso PCS (prevista para janeiro de 2005). O
parcelamento do PCS imposto pelo governo FHC levou a que a conquista
histórica que obtivemos após mais 47 dias da maior greve de nossa categoria
ficasse diluída e ameaçada pelo avanço da inflação. Conquistar a
antecipação da integralização de nosso Plano de Cargos e Salários deve ser a
bandeira prioritária de nossa Federação e sindicatos filiados na próxima
campanha salarial, juntamente com a reposição das perdas salariais.
67. Além disso, temos
ainda pela frente o combate às propostas de cerceamento dos direitos de greve e de organização sindical
dos servidores públicos que tramitam no Congresso Nacional, por ordem do FMI.
Esta deve ser mais uma das reivindicações específicas dos trabalhadores do
Judiciário Federal e de todo o serviço público, conforme orientação da última
reunião do Coletivo Jurídico da Fenajufe.
68. Outra luta, nesse caso
no campo institucional, é a garantia de ingresso no serviço público
exclusivamente por concurso. Esta
bandeira, que deveria ser inalienável e reivindicada por toda a sociedade, assim
como o Regime Jurídico Único para todos os servidores públicos e o fim do regime
de emprego criado por FHC é mais uma das tarefas colocadas para o período. Nesse
sentido, se conseguirmos a aprovação do PL-7493 (que cria cargos na Justiça
Eleitoral) e a criação e implementação imediata de mais varas nos tribunais e
fóruns federais – o que já foi aprovado na Justiça do Trabalho – daremos um
enorme passo na luta pela valorização dos serviços e dos servidores públicos.
69. Temos que continuar
lutando pela melhoria do orçamento
do setor público a fim de avançar no sentido de um serviço público de
qualidade e voltado para o povo pobre e a classe trabalhadora. Somente no
governo FHC foram surrupiados dos servidores públicos mais de cinqüenta direitos
previstos na Lei n.º 8.112/90, através de medidas
provisórias inconstitucionais referendadas pelo Congresso Nacional e legitimadas
pelo Supremo Tribunal Federal. Junto com isso, vimos os investimentos
financeiros no Judiciário Federal – assim como no conjunto do serviço público –
minguar ano a ano. Por isso, continuaremos lutando por um serviço público de qualidade, pela
manutenção dos direitos e pelo aproveitamento dos recursos da evolução
tecnológica por todos os trabalhadores, o que implica, necessariamente, na redução da jornada sem redução salarial
e conseqüente abertura de novos postos de trabalho. Mas, queremos também seguir
a luta para que todos os direitos retirados sejam retomados.
Desenvolver uma
campanha nacional contra o assédio moral
70. O Assédio moral pode
ser definido de maneira geral como atos perversos praticados por superiores
hierárquicos contra seus subordinados. Na verdade, são condutas abusivas que
visam demarcar o espaço do poder. O agressor faz um bloqueio constante e
permanente ao assediado que se repete por toda jornada por meio de gestos,
ironias, desqualificações, ridicularizações, palavras ofensivas e ameaçadoras
que atingem a dignidade, identidade e saúde dos trabalhadores, degradando as
condições de trabalho e as relações interpessoais. O assédio moral coloca em
risco a permanência no emprego e até mesmo a vida das vítimas.
71. Embora não seja um
fenômeno novo, tem sido pouco discutido nas entidades representativas dos
trabalhadores do Judiciário Federal, apesar de termos aprovado em nossa última
plenária nacional a realização de uma campanha de esclarecimento e combate ao
tema.
72.Enquanto isso, vemos
avançar no locais de trabalho em todo o país as ameaças
veladas ou diretas a grevistas e/ou servidores que se insurgem contra o massacre
cotidiano imposto nos tribunais; a sobrecarga de trabalho ou impedimento do
mesmo, com a negação de informações; o desvio de função ou retirada do material
necessário à execução da tarefa, impedindo o trabalho; a exigência de que se
faça horários fora da jornada em limites dezumanos (o que, inclusive, já causou vários enfartos e
derrames em São Paulo, assim como a morte de uma servidora atropelada em frente
ao TRF-3 ao sair do trabalho às 4 horas da manhã). Enfim, a lista de ataques que
sofremos todos os dias é enorme.
73. Devemos retomar já a
campanha de combate ao assédio moral no Poder Judiciário, que passa pela
conscientização de que é falsa a concepção de que o servidor é um dos
responsáveis pela ‘lerdeza’ do trâmite judicial, e que a “necessidade” de maior
produtividade por parte do funcionário e os novos métodos de gerência que
colocam as pessoas em competição pelo cumprimento de metas é na verdade uma
agressão aos trabalhadores da categoria.
74. O
combate eficaz ao assédio moral no trabalho exige – além da denúncia embasada em
informações precisas sobre os ataques por parte da vítima - a unidade entre
sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de saúde,
sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o tema para a realização de
tal campanha. Além disso, temos que exigir que todos os departamentos médicos
dos tribunais de todo o país respeitem a resolução 1488/98 do Conselho Federal
de Medicina, que em seu artigo 2º diz o seguinte: "para o estabelecimento do nexo causal entre os
transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico
(físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico
considerar: a história clínica e ocupacional (decisiva em qualquer diagnóstico
e/ou investigação de nexo causal); o estudo do local de trabalho; o estudo da
organização do trabalho; os dados epidemiológicos; a literatura atualizada; a
ocorrência de quadro clínico ou sub-clínico em trabalhador exposto a condições
agressivas; a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos,
estressantes, e outros; o depoimento e a experiência dos trabalhadores; os
conhecimentos e práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área de saúde."
75. Apresentamos abaixo
algumas medidas a serem incluídas no nosso plano de lutas, que compreendemos ser
de extrema importância para a luta contra o assédio moral:
- elaboração de uma
cartilha de combate ao assédio moral, a ser distribuída a toda a categoria;
- organizar debates nos
locais de trabalho sobre o tema;
- organizar pesquisa junto
à categoria sobre o tema, para aferir a incidência do assédio moral;
- pautar nossos jornais
sindicais sobre o tema.
- campanha nacional de
combate aos agressores, com denúncias nos jornais e outros meios de comunicação
de nossos sindicatos e o encaminhamento de medidas jurídicas cabíveis contra os
agressores.
- Pressionar o Congresso
Nacional para que aprove a legislação federal que há anos tramita no parlamento.
- criação de estrutura
dentro do sindicato para atender as vítimas.
76. Na onda da
política de desmonte do Estado e retirada de direitos aberta com as reformas da
Previdência e Tributária, que vai prosseguir com a reforma trabalhista, também
está na pauta do Congresso Nacional e do governo a reforma do Poder Judiciário.
Esta última, de extrema importância para o futuro político brasileiro, e para o
nosso próprio futuro enquanto trabalhadores deste poder, sobre a qual pouco se
está discutindo inclusive entre nós.
77. O Projeto de
Emenda Constitucional (PEC-29), que tramitou no ano passado na Câmara dos
Deputados saiu de lá com alguns pontos positivos, como a retirada da proposta de
extinção da Justiça do Trabalho. No entanto, nada avançou em relação à
democratização do Poder Judiciário e do MPU. O projeto continua tramitando com a
lógica de atendimento apenas aos interesses das elites, não contemplando os
anseios dos trabalhadores e nem a atenção prioritária aos usuários, com a
aceleração do andamento processual. Estão mantidos, por proposição da cúpula do
Judiciário ao senado, a súmula vinculante; a adoção dos títulos sentenciais liquidos e certos emitidos pelo juízo de execução e que
podem ser negociados no mercado financeiro, em substituição aos precatórios; a
irrecorribilidade das decisões nos recursos ordinários no STJ; e uma proposta de
“controle externo” do Judiciário sem a participação da sociedade. Também estão sendo propostas a alteração da competência da Justiça do
Trabalho para que esta passe a julgar ações que envolvam servidor público
das três esferas de governo (União, Estados, Municípios).
Sem falar que é
necessário lutar pela revogação da lei que criou as comissões de conciliação
prévia e tribunais arbitrais – verdadeiros instrumentos de privatização do
Judiciário.
78. A retomada da discussão sobre a reforma do Judiciário é urgente. Atualmente
a matéria está sendo discutida praticamente apenas no âmbito das associações de
magistrados, da OAB e do STJ. Nós, do Judiciário e do MPU já aprovamos em fóruns
de nossa categoria que a democratização da Justiça, o fim do atual critério de
nomeação dos ministros para ocupar a cúpula do Judiciário e da súmula
vinculante, e o controle social do Judiciário são as principais
alterações a serem feitas. Precisamos voltar a apreciar o assunto e intervir
politicamente na busca de um Judiciário independente, democrático, sem corrupção e voltado
para os trabalhadores.
PROPOSTA DE MOÇÃO
Todo apoio à luta dos trabalhadores bolivianos contra o imperialismo e
seus agentes assassinos
79. A
heróica luta dos trabalhadores e camponeses bolivianos para impedir o governo do
agente do imperialismo, Gonzalo Sánchez Losada, o “Goni”, de entregar o gás para as empresas norte-americanas a
preço vil levou a uma insurreição que polariza todo o país e derrubou o
presidente. O gás boliviano é a segunda reserva do mundo e os saqueadores
imperialistas e seus asseclas nativos - que vêm aplicando impiedosamente o
neoliberalismo, privatizaram todas as principais empresas e já roubaram a prata
e o estanho do país - pensavam em completar o roubo sem reação popular. No
entanto, os trabalhadores e o povo boliviano perderam a paciência e saíram a
enfrentar o “gringo”.
80. O
que passa na Bolívia é do interesse de todos os trabalhadores e povos
latino-americanos. Assim como em 1952 a grande revolução boliviana mostrou a
possibilidade de um processo revolucionário operário na América Latina, agora a
greve geral com bloqueio de estradas pôs abaixo um governo que se notabilizou
por seu servilismo ao grande amo do norte.
81. A
vitória dos trabalhadores bolivianos na construção de um governo seu será uma
vitória de toda a América Latina contra as burguesias entreguistas e o
imperialismo norte-americano. Seria uma vitória contra a ALCA, contra o FMI,
pela defesa da independência nacional contra a submissão ao imperialismo e
contra os governos colonizados que reprimem seus povos. Devemos rodear de
solidariedade essa luta e aprovar em todas as organizações sindicais e populares
o apoio ao levante dos trabalhadores bolivianos.
- Todo apoio à luta do
povo boliviano!
- Por um governo dos trabalhadores e camponeses!
ASSINAM: Ana Luiza de Figueiredo Gomes
(coordenação executiva da Fenajufe); José
Carlos Sanches (coordenação executiva da Fenajufe e do Sintrajud); Cláudio Antônio Klein (coordenação
executiva do Sintrajud); Ronald de
Carvalho Fumagali (coordenação executiva do
Sintrajud); João Flávio Ribeiro (JF/Florianópolis);
Elacy Carmen Presser Marocco (4ª Vara
Federal/Florianópolis); Sérgio Murilo de
Souza (4ª Vara Federal/Florianópolis);
David Ernesto Landau (TRT 4ª Região Rio Grande do
Sul).
OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES FEDERAIS
UM SEGMENTO INCOMPREENDIDO DO JUDICIÁRIO FEDERAL CADA VEZ MAIS
ORGANIZADO
1.
Há um ano atrás, em Encontro
Nacional de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (OJAF´s),
realizado em São Luís, Maranhão, foi entregue à
FENASSOJAF – Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça
Avaliadores Federais documento assinado pela Diretoria Executiva da FENAJUFE,
reconhecendo a necessidade de aperfeiçoar o empenho na luta dos interesses
específicos desse segmento, e
oferecendo a sua disposição de atuação conjunta no encaminhamento dos interesses
e necessidades comuns dos OAJF´s.
2.
Tal documento: “A FENAJUFE e os
Oficiais de Justiça Avaliadores Federais!, com a
íntegra do seu conteúdo, segue ao final da presente tese. Desde então
evoluímos no sentido de socializar a compreensão da difícil realidade do
cotidiano dos OJAF´s aos demais companheiros
trabalhadores do Judiciário Federal
que não são Oficiais de Justiça Avaliadores, em especial aos seus dirigentes nos
sindicatos e na nossa federação (FENAJUFE).
3.
É uma tarefa difícil e a responsabilidade é de ambos
os lados: dos dirigentes e companheiros não Oficiais que não se preocupam em
conhecer e entender a nossa realidade; mas também é nossa, pois os OJAF´s, vendo-se incompreendidos, isolam-se ainda mais na sua
função; que é já cumprida de forma solitária e
isolada do convívio dos colegas, no seu local de trabalho, que é na rua,
sempre em locais diferentes e variados, desde os mais inóspitos, aos mais
afastados, insalubres, agressivos e perigosos, assim como muitas vezes
estranhos.
4.
Houve um pequeno avanço institucional com a criação
de uma instância interfederativa denominada Coletivo Interfederativo de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais
(CIOJAF), composta por 16 (dezesseis) integrantes, metade indicado pela FENAJUFE
e a outra metade pela FENASSOJAF, cuja forma de funcionamento segue informada ao
final do presente texto.
5.
Urge agora, ainda este ano, aprovarmos e instalarmos
um Coletivo dos OJAF´s dentro
da nossa federação (FENAJUFE), onde se congregariam todos os OJAF´s que foram ou sejam diretores executivos dos
sindicatos do Judiciário Federal, ou lideranças deles, coordenadores dos Núcleos
de Oficiais já existentes, a saber: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul, Rio de Janeiro etc.
6.
A idéia é de um coletivo aberto à participação dos
não Oficiais que sejam diretores executivos dos sindicatos do Judiciário
Federal, e principalmente pelos diretores da FENAJUFE, para que compreendam a,
para nós tão evidente, distinção da realidade do cotidiano dos restantes
companheiros não Oficiais do Judiciário Federal, o motivo da necessidade de nos
organizarmos em Núcleo de Oficiais e Coletivo, e porque
existem associações de Oficiais (ASSOJAF´s) e uma
Federação de associações de Oficiais (FENASSOJAF).
7.
A proposta de funcionamento é simples e segue em
anexo à esta tese, ao seu final, sendo que temos agora
nessa Plenária a possibilidade efetiva de discutirmos a sua instalação ainda
este ano, para que a partir do próximo ano possamos discutir suas peculiaridades
e capacitarmos a FENAJUFE a se fazer representar à altura na instância
interfederativa já aprovada – o CIOJAF.
8.
Esse é o desafio que se impõe: Avançar na
capacitação e qualificação de nossos lideres e dirigentes, Oficiais ou não, na
proposição, encaminhamento e solução das questões específicas dos OJAF´s, conforme compromisso assumido com a instalação
do CIOJAF, reiterado e reafirmado no último Encontro Nacional dos OJAF´s, realizado em Salvador – Bahia, em 25, 26 e 27 de
setembro passado.
9.
Cumpre informar que daqui a um ano, no Rio Grande do
Sul, no próximo Encontro Nacional de OJAF´s a ser
promovido pela FENASSOJAF e, caso avancemos nessa parceria institucional, com a
colaboração também da FENAJUFE, será avaliada tal parceria, bem como o Coletivo
Interfederativo (CIOJAF) recém
criado, verificando a real efetividade e os resultados positivos e/ou
negativos dessa proposta de trabalho conjunto entre as duas federações.
10.
Caso não prospere tal possibilidade histórica que
ora se apresenta, estamos sujeitos a nos descredenciarmos
perante este segmento da categoria, o que prejudicará todo o esforço no sentido
de manter a unidade de luta da categoria trabalhadora do Judiciário Federal, que
é o fundamento da nossa visão classista que pauta todas as nossas ações e
decisões.
11.
Cabe a todos nós transparecer a verdadeira realidade
do cotidiano do OJAF e a necessidade de aperfeiçoar a sua organização e provocar
uma maior inserção dos OJAF´s nas questões gerais da
categoria, bem como derrubar as separações que ainda prosperam no seio da
categoria , tanto do lado dos Oficiais
como dos não Oficiais.
12.
Só o tempo e a história de luta e participação vão
dizer qual é o melhor rumo, formato, critérios e forma de
organicidade que contemple adequadamente os legítimos interesses e as
reais necessidades desse segmento tão peculiar, quanto estigmatizado e
incompreendido, com atribuições muito diferenciadas e cotidiano de vida pessoal e
familiar tão submetido e afetado por esse diferencial. O tempo é o Senhor
da Razão!
Ribeirão Pires, 09 de
outubro de 2003.
ASSINA: Ivo Oliveira Farias –
Oficial de Justiça Avaliador da Vara do Trabalho de Ribeirão Pires – SP (TRT/ 2ª
Região).
Diretor de
Base do SINTRAJUD e Integrante do Núcleo de Oficiais de Justiça.
Anexo à tese, pela ordem:
1 – “A FENAJUFE e os
Oficiais de Justiça Avaliadores Federais”
2 – Resolução FENAJUFE/FENASSOJAF que cria o CIOJAF.
3 – Proposta de Regimento do Coletivo Nacional dos Oficiais de
Justiça Avaliadores Federais da FENAJUFE. (CNOJAF/FENAJUFE).
A
Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU, como entidade
máxima de representação da categoria, considerando a insuficiente discussão e
encaminhamentos não eficazes, nos planos de lutas de alguns sindicatos e da
federação, das demandas específicas dos Oficiais de Justiça Avaliadores e
buscando garantir o espaço de todos os seus segmentos na perspectiva de
unificação da luta, apresenta
as seguintes considerações e propostas, a saber:
1.
A FENAJUFE coloca-se à disposição para
encaminhamento ou acompanhamento de reivindicações dos Oficiais de Justiça
Avaliadores, em atuação conjunta com as demais entidades representativas;
2.
Respeitando a atual autonomia organizativa desse
setor da categoria, propõe a união de esforços e estruturas, na busca de
melhores resultados para os pleitos dos Oficiais de Justiça;
3.
Participação da FENAJUFE nos fóruns e eventos dos
Oficiais de Justiça, assim como a participação dos mesmos nas discussões de seus
interesses nos eventos da Federação;
4.
Recomendar aos sindicatos, intercâmbio com as
organizações dos Oficiais de Justiça Avaliadores;
5.
Recomendar aos sindicatos a criação de núcleos específicos para discussão e atendimento das
demandas dos Oficiais de Justiça Avaliadores a eles filiados;
Diretoria Executiva da Fenajufe
II - Resolução Fenajufe/Fenassojaf
“Implementa o protocolo
informal entre as partes”.
A
presente resolução bilateral cuida da constituição do
Coletivo Interfederativo de Oficiais de Justiça
Avaliadores Federais, no âmbito da Federação Nacional das Associações de
Oficiais de Justiça Avaliadores Federais - FENASSOJAF - com sede em Brasília, DF no SCS, Quadra 06, Bloco “A”, Ed. Carioca, Sala 312 , Cep.
70300-968, telefone (0**61) 322.9019 e da Federação
Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União –
FENAJUFE - com sede em Brasília, DF no SCS, Quadra 01, Bloco “C”, Ed. Antônio
Venâncio da Silva, 14º Andar, Cep. 70395-900, telefone
(0**61) 322.7061, dos seus princípios; objetivos; estrutura; composição e
funcionamento.
O Coletivo de Oficiais de
Justiça Avaliadores Federais – CIOJAF, adota como princípios fundamentais: os
postulados democráticos; de co-participação e de autonomia das partes, assim
como dos seus respectivos filiados;
§ 2º
- Os representantes indicados das regiões geográficas do país necessariamente
consultarão os O.J.A.F. dos Estados respectivos quanto à realidade e demandas
específicas;
Nas páginas e
nas sedes das Federações haverá informações disponíveis aos interessados, assim
como, a Fenajufe disponibilizará espaço no seu jornal para notícias de interesse
dos O.J.A.F., assim estimulará seus filiados a fazer o mesmo.
§ 1º
- As reuniões ordinárias do CIOJAF serão semestrais podendo ser extraordinários,
desde que requeridos por qualquer das Federações;
§ 2º
- As reuniões poderão ser realizadas em qualquer Estado mediante consenso das
duas entidades.
§ 3º
- As pautas das reuniões ordinárias serão definidas e comunicadas com até vinte
dias de antecedência da realização do evento.
§ 4º
- A organização das reuniões ficará por conta das entidades anfitriãs e os
representantes dos O.J.A.F., nas regiões, em parceria com as Federações.
§ 5º -
Todos os encaminhamentos e deliberações do CIOJAF serão registrados em atas e
divulgados nas páginas das Federações, assim como, estas registrarão os
resultados obtidos do semestre anterior; plano
de lutas, suas metas, estratégias, calendário, pessoal e entidades envolvidas;
As
omissões, dúvidas e controvérsias relativas à aplicação da presente Resolução
serão dirimidas pelo CIOJAF.
Parágrafo Único
- Compete ao CIOJAF a modificação da presente Resolução, editar normas de
interpretação, bem como adotar providências para uniformizar procedimentos.
Brasília – DF, 27 Julho de 2003.
Relator – José Pereira Neto (Fenajufe)
III – PROPOSTA DE REGIMENTO DO COLETIVO NACIONAL DOS
OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES FEDERAIS DA FENAJUFE
1 – COMPOSIÇÃO:
Dois (2) Oficiais
sindicalizados, por entidade sindical filiada à
Fenajufe.
2 – CRITÉRIO DE ESCOLHA:
Os dois Oficiais serão
escolhidos obedecendo ao seguinte critério de preferência:
1º) Diretor executivo do
sindicato que coordene o Núcleo de Oficiais;
2º) Diretor executivo do
sindicato;
3º) Integrante da
Coordenação do Núcleo de Oficiais ( ou Comissão);
4º) Participante ativo e
assíduo das reuniões do Núcleo de Oficiais.
3 – CRITÉRIO DE GARANTIA DE CONTINUIDADE E ACÚMULO
DAS DISCUSSÕES:
Um dos dois Oficiais
deverá, na medida do possível, ser sempre o mesmo, e será o que no sindicato
goze da melhor preferência de escolha anteriormente elencada.
4 – CRITÉRIO DE ROTATIVIDADE, GARANTINDO A AMPLIAÇÃO
DA DIVERSIDADE DE VISÕES E COMPREENSÕES DA REALIDADE DOS OFICIAIS:
O
segundo (2º) Oficial deverá ser escolhido segundo os quatro critérios já
mencionados, assegurando que não seja o mesmo escolhido de reuniões anteriores,
sempre que for assim possível.
5 –
PERIODICIDADE:
a)
Ordinariamente Bimestral, com um mês de antecedência
de convocação;
b)
Extraordinariamente, a qualquer tempo, desde que com
duas semanas de antecedência de convocação.
6 –
FUNCIONAMENTO:
Sem caráter deliberativo,
só será encaminhado o que resultar do consenso amplo e geral, ainda que não seja
unânime, desde que não gere controvérsia, nem se contraponha aos princípios
classistas e cutistas.
7 –
DIREÇÃO DOS TRABALHOS:
A cada reunião do Coletivo
Nacional será dada a preferência para a direção dos trabalhos ao Oficial
indicado pelo próprio Coletivo Nacional para a Presidência, sendo a Secretaria e
Relatoria indicada a Oficiais de sindicatos que já tenham Núcleo de
Oficiais, sempre levando em conta o consenso mais amplo e geral obtido no início
da reunião.
8 –
REQUISITO FUNDAMENTAL
As reuniões do
Coletivo Nacional deverão, na medida do possível, contar com a presença dos
Diretores Executivos da FENAJUFE, para que seja
assegurada a compreensão da realidade dos Oficiais.
9 –
PARCERIA INSTITUCIONAL:
O Presidente da FENASSOJAF,
ou seu substituto legal, é membro integrante do
Coletivo Nacional, sendo que os demais integrantes da diretoria da FENASSOJAF
serão sempre convidados
a participarem das reuniões do Coletivo Nacional, em respeito à notória
capacidade e importância de tais dirigentes e também para que seja assegurada a
compreensão da visão classista e cutista de luta em
conjunto com toda a categoria do judiciário Federal, e da necessidade de
inserção do Oficial no contexto de contraposição engajada e unida frente à
continuidade do projeto neoliberal de extinção dos direitos da classe
trabalhadora, onde nesse instante os servidores públicos são a bola da vez, bem
como a compreensão dessa temerária conjuntura.
10 – PUBLICIDADE E COMPROMISSO:
Todas as conclusões e
encaminhamentos serão amplamente divulgados no Boletim Informativo da FENAJUFE e
no seu Jornal, assim como nos órgãos informativos dos sindicatos, sendo que
todos, Oficiais e
e Diretores da FENAJUFE, se encarregarão
de garantir o cumprimento, salvaguardando o compromisso assumido de revalorizar
esse segmento importante da Categoria Judiciária Federal e suas diversas
peculiaridades.
Ribeirão Pires, 19 de maio
de 2003 ( segunda-feira)
Proposta de Regimento do
Coletivo Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais da
FENAJUFE.
É uma Carta de Princípios
em caráter Regimental, porém sem formato de Regulamento.
Seu intuito é apenas nortear o funcionamento, sem burocratizar, evitando a
escravização normativa.
Não tem caráter
deliberativo porque não é, pelo menos ainda, uma instancia de direção prevista
estatutariamente. Seria prematuro tal tipo de avanço.
O tempo é o senhor da
razão ! Só o tempo e a história de luta e participação vai dizer o rumo,
o formato, os critérios e a melhor forma de organicidade que venha a contemplar os interesses e as
necessidades desse segmento tão peculiar do Judiciário Federal, que são os
Oficiais de Justiça.
FUNÇÕES COMISSIONADAS: PRÊMIO OU INSTRUMENTO
DE MANIPULAÇÃO?
1. O debate sobre o
caráter das funções comissionadas em nossos fóruns de discussão e deliberação há
muito vem sendo adiada, porque o trato do tema virou tabu e causa incômodos que
muitos sindicalistas tentam evitar. Mas, ele é necessário e urgente.
2. O tema das funções
comissionadas chegou a ser introduzido durante a realização da IX Plenária
Nacional Extraordinária da FENAJUFE. A época causou muita polêmica e diversos
constrangimentos, mas findou por ser abandonada sob a alegação de que “o assunto
não havia sido discutido com as bases”. De lá para cá não se falou mais nisso.
Porém, decidimos tomar a iniciativa de instigar o assunto em tese para a 11ª
Plenária da FENAJUFE para possibilitar o amplo debate na categoria sobre o tema.
3. As funções
comissionadas, sua classificação, valores e destinação estão descritos nas Leis
que instituíram os Planos de Cargos e Salários (PCS) do Judiciário Federal e do
MPU. Inegavelmente, após a aprovação das Leis nº 10.475/02 e 10.476/02 que
instituíram os novos PCS do Judiciário e MPU, respectivamente, houve avanços
significativos quanto à destinação das FC’s, garantindo as chamadas “reservas de
mercado” para os servidores do quadro efetivo. Ficou garantido a exclusividade
das FC’s de 1 a 6 para os trabalhadores concursados, podendo os dirigentes dos Tribunais e das
Procuradorias nomearem pessoas indistintamente para as FC’s de 7 a 10.
Entretanto, se todas as Funções Comissionadas fossem destinadas
exclusivamente aos trabalhadores da carreira judiciária ou ministerial
resolveria o problema que envolve esse instrumento?
4. As FC’s, como todos
sabem, são de livre nomeação e exoneração. Cabe aos dirigentes máximos dos
Tribunais e dos ramos do MPU indicarem livremente quem deve e quem não deve
exercer as tais funções. Neste caso, as FC’s tornaram-se verdadeiros
instrumentos de manipulação e opressão dos trabalhadores, constituindo-se numa
verdadeira arma a serviço do conservadorismo predominante em nossos locais de
trabalho. Ora, porque funcionam como um falso complemento salarial, ora porque
confronta trabalhador contra trabalhador, criando verdadeiras castas de
privilegiados dentro do mesmo local de trabalho, sendo que os critérios para a
ocupação dessas FC’s é nenhum ou, pior, a pura e simples subserviência à vontade
dos mandatários conservadores. Quantos trabalhadores
conhecemos que não participam dos fóruns da categoria, das manifestações
ou de uma simples assembléia do sindicato porque temem perder a FC? Quem não
presenciou um caso em que um(a) companheiro(a)
“engajado(a), combativo(a)” de repente abandona a luta cooptado(a) por uma
nomeação para ocupar determinado cargo comissionado?
5. O nepotismo é outra
faceta da FC. Tempos atrás a tentação de empregar parentes na máquina pública
ocorria por omissão legal. Brechas ou omissões das leis permitiam que políticos
e dirigentes de Órgãos das três esferas nomeassem quem bem entendessem para
ocupar cargos na administração pública. Porém, com a promulgação da Constituição
Federal do 1988 e a instituição do concurso como única via de acesso ao serviço
público, as elites nacionais encontraram nos chamados “cargos de confiança” a
brecha necessária para continuar beneficiando parentes e amigos com polpudos
salários pagos pelo erário. Ora, se estes cargos são de livre nomeação e
exoneração e são, como dissemos, “de confiança”, então como lhes negar que
nomeiem seus próprios entes para ocupar tais cargos? Combater o nepotismo sem
combater as FC’s da forma como estão hoje (des)regulamentadas, beira a
hipocrisia!
6. Chegamos a um nível tal
de complexidade desse instrumento denominado FC, que hoje é permitido aos
dirigentes dos Órgãos judiciários e ministeriais desmembra-las para atender a um
número maior de “clientes”. A nova faceta da “guerra fratricida” é a batalha de
alguns pela preservação do valor das funções mais robustas que detêm contra “os
sem-função” que torcem pelo desmembramento para poderem desfrutar das
“benesses” remuneratórias proporcionadas, artificialmente, pela FC. Esta
realidade humilha trabalhadores, corrompe corações, aniquila o princípio básico
da luta dos trabalhadores: a solidariedade.
7. Os exemplos dessa
realidade bizarra são muitos. Temos o caso dos trabalhadores da Justiça
Eleitoral da Bahia que tiveram que amargar verdadeiras milícias dentro dos seus
locais de trabalho bancadas pelas FC’s. Muitos casos de luta incessante contra
requisições foram narrados nos fóruns da categoria por sindicalistas. Em Alagoas
vivenciamos casos concretos de exonerações de servidores de suas FC’s, porque
aderiram a movimentos paredistas da categoria. Fomos testemunhas da ação de
certo dirigente do MPU que impôs a uma liderança sindical fazer a opção entre
continuar dirigente sindical ou assessora em seu gabinete, porque pegava “mal
ter uma sindicalista em seu gabinete”.
8. Há os que acreditam que
a função comissionada tem a vantagem de “premiar os bons servidores” ou
de motiva-los. Mas, analisando o fato sob a ótica das teorias da
motivação humana, constatamos que salário não é fator de motivação para o
trabalho. Por outro lado, o reconhecimento profissional e o status profissional
são fatores de motivação. A depender dos critérios, ou da falta deles,
utilizados para indicar quem deve ocupar uma FC, corremos o sério risco de
vermos uma desvirtuação total de valores éticos nos locais de trabalho, pois a
noção de ego-status definida pelos dirigentes das instituições pode destoar
sobremaneira dos propósitos que propugnamos na organização dos trabalhadores
como igualdade e solidariedade.
9. Por todas estas razões
aqui expostas, defendemos a tese de que as funções comissionadas são um entrave
à organização dos trabalhadores judiciários e ministeriais. Portanto,
deve ser objetivo dos dirigentes sindicais encaminhar a discussão sobre o tema
nas bases, abdicando do constrangimento de enfrentar um debate tão ácido como
este, pois a sua relevância está diretamente relacionada ao avanço da
conscientização e organização dos trabalhadores. Por isto propomos:
a realização imediata
de palestras, debates e seminários sobre o tema em todos os locais de trabalho;
a definição de planos
de carreiras para os trabalhadores judiciários e ministeriais que restrinja a
existência das FC’s apenas aos cargos de direção, com valores rebaixados e
exclusivamente destinadas a servidores do cargo efetivo;
criação de um manual de
procedimentos com as regras básicas para a nomeação para os cargos de direção;
a valorização do
salário do cargo efetivo;
a incorporação da
discussão sobre as FC’s ao plano de lutas da FENAJUFE.
Maceió, 20 de outubro de 2003.
A Sociedade do Fruir e a Sociedade do
Trabalho Compulsivo
1. Um belo dia seu pai te
chama e te diz:
Filho, você precisa tomar
um rumo. Você precisa ser alguém na vida.
Você então descobre que
não é nada. Que sua vida até aquele momento nada foi, porque você é ninguém.
Mas, como pode? Como será que você, nesta época na adolescência, ou pouco depois
dela, não ser nada, não significar como pessoa coisa nenhuma?
2. Este diálogo muito real
e comum revela muito do Fetiche da Mercadoria da nossa sociedade. Demonstra que
tudo tem que passar pelo buraco de agulha do Valor para ser
reificado e incorporado no mundo “real”. Enquanto você nada possui, você
não é nada. Nem mesmo é humano. Sua humanidade, existência, sentido de existir
tem de estar corporificado em alguma função do Valor. Só será reconhecido como
máquina reprodutora de valor. Pouco importa sua função. Médico, jurista,
professor, motorista, operário, de algum modo você tem de reproduzir a lógica de
produção e reprodução do Capital. Vender-se e comprar muito, muito além da
própria necessidade de comprar e vender o que é necessário para viver. Na
verdade, viver então subsume-se a comprar e vender
muito, quando der por conta, você estará empenhado por muitos anos, financiando
seu próprio trabalho, com dívidas longuíssimas, que prometem que você será
escravo dos produtos que consome durante décadas, até quase à beira da morte,
tendo em vista que nossas sociedades agora prolongam a idade limite das pessoas
se livrarem da escravidão assalariada, na idéia de que deve se aumentar a “idade
produtiva”.
3. Mas, que diabo de idade
produtiva é esta? Produtiva como? Para quem e para que? Numa sociedade que parou
de se pensar, os indivíduos pararam de raciocinar, de questionar esta lógica
perversa. O trabalho é um fim em si, que nunca jamais pode ser questionado.
Engrenagens, peças de uma moenda de triturar seres humanos, aprisionamos,
agrilhoamos uns aos outros na lógica irracional de que o TRABALHO DIGNIFICA. Na
verdade, o TRABALHO ESCRAVIZA.
4. Vivemos a contradição
de aumentarmos a produtividade num grau jamais imaginado antes pela humanidade
e, em lugar de diminuirmos nosso ritmo de trabalho, nosso compromisso, o
comprometimento de nossas vidas, de nossas sagradas horas que temos como
aventura neste planetinha azul e que jamais se
repetirão, o tempo que resta é todo novamente dedicado ao Deus Trabalho
que também é o Deus Manon (não é à toa que a grande
festa anual de nossa sociedade seja o festejo da Mercadoria). Na
cantilhena louca, que sem especialização não mais existe lugar num
mercado, que cada vez mais vira um Deus ex Machina e
um mito, as horas disponíveis para o desfrute de lazer viram horas de estudo e
especialização. Não de estudo de música, língua, artes, dança ou qualquer coisa
sem ligação com o valor. Que dê puro e simples prazer, que seja desfrute. Mas
estudo que se torne Capital, que seja reconversível em
mais salário para necessidades cada vez mais questionáveis, de uma sociedade de
homens rendidos, prostrados a Manon, a este Deus Valor que nos diz que trabalhar
desgraçadamente, sem pensar, penando é a razão da vida.
5. Num mundo onde uma
colocação no mercado de trabalho cada vez mais se parece a uma fantasia louca
neurótica do que a uma possibilidade real, as pessoas sequer conseguem enxergar
que a antiga sociedade do trabalho está ferida de morte. Os trabalhos nos
setores produtivos que caracterizavam a sociedade industrial fordista foram e estão sendo substituídos (mas não numa
proporção que garanta emprego a todos) por ocupações sem
nenhum especialização, e com um pagamento para lá de ordinário, devido a
pressão que o imenso exército de desocupados coloca sobre o salário. Na verdade,
o salário tem diminuído, em regra, tanto, que mais se parece com uma esmola. Há
uma linha tênue separando quem está desempregado de quem tem um trabalho com
salário miserável, e muitas vezes não se sabe muito bem o que rende mais, o
emprego miserável ou o desemprego, onde a pessoa sobrevive de bicos ou de
ajudas.
6. Completamente alienados
de que não necessitamos viver assim, numa espécie de frenesi e loucura neurótica
coletiva, disputamos a tapa os últimos lugares nas senzalas dos senhores de
escravos. E a esquerda repete argumentos não muito sérios (e nos quais
ela mesmo não acredita) de retomada de crescimento com criação de mais
postos de trabalho. No fundo todos sabem que a sociedade do trabalho compulsivo,
a sociedade capitalistas, o reino da necessidade está ferido de morte. Só que
admitir isto é admitir irracionalidade de nosso modo de vida e fazer uma crítica
de alto a baixo de uma sociedade que precisa reaprender a viver sem
a rotina neurótica, compulsiva e louca do trabalho compulsivo.
7. A ideologia dominante
de uma sociedade é a ideologia da Classe Dominante. Para a nossa elite mundial,
a burguesia dona das senzalas, dos modernos meios de criar seres parciais
neuróticos, escravizados a uma rotina entediante de
escravização a seus próprios produtos, há que se falar sempre que criticar a
sociedade do trabalho é loucura, “utopia”. De outro lado, a esquerda radical
entende mais de materialismo histórico do que de dialético. Presa ao trabalho,
até o nome de seus partidos carrega em seu seio o nome maldito da escravidão ao
Trabalho. Poucos, talvez menos de 1% dos marxistas sequer ouviram falar na
teoria marxista da abolição do trabalho, atacam esta palavra de ordem como se
fosse “revisionismo reacionário”, quando na verdade é pura dialética marxista.
Não estamos tão longe assim desta abolição do trabalho. Quando Marx elaborou
esta tese (deliciosamente defendida por Paul Lafargue
em seu Direito à Preguiça), ele sabia que a evolução dos meios de produção não
permitia ainda este vôo. Mas ele antevia que o Capital libertou forças
produtivas poderosas que poderiam realizar por fim a libertação do homem. A
libertação do homem não é uma pura e simples repartição social. Marx colocou
isto de maneira sarcástica quando num intervenção
disse: “eu não sou marxista”. Referia-se ao que ele chamou de marxistas
vulgares, que viam o reino da liberdade, o comunismo, como uma sociedade de
repartição pura e simples, onde todos teriam acessos a
mesma quantidade de bens. Marx nunca pretendeu isto. Ele mostrou que esta
concepção no fundo é burguesa, um socialismo pequeno burguês, porque o pequeno
proprietário não consegue pensar além da sociedade do trabalho, não pode ver um
mundo onde as idéias não passem pelo fio condutor do fetiche da mercadoria, não
necessitem da reificação do valor. Portanto, não pode
abstrair uma sociedade onde a valoração não seja pela quantidade de bens que tem
um indivíduo, mas sim como e como ele pode fruir da vida.
8. A sociedade do trabalho
compulsivo está numa crise crônica e terminal. Não tem mais como se reproduzir e
só pode sair de suas crises alargando limites sociais que não são infinitos. O
profundo fosso que o sistema cava entre uma humanidade que ainda consegue
reproduzir sua existência dentro da forma Valor e a imensa maioria que vai sendo
colocado à parte do processo de reprodução de vida através do Capital, não tem
saída. Não há resposta, nem resgate para a imensa crise social que o Capital
aprofunda dia a dia. Só um imbecil oligofrênico crônico acredita que, com a previsão que o
número de favelados, de excluídos, de desempregados duplicará em apenas 30 anos,
não terá conseqüências na retomada dramática e violenta dos conflitos sociais.
Conflitos sociais que não terão saída, resolução na sociedade capitalista do
valor. Por mais que ela invista no conflito, por mais que ela ser arme, por mais
que ela aposte na barbárie e no extermínio massivo e indiscriminado de
populações inteiras para manter íntegro o status quo dos donos das modernas senzalas.
9. Nenhum sistema que
perde sua base social sobrevive. Isto é uma verdade comprovada empiricamente em
toda história da humanidade. Quando o número de escravos elevou-se de tal modo
que tornou impraticável a continuidade do sistema escravista, Roma, que parecia
eterna ruiu, e através do colonato chegamos a um novo modo de produção, o
feudalismo. Depois, com a evolução das forças produtivas, co mo alargamento dos
mercados, com a expulsão dos agricultores do campo, o feudalismo foi perdendo a
sua base social, e, por mais que a aristocracia usasse da força para manter suas
posições, a falta de base social para seu sistema fez com que o Capitalismo
tornasse sistema dominante. Hoje vivemos o mesmo processo dentro do Capitalismo.
O Capital deixou de ser um estímulo ao avanço das forças produtivas e hoje a
extração de mais valor, de mais valia, do ser humano, passou a ser um entrave
para a continuação das relações de produção. Com o predomínio do trabalho morto
sobre o trabalho vivo, do capital constante sobre o capital variável, em níveis
cada vez maiores dentro das unidades fabris, o capitalismo vai criando sua cova,
a contradição antagônica sem solução dentro dos marcos do sistema do sistema de
mercado sem mercados.
10. Se o capital
fordista caraterizava-se pela ocupação intensiva da mão de obra, com uma
participação grande do capital produtivo, do capital variável no produto final,
com isto os operários financiando o próprio sistema e recebendo benesses desta
simbiose, desta troca, contrariando na prática aquele aforismo escrito no
Manifesto do Partido Comunista: “os operários nada tem a perder, senão suas
cadeias”; o capital da automação, o moderno capital toyotista,
caracteriza na predominância cada vez maior do trabalho morto sobre o trabalho
vivo, por um desemprego crescente, por criações de válvulas de escape
fantasistas, de ocupações artificiais para tentar contornar-se a crise
incontornável, pelo ataque às conquistas da fase áurea do movimento operário
para se garantir a reprodução ampliada do capital sobre uma base cada vez mais
estreita. Gera uma pauperização e marginalização crescente que não pode ser
revertida. Não há promessa de emprego, de ocupação para a maioria das pessoas
das novas gerações. Serão os “desempregados estruturais”, gente sem função,
ocupação, sem lugar e sentido num sociedade que
valoriza as pessoas exatamente pelo lugar que estas ocupam nesta máquina de moer
gente e fazer loucos.
11. Vamos gerar loucos
numa profusão nunca dantes imaginada. Pessoas das quais cobramos que
sejam “gente” a partir de suas ocupações dentro do Capital, mas para as
quais cada vez, numa maior intensidade, menos haverá ocupações onde reproduzir a
vida através do valor. É exatamente por esta razão que o Capital não consegue
acabar com as grandes frentes de prostesto populares proletárias, armadas ou não. Das FARCs ao Exército Zapatista,
passando pelo Movimento dos Sem Terra no Brasil, aos Movimentos Indígenas no
Equador e Peru, aos Piqueteiros na Argentina, o que fica claro para estas massas
que começam a se movimentar e convulsionar o continente é que para eles não há
saída dentro do Capital. O Capital não pode reproduzir a mais importante
ferramenta de trabalho do sistema, o SER HUMANO. Estes proletários paupérrimos,
jogados fora do sistema para si são uma classe em si, no sentido que Marx
colocava. Eles não têm interesses pessoais que contraditem os interesses de
outras classes, não querem benesses, melhorias ou privilégios. Necessitam para
sobreviver reorganizar de tal modo a produção de forma que todos tenham acesso
aos produtos pertencentes à toda humanidade, sem
exclusão, exceção. E isto é impossível dentro dos marcos do Capitalismo.
12. Esta imensa massa
proletária miserável não tem outra saída para sua sobrevivência do que
reorganizar de baixo a cima a sociedade, ferindo de
morte uma organização social que mata o ser humano para continuar a sua sanha
irracional de desbarato de todos os recursos do planeta, de destruição da
natureza, da nossa nave espacial em que todos vivemos, só para não perder o
controle da senzala.
13. Por isto, neste
momento, novamente se coloca na pauta do dia a ruptura radical visando a uma
sociedade do desfrute. Não podemos reproduzir os erros de uma tentativa
socialista que colocou como parâmetro de desenvolvimento socialista a taxa de
produção de aço. Temos a necessidade de revolucionar o homem de forma humanista.
Fazer a crítica revolucionária radical da sociedade capitalista, através de uma
classe, o proletariado, que não têm nada a perder senão suas cadeias,
tem o novo mundo a ganhar, para inaugurar uma nova era.
14. Se esta classe em si,
que não pode se libertar sem libertar toda a sociedade, tomar o poder, não pode
repetir a lógica do Valor, do trabalho compulsivo e neurótico,
esvaziador do ser humano, se não quiser condenar sua tentativa socialista
ao fracasso. A passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade não
ocorrerá sem uma crítica QUALITATIVA DA PRODUÇÃO, sem que a humanidade pergunte
não somente como produzir mas sim o que produzir e para que produzir. Ao contrário da
lógica do Capital, que pretende manter de forma indefinida o crescimento
perdulário da produção em que pese que, por exemplo, o aumento indiscriminado da
produção de automóveis possa matar a terra envenenada, a nova sociedade
socialista nascida dos escombros do Fetiche da Mercadoria, tem que subsumir a
produção à necessidade humana de desfrute da vida.
15. Abolir o trabalho,
este conceito que parece tão complicado, mas é tão simples, tem de ser o
objetivo da esquerda radical, que necessita para renascer e incorporar este
movimento social de protesto crescente livrar-se da lógica do falso marxismo, ou
marxismo vulgar. A questão não é pura e simples de repartição, é de rasgar de
alto a baixo o véu que encobre a escravidão burguesa e colocar claramente a
atualidade da necessidade de uma transição radical para uma outra sociedade. A
retomada da dialética, da teoria dos saltos, de se entender que a acumulação
quantitativa tem de levar a saltos qualitativos, a rupturas que criem todo um
mundo novo. Que é impossível remendar a roupa velha desta sociedade imprestável,
de que o rei Capital está nu, e que agora lhe será impossível enganar muito mais
tempo a grande maioria da humanidade condenada a fome, a miséria e a escravidão crescentes dentro desta
crise que é um beco sem saída. Poucos, muito poucos são aqueles que podem tirar
alguma benesse ainda dentro deste sistema. E mesmo estes, se tiverem um pouco de
sensibilidade e conseguirem enxergar o incrível desastre social e ecológico que
significa o Capital hoje em dia, vão se juntar, para bem de seus filhos e do
restante das futuras gerações à crítica radical que visa na prática revolucionar
e acabar de uma vez para todas com a escravidão assalariada.
17. Mas voltando ao nosso
conceito de trabalho. Em Marx o conceito de trabalho tem dupla classificação.
Ele é lato sensu: “A CONDIÇÃO NECESSÁRIA DE VIDA
IMPOSTA PELA NATUREZA AO HOMEM”. Este trabalho não será abolido em nenhuma
sociedade humana. Nossa língua não tem a duplicidade que outras têm, onde se
diferencia, por exemplo no inglês,
work e labour. A dialética
marxista, onde as categorias sucedem-se no tempo de acordo com as transformações
sociais reais, diferencia trabalho e trabalho. O trabalho como relação com a
natureza, como reprodução da vida humana, perdurará. Todavia o “Labour”, o trabalho compulsivo, inaugurado com a propriedade
privada dos meios de produção, este deve ser ABOLIDO.
18. Ao criticar a
sociedade da gens, em “A Origem da Propriedade
Privada, da Família e do Estado”, Engels demonstrava
que não tinha sentido perguntar a um índio se pescar ou caçar era um trabalho.
Ele simplesmente não tinha esta separação, não tinha uma compulsão externa, uma
organização que tirasse dele um trabalho que lhe fosse exterior e vazio. Caçar,
pescar, coletar frutos eram atividades prazerosas donde, ao mesmo tempo que ele tirava seu sustento, ele dava sentido
a sua existência. Somente com a criação do Estado, com a divisão da sociedade em
classes pode se criar uma máquina de extração de trabalho compulsivo, o trabalho
no sentido que Marx dizia que devia ser abolido.
19. Marx não previa uma
volta ao comunismo primitivo. Ele sabia que numa sociedade assentada sobre a
carência, não poderia se organizar de uma forma superior uma sociedade
igualitária, onde os seres humanos poderiam desenvolver todas as suas
habilidades. Marx previa a morte do trabalho compulsivo, daquele localizado
exteriormente ao homem, numa sociedade onde a produção fosse organizada de forma
que não houvesse nenhuma carência, que de todos fosse tirado segundo sua
capacidade e a cada qual fosse dado segundo sua necessidade. Mas uma sociedade
mudada, cria homens mudados e necessidades distintas.
Aí é que entra a discussão da sociedade do desfrute.
20. Na sociedade capitalista, como bem observou Marx, o trabalho é apenas uma
parcela ínfima da atividade humana. Uma parcela miserável,
agoniante, esclerosada, alienante e brutal. Com a abolição do trabalho
compulsivo como norma da sociedade é possível se organizar a produção e a
sociedade de forma que as pessoas prestem serviços à sociedade por no máximo
três horas e tenham todo o restante do dia para o desfrute. Da arte à
simples preguiça, dança e pintura, esporte ou o simples ato de dormir, ou o
prazer sexual, numa sociedade liberta do PRECONCEITO DO TRABALHO, é possível
fazer com que os bens, os frutos coletivos da produção cheguem a todos os seres
humanos sem distinção e que não haja mais estratificação dos homens por seus
bens.
21. À sociedade compulsiva
do trabalho temos que lutar para que se siga a sociedade coletiva do desfrute,
do prazer social, da humanidade organizada para que o homem seja realmente
livre, não uma máquina absurda de produção de valor, que gasta quase o tempo
total de suas horas acordadas trabalhando ou aprimorando (trabalhando de forma
indireta) sua força produtiva. Uma loucura que cria seres parciais e
insensíveis. Escravos da máquina, escravos dos produtos para os quais
trabalha, escravos de uma mentalidade que hoje ameaça de forma gravíssima
o futuro próximo da humanidade e de nosso planeta.
22. Só com a retomada
humanista da crítica radical a sociedade do valor, a crítica do Capital como
sistema alienador e castrador do homem, será possível recriar um movimento socialista hegemônico, necessário para disputar
corações e mentes dos povos, dos proletários de todo mundo, nesta luta
pela sociedade do desfrute, contra a compulsão do trabalho. Luta que significa
para cada um de nós a possibilidade de haver futuro para a grande maioria da
humanidade.
SOCIALISMO OU BARBÁRIE!
VENCEREMOS!
ASSINA: Roberto
Ponciano, servidor da JF do RJ e diretor de Sisejufe/R
JORNADA SEMANAL DE 30 HORAS, DIÁRIA DE 6 HORAS JÁ
1. Nos últimos anos
vimos assistindo a uma perda generalizada de direitos trabalhistas. A um avanço
do trabalho formal sobre o formal, a uma perdados direitos dos trabalhadores sem que estes
consigam se organizar efetivamente para defender seus direitos. Os sindicatos
estão na defensiva, as duas únicas lutas que efetivamente conseguem organizar
são a luta pela manutenção do emprego (que chega ao ponto de
acordos reacionários como a dos metalúrgicos de São Paulo que aceitou a
diminuição salarial) e reposição de perdas salariais (que todavia sempre perde para a inflação).
Uma conjuntura desfavorável de desemprego em massa favorecido pela automação,
que aumenta a participação do capital constante (maquinário e matérias primas) sobre o capital
variável (força de trabalho humana
viva) tem aumentado o exército industrial de reserva. Temos um fenômeno novo no
capitalismo, pela primeira vez o Capital não consegue
reorganizar após
uma evolução tecnológica. Não consegue reorganizar a produção de maneira tal que os
desempregados pela necessária concorrência intercapitalista
mediada pela evolução tecnológica voltem a seus postos de trabalho após a implementação das transformações
técnicas. Temos agora o fenômeno da ELIMINAÇÃO DOS POSTOS DE TRABALHO, com a
conseqüente disponibilização em massa de imensos
contigentes humanos que simplesmente não conseguem ser
realocados no sistema produtivo. Temos vários exemplos disto, do campo à
cidade: Desde o Sindicato dos Cortadores de Cana de Ribeirão Preto (que já foi o
maior sindicato agrícola da América Latina com 40 mil filiados) e que foi
extinto por as lavouras mecanizadas prescidirem dos
bóias-frias, até a diminuição de trabalhadores nos bancos (com a automatização
dos saques, pagamentos de conta, contabilidade, etc) e a diminuição da mão de
obra empregada até no ABC paulista, com a redefinição da linha de montagem das
montadoras, onde máquinas de múltiplas funções substituem dezenas de milhares e
trabalhadores. Atônitos diante desta modificação qualitativa
nas relações de produção capitalista, muitos sindicatos passaram à
defensiva.A Jornada de Trabalho de 30 horas Semanais joga os sindicatos de novo
na
ofensiva.
2. É uma Reforma do Trabalho
Progressista (ainda dentro dos marcos do capitalismo) e tem o condão de diminuir
o desemprego e obrigar as empresas a contratar mais.Toda a produção de uma
empresa é calculada em cima da jornada de trabalho de seus trabalhadores.
Empresas do ramo produtivo direito (indústrias), que geralmente funcionam dia e
noite, trabalham com três turnos de trabalho e se necessário hora extra. Para
reproduzir um capital por ano, elas sabem que terão que produzir uma certa
quantidade y de mercadorias aptas a pagar odesembolso
para a compra de materiais, aluguel do espaço ou deterioração do imóvel,
maquinário e mão de obra e ainda reembolsar seu lucro. Se uma empresa
determinada desembolsa um capital de 500 mil reais, 400 mil em maquinária, matérias primas, imóvel (capital constante) e
100 mil em salário por ano, ela sabe que terá que produzir uma determinada
quantidade de mercadorias que além de pagar o Capital empregado ainda remunere o
investimento inicial.Mas como? Como fazer 500 mil virar por
exemplo 1 milhão? O segredo está na exploração da mão-de-obra. O
capitalista não compra o trabalho do tabalhador. Ele
compra a mão de obra. Ele obtém integralmente a função produtiva do trabalhador.
Digamos que este trabalhador tenha sua mão de obra comprada a 500 reais por mês
e ele trabalha oito horas por dia. Na verdade,o salário, que tende a ser
o mínimo indispensável para a reprodução deste trabalhador, equivale a apenas
uma parte da jornada de trabalho do indivíduo. Como este trabalho não visa a ser
um trabalho teórico extenso,não vou entrar em
pormenores na teoria da mais valia.Basta a nós saber que,por
exemplo , nas modernas condições de produção em massa, 2 das oito horas de
trabalho deste operário são capazes de pagar seu salário. O trabalhador trabalha
as outras seis horas de graça para o patrão.Daí advém todo o lucro.Mas, falamos
de operários. E nos setores de serviço? Tal processo ambém se dá? Os
setores de serviço são vitais à manutenção do Capital e produção de mercadorias,
sem eles não haveria a circulação do valor na sociedade (por exemplo sem
os bancos, sem a Justiça que mantém em ordem as relações de propriedade) e
portanto são setores cuja "conta" entra na contabilidade da produção.Assim, a
diminuição da Jornada de Trabalho, desde o Século XIX, sempre foi um dos
enfrentamentos mais ferozes que os trabalhadores tiveram com os patrões, de todo
o tipo.De um lado os patrões querem explorar ao máximo a ferramente que têm,
mão de obra humana
viva, tirando a máxima lucratividade dela. De outro, os trabalhadores
explorados, sempre lutaram para diminuir o grau de explorar e se apossar de uma
parcela maior de sua vida, tomada pelos patrões nas extenuantes jornadas de
trabalho. Jornadas de trabalho que já foram de 16, 8 horas e que foram sendo
reduzidas para 14, 12, 10, até chegarmos à configuração atual prevalente de 8
horas de trabalho.
3. Toda a vez que
os trabalhadores organizaram-se para lutar por uma jornada de trabalho menor
sofreram impiedosa oposição patronal que usando da polícia, sabotagem,
chantagem, demissões em massa, tentaram quebrar a espinha da organização
laborativa de protesto. Só que, historicamente, a luta de classes em
ascensão, conseguiu sempre pôr o patronato na defensiva. A cada vitória do
proletariado (chamo
de proletariado os trabalhadores despossuídos de outro
bem que não sua
própria força de trabalho alienada de uma só vez ao patrão os
patrões também ganharam. Com a racionalização da produção, com um menor cansaço
físico e mental, na diminuição das jornadas de trabalho viu-se que um
trabalhador poderia produzir em dez horas a mesma quantidade que em 16 horas,
sem os mesmos acidentes e problemas e sem as mesmas revoltas.Hoje em dia, com o
desemprego em massa passamos por um período de informalidade das relações
produtivas, onde os
trabalhadores vão perdendo direitos em massa e temos
uma volta à barbárie. Trabalhadores sem carteira em empregos informais sequer
tem direito à Jornada de Trabalho. A diminuição da Jornada de Trabalho não tem
efeito somente em relação aos trabalhadores empregados, tem efeito junto à
imensa massa de desempregados.Nos setores produtivos direitos, para que as
máquinas continuem funcionando, os capitalistas serão obrigados a
contratar mais trabalhadores, o que diminuirá a taxa de exploração
relativa a cada trabalhador (mais que aumentará o lucro total por outro lado,
devido a haver então uma massa maior de pessoas empregadas retornando ao
sistema produtivo e voltando a ter poder aquisitivo. O que levará a uma maior
rotação do capital). Nos setores de serviço, a diminuição da jornada de trabalho deve
estar atrelada a uma bandeira de NÃO DIMINUIÇÃO DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO AO
PÚBLICO, o que levará, principalmente nas empresas públicas, à necessidade de
uma contratação maior de funcionários.
4. Com a diminuição da jornada de
trabalho a massa salarial aumentará consideravelmente, tendo em vista não só a
participação de um maior contigente da população no
setor produtivo formal,como também o pagamento de horas-extras para jornada
menores de trabalho (hoje o trabalhador que trabalhar 7 horas não receberia hora
extra, com a mudança da jornada de trabalho isto já entraria na contabilidade
como hora extraordinária trabalhada).Até o patronato, que reacionariamente luta para aumentar o grau de exploração do
trabalhador, será beneficiado com a diminuição da jornada de trabalho, devido ao
aumento do número de empregados
levar a uma massa
salarial maior que é gasta geralmente diretamente em produtos de subsistência, o
que levaria a um crescimento imediato da produção. Esta deve ser uma bandeira imediata, estratégica e necessária para efetivamente
diminuir o empobrecimento e o desemprego (muito mais eficaz inclusive que o
populista programa de esmolas chamado fome zero).
5. A diminuição da Jornada de Trabalho também leva a uma reificação maior do homem e a possibilidade de lutar de forma melhor contra sua alienação, mas este é um assunto para um próximo texto.
30 HORAS DE TRABALHO SEMANAL JÁ!
E QUE COMECEMOS ESTA LUTA!
Abaixo, uma pequena análise teórica sobre a questão.
Seis Horas de Trabalho Diário
Uma Luta Fundamental
6. A luta pelas seis horas de
trabalho é fundamental para todos os trabalhadores, não só os do Judiciário, mas
para os empregados em todos os setores produtivos, assim como para os
desempregados.
7. É uma luta que, de um lado cria condições para
melhoria das condições de vida dos que estão trabalhando, de outro lado
possibilita a entrada no mercado de trabalho de um imenso contingente de
trabalhadores desempregados.
8. A redução da jornada de trabalho é, acima de
tudo, UMA LUTA HUMANISTA PELO DIREITO DO SER HUMANO A SE LIBERTAR DO PROCESSO
ALIENANTE DE PRODUÇÃO DENTRO DA SOCIEDADE CAPITALISTA, um passo pequeno, é
verdade, na busca da libertação do homem do processo de alienação. Mas só o
colocar em discussão a diminuição da jornada de trabalho como um caminho para o
desfrute, para que o homem se ocupe nas outras horas da totalidade de sua vida,
já começa a discutir o cerne da dominação do capital sobre as relações humanas,
discute A FETICHIZAÇÃO DA HUMANIDADE DIANTE DA FORMA VALOR.
9. Sobra dizer a diminuição da jornada de trabalho é
sem diminuição da remuneração (o que nos leva a uma terceira razão por qual
defendemos a diminuição da jornada, o aumento relativo do valor da remuneração
da força de trabalho).
Pequeno Histórico e Análise da Luta dos
Trabalhadores
Pela Diminuição da Jornada de
Trabalho
10.
Vamos a um pequeno histórico da luta dos
trabalhadores em todo o mundo pela diminuição da jornada de trabalho, para
ilustrar e corroborar nossa teoria em defesa da luta pelas 30 horas semanais. O
sistema capitalista se consolida como sistema dominante mundial após a Revolução
Industrial. Foi a força motriz à vapor, e depois à
carvão que assinalou o fim do período das manufaturas e do sistema
gremial (possibilitou o surgimento da grande indústria produzindo em
série). Agora, um único capitalista, empregando uma quantidade grande de
trabalhadores tinha um lucro incrivelmente maior. O trabalhador perdeu
sua especialização. No sistema gremial cada um
trabalhador dominava completamente seu trabalho. O grêmio era a organização que
na indústria correspondia ao feudalismo. Mestres, Oficiais e Aprendizes
dominavam completamente um determinado ramo da indústria. Um aprendiz tinha a
aspiração de se tornar Oficial e Mestre. Cada grêmio de um determinado setor da
indústria tinha o monopólio da produção e guardava a sete chaves seu know how. Algum
membro de um grêmio que traísse sua corporação e revelasse segredos era punido
até com a morte. Seu poder dentro das cidades era grandíssimo, a ponto de
proibir a instalação de concorrentes em seus burgos.
11. O capitalismo comercial, com a implementação de
domínios sobre áreas cada vez mais extensas, com o lucro advindo do tráfico
internacional (inclusive o de escravos) e do colonialismo criou uma acumulação
de capital e uma necessidade de comércio que transcendia a capacidade de
produção dos grêmios. O desenvolvimento da produção em massa era tolhido por
suas regras feudais de limitação de produção e de proteção de ramos de
indústria. Inicialmente os capitalistas comerciais lutaram contra o monopólio
dos grêmios através da indústria doméstica, pagando a artesãos independentes
para produzir individualmente produtos fora dos grêmios. Todavia, nesta fase,
ainda não era dado o golpe de morte na produção gremial.
12. Com o advento do tear movido a vapor criou-se a
possibilidade de vários operários ao mesmo tempo produzirem numa velocidade
maior que a do operário isolado. A indústria artesanal foi sendo substituída por
grandes fábricas onde havia pela primeira vez a divisão do trabalho. Nesta
indústria, dez operários trabalhados juntos cooperando com uma máquina, passaram
a produzir muito mais do que dez artesãos trabalhando isoladamente e controlando
a produção do início ao fim. Se antes, um único operário fazia um alfinete,
moldava o corpo, fazia o furo, batia na bigorna a cabeça; vários operários
distintos faziam operações separadas que no fim davam o mesmo resultado com
muito mais facilidade.
13. Cada operário trabalhava numa fase. Um derretia
o ferro, o outro carregava a massa líquida para o forno. Um terceiro a esfriava
e desenformava, um quarto moldava a cabeça enquanto um
quinto fazia o furo. Por fim, um sexto operário embalava os alfinetes e o
expedia.
14. Foi uma tremenda revolução na produção.
A indústria artesanal, ferida de morte não durou muito. O orgulhoso
artesão que controlava todas as fases de seu trabalho agora se transformava no
operário especializado em apenas uma ínfima operação do produto que estava
completamente alienado do trabalho final.
15. O primeiro resultado da divisão do trabalho na
fábrica foi a alienação do homem em relação ao produto
do seu trabalho. Se antes o artesão controlava toda a produção e se
personificava como pessoa dentro do seu próprio trabalho, reproduzia sua vida de
forma íntegra no seu trabalho; agora o operário apenas transmitia a máquina um
movimento repetitivo e monótono que tornava seu trabalho insuportável.
16. Citando Marx: “A máquina é uma reunião dos instrumentos de trabalho
e de modo algum uma combinação de tarefas para o próprio operário. Quando pela
divisão do trabalho, cada operação particular tiver sido reduzida ao emprego de
um instrumento simples, a reunião de todos estes instrumentos, postos em ação
por um só motor, forma - uma máquina. Instrumentos de trabalho simples,
instrumentos compostos, movimentação de um instrumento composto por um só motor
manual, pelo bem do homem, movimentação desses instrumentos pelas forças
naturais, máquina, sistema de máquinas com um só motor, sistema de máquinas com
um autômato por motor - é esse o caminho das máquinas.
17. A concentração dos instrumentos de produção e a
divisão do trabalho são tão inseparáveis uma da outra, como o são, no regime
político a concentração dos poderes públicos e a divisão dos interesses
privados. A Inglaterra, com a concentração das terras, esses instrumentos do
trabalho agrícola, tem igualmente a divisão do trabalho
agrícola e a mecânica aplicada à exploração da terra. A França, que tem a
divisão dos instrumentos, o regime parcelar, não tem em geral nem divisão do
trabalho agrícola, nem aplicação das máquinas à terra.” (Carlos Marx, A Miséria da
Filosofia - 1847-, Editora Centauro, São Paulo, 2001).
18. Esta transformação só foi possível porque os
capitalistas enriquecidos pelo tráfico das colônias encontraram mão-de-obra em
abundância devido ao cerceamento dos campos (que foram transformados em pastagem
para produzir lã, valiosíssimo artigo de exportação). O fim do feudalismo
assistiu a uma vagabundagem geral e ilimitada que vai fornecer a mão-de-obra
barata indispensável à instalação das novas fábricas.
19. Se nas corporações tudo era regulamentado, e o
trabalho, ainda que duro, era suportável e digno, nas novas fábricas se dava
todo o contrário. A simplificação das tarefas a movimentos mecânicos repetitivos
levou os industriais a empregarem crianças e mulheres. Para não morrer de fome,
em condições extremamente miseráveis, os trabalhadores trabalhavam praticamente
sem descanso. A Jornada de trabalho praticamente inexistia. Muitos dormiam (ou
cochilavam na própria fábrica) e não era incomum jornada de trabalho de 16, 18
horas para ganhar apenas o suficiente para não morrer de fome.
20. É o momento que o trabalho visto como VALOR,
como mercadoria, estende-se como forma geral para toda a sociedade. Este
movimento não foi feito de uma vez para sempre, nem foi lento, gradual, aceito
sem lutas. O trabalho visto por toda a sociedade como
parcela de valor, foi um fato que teve de se incorporar a toda a sociedade. Só
numa sociedade em que de um lado se impusesse um classe
detentora dos meios de produção (BURGUESIA) e do outro, uma imensa massa
desprovida de qualquer meio de sobrevivência (PROLETARIADO) poderia efetivamente
impor esta norma à vida cotidiana a todos. O proletariado, em verdade, não tinha
condições de vida superiores aos servos da idade média.
Trabalhava mais, em piores ambientes, recebia salários miseráveis, estava
proibido de se sindicalizar, não tinha direito a uma jornada de trabalho. Seus
filhos passaram a ser empregados como escravos do
capitalista e suas mulheres passaram a fazer parte também da engrenagem
industrial e do comércio sexual hipertrofiado pelo aburguesamento de todos os valores (transformação de todos
os valores no VALOR).
21. A transformação de toda a atividade humana em
VALOR, a redução de todo e qualquer trabalho a uma partícula ínfima de trabalho
social corporificado em valor, transformou toda a vida humana, toda ética, até a
vida sexual das pessoas. O corolário ético da revolução industrial foi
a revolução protestante, a criação de uma couraça sobre os sentimentos e
a criação de uma família compulsiva, célula da atividade econômica. Toda a
atividade humana que não fosse destinada a PRODUZIR VALOR,
tinha que ser atacada e controlada pela sociedade.
22. É interessante o estudo que Michel Foucault faz
sobre isto ao demonstrar que o interesse do controle da loucura, a Moral
Vitoriana purista, o crescente controle e criminalização
de todos os atos sociais tem um mesmo objetivo e uma
mesma raiz. O controle total sobre o trabalho, o controle direto, objetivo sobre
a vida humana, com o firme princípio de reduzir o organismo humano a produzir.
Assim, a loucura é perseguida não por objetivos humanos de defesa da sociedade,
mas para efetivamente reduzir a possibilidade de seres humanos que não sejam
PRODUTIVOS. Foucault comparou a sociedade capitalista ao grande presídio
idealizado por Benthan, o Panopticon, onde, de uma sala central seria possível
controlar o movimento de todos os seres humanos. Temática que foi retomada por Orson Wells em seu admirável 1984,
que muitos, de forma míope, acharam que era um livro que apenas criticava o
Estado Soviético, sem se dar conta como estamos absorvidos em nossa vida, em
nossa existência, por um mecanismo de produção de valor que absorve a melhor e
maior parte do nosso dia.
23. Ainda hoje vemos que a sociedade moderna não se
livrou e sequer se deu conta desta paranóia da produção. Os conceitos de ética,
moral, bem e mal estão diretamente relacionados ao homem encaixar-se ou não como
uma engrenagem, como um parafuso na máquina produtiva. E aqueles que não se
encaixam nelas são efetivamente perseguidos, marginalizados e fustigados como
proscritos por não darem sua quota-parte na produção de valor.
24. A redução de toda atividade humana à produção de
valor, a redução da consciência humana, de sua felicidade e existência à busca
da produção do valor, Marx chamou de FETICHE DA MERCADORIA.
Fetiche, francês, vêm do nosso vernáculo feitiço, e na verdade quer dizer
a mesmíssima coisa. O complexo de inferioridade brasílica transformou fetiche
numa palavra INTRADUZÍVEL. Qualquer dicionário Francês português mostra a
etmologia da palavra, do português Feitiço. Seria o poder que as coisas,
que o valor das coisas assumiriam sobre as pessoas, as pessoas vivendo,
consumindo-se, trabalhando apenas e tão somente para possuir. A ética pessoal
sendo transpassada pela figura da propriedade e o ato de possuir tornando-se a
essência da vida. E a mesa que ganha vida e dança na frente do proprietário, com
uma essência própria que reifica o homem. O homem
absorvido como mecanismo da máquina, retoma sua essência invertida como numa
câmera fotográfica, despindo-se do seu conteúdo humano e transformando-se em
reles detentor de coisas.
25. Marx, o mais genial crítico do Capital,
mostrou-nos claramente que a ideologia (consciência social) dominante de uma
determinada sociedade é a Ideologia da Classe Dominante, ele assim expressa esta
passagem de uma sociedade baseada no costume para uma sociedade assentada no
valor:
26. “A burguesia, onde ascendeu ao poder, destruiu
todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem compunção todos os
variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não
deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível
“pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação devota,
do fervor cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês,
filistino, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade
pessoal no valor de troca de um sem número de liberdades legítimas estatuídas
colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar
da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração
seca, direta, despudorada, aberta.
27. A burguesia despiu todas as atividades até aqui
veneráveis e estimadas com piedosa reverência da sua aparência sagrada.
Tranformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o
homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela.
28. A burguesia arrancou à relação familiar o seu
comovente véu sentimental e reduziu-a a uma mera relação de dinheiro.”
(Carlos Marx, O Manifesto do Partido Comunista, Edições Progresso, Moscou,
1987).
29. Wilhelm Reich, para
terminar a caracterização da sociedade do valor, mostrou como a sexualidade
compulsiva e anti-natural é efetivamente necessária
para a realização de uma sociedade alienada e de exploração. Uma sociedade onde
o corpo reduzido ao parafuso de uma engrenagem tem de ser negado e controlado e
os efetivos resultados disto. Moralismo sexual fascista, paranóia,
esquizofrenia, neuroses de todo o tipo. O homem tendo sua satisfação e sua
saúde, sua felicidade estrangulada por uma sociedade assentada no trabalho
compulsivo e na produção continuada do valor. O homem como número. Uma moral de
uma sociedade desumana só pode ser imposta com controle rígido sobre a natureza
de equilíbrio do homem, desnaturando-a e convertendo-a em negação da satisfação
de seus desejos mais íntimos. A felicidade assim se vê desnaturada e só pode ser
conseguida numa competição brutal, onde o sorriso “Colgate”
dos vitoriosos e a desumana alienação das vítimas de um processo de miséria
brutal, onde esta felicidade do valor se baseia na escravidão assalariada,
miséria, dor, infelicidade e vida sub-humana da
esmagadora maioria.
30. É nesse contexto que surge a luta pela
diminuição da Jornada de Trabalho. A fábrica aproximou os trabalhadores que se
constituíram em classe no seu trabalho de produção e reprodução da vida diária,
com interesses antagônicos aos do patronato em geral.
31. Ocorreu primeiro o movimento ludista, com quebra das máquinas e destruição de fábricas
inteiras. Estes movimentos se davam porque os trabalhadores viam na máquina um
mal, que causava desemprego e escravidão. Queriam retornar à era feudal. Como
não é possível fazer rodar para trás a roda da história, logo, com muitas
execuções e prisões o movimento ludista foi se
extinguindo (mas não a resistência da classe trabalhadora).
32. No lugar do movimento ludista surgiriam os movimentos cartistas
e trade-unionista inglês e socialista operário
francês. A luta do movimento cartista (que iria desembocar na criação das primeiras trade-unions, os sindicatos operários) era por melhorias nas
miseráveis condições de vida da classe operária (que àquela época ia se
transformando paulatinamente na grande maioria da população inglesa). O
movimento trade-unionista inglês criou o cartismo. Onde as aspirações da classe operária inglesa
foram sendo traduzidas numa luta parlamentar, com a cooptação,
prisão e até eliminação física dos elementos mais revolucionários para controle
efetivo da sociedade sobre o movimento de protesto.
33. Ainda assim, o movimento trade-unionista inglês conseguiu as primeiras vitórias decisivas contra as jornadas de trabalho ilimitada.
As Mentiras sobre a Redução da Jornada de Trabalho.
34. Carlos Marx, criador do Socialismo científico, é
criador e criatura de uma época. Na práxis de sua constituição como
teórico, além de uma sólida formação científica, imprescindível foi seu contato
com o movimento operário. Ele foi contemporâneo do movimento
trade-unionista inglês e do nascente movimento socialista francês.
Combatente da linha de frente, ele produziu vários textos onde combateu as
mentiras contra a redução da jornada de trabalho.
35. Os teóricos burgueses, filistinos assalariados pelos patrões, diziam que se
houvesse a redução da jornada de trabalho toda a sociedade desmoronaria. Isto
porque o trabalhador produziria para o capitalista apenas na sua última hora de
trabalho, todo o trabalho restante seria apenas para a reprodução do salário do
próprio operário. O Valor, a produção do valor na produção
estava completamente envolvido em completa obscurecência.
Com esta propaganda em toda a imprensa burguesa da época os patrões
obstinavam-se em lutar contra qualquer melhoria das condições do operário. Na
verdade queriam apenas explorar ao máximo seu moderno escravo assalariado sobre
as mais extremas condições.
36. Episódios como os mártires assassinados em
Chicago no dia 1º de maio, que se transformou na data internacional de luta dos
trabalhadores, são demonstrações cabais de como se dava na prática este
enfrentamento. O proletariado ia tomando consciência de classe exatamente nos
seus embates onde os seus interesses antagônicos aos da
burguesia iam se clarificando. Em cada derrota a grande vitória do proletariado
era exatamente a tomada de consciência da sua força como classe e do antagonismo
inconciliável de seus interesses com relação aos da burguesia.
37. Marx, na teoria teve que desenvolver a forma do
valor para explicitar que era uma falácia, uma farsa a história do lucro do
capitalista estar apenas na última hora de trabalho. Para começar começou a
mostrar que o valor de uma mercadoria está relacionado à quantidade de trabalho
SOCIALMENTE NECESSÁRIO despendido nela. Assim, uma mercadoria na qual haja um
dispêndio maior do que aquele que seria socialmente necessário para produzi-la
em determinado ramo, acabaria por ser vendida abaixo dos seus custos de
produção. Que os custos de produção estão relacionados ao grau de
desenvolvimento das forças produtivas e da competição
inter-capitalista, onde as indústrias menos evoluídas, onde as novas
invenções que revolucionam as relações produtivas não estejam sendo aplicadas
acabam por sucumbir na competição com as indústrias mais avançadas. E que os
ramos onde a competição faça o preço
descer abaixo dos custos de produção termina por produzir falências em série,
com estas falências em série, diminui-se a produção num determinado setor e
através do equilíbrio posterior entre a oferta e a procura, os preços sobem
acima dos seus custos de produção.
38. Isto, ao contrário da propaganda liberal, não é
uma demonstração da crença no equilíbrio do mercado, no sentido de um equilíbrio
harmônico, mas a demonstração da anarquia da produção e do mercado, onde o
equilíbrio se dá por crises de super-produção onde só
se alcança a estabilidade mediante a destruição de uma quantidade imensa de
forças produtivas. Onde este equilíbrio, esta estabilidade, é apenas uma fase de
calmaria que prepara as condições para a futura crise de super-produção onde todo o alicerce da sociedade se vê
ameaçado.
39. Já vimos que o valor de uma mercadoria está
relacionado ao trabalho, à quantidade de trabalho socialmente necessário
despendido na produção de determinado produto. Mas a representação deste valor
se dá numa relação com outras mercadorias. Um quilo de carne = três litros de
leite = cinco caixas de alfinete = 1/5 de um pneu... e a lista continuaria ininterruptamente ad infinitum, para mostrar a correlação de valores que só é
possível numa sociedade onde o mercado esteja completamente estabelecido e onde
todo o trabalho exista para a produção de valor. No feudalismo, onde os
pagamentos são em espécie e onde o servo não trabalha para o mercado, mas sim
para si mesmo e uma parte do tempo para seu patrão, esta correlação não está
plenamente desenvolvida. A quantidade de produtos produzidos é ínfima e a troca
de mercadorias ainda é incipiente. Só numa sociedade onde todo o trabalho pode
ser objetivado como valor de troca, onde toda a atividade humana seja
transformada direta ou indiretamente (a atividade teórica, por exemplo) em
produção valor, em trabalho assalariado, é possível este intercâmbio
ininterrupto do valor. À concentração da produção corresponde a concentração da população nas grandes cidades, a criação de
grandes mercados, o rompimento das barreiras feudais ao intercâmbio, a
necessidade da troca ininterrupta, pois para se apropriar do valor o capitalista
necessita que toda a sociedade tome uma forma que possibilite o intercâmbio.
40. Assim, a moeda, como expressão de valor
intercambiável entre todas as mercadorias só se torna forma de pagamento
realmente universal com o total desenvolvimento da produção capitalista, ela
corresponde a um determinado desenvolvimento das relações de produção onde toda
atividade humana reduz-se à forma VALOR da mercadoria e onde
todas as mercadorias tem de ser levadas ao mercado para
aí serem postas em CIRCULAÇÃO e resolverem sua dupla vida, de valor de troca
para seus produtores transformarem-se em valor de uso para seus consumido e
assim receberem seu valor determinado pelo mercado. É a CIRCULAÇÃO, o MERCADO,
que na verdade está condicionado tão mais que condiciona a produção, que ai
determinar em última instância o VALOR SOCIAL, a necessidade, o preço final de
uma determinada mercadoria.
41. Mas, até agora avançamos muito pouco na questão
do valor. Sabemos que o valor de uma determinada mercadoria se dá pela
quantidade de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO INCORPORADO NELA, que esta
determinação se dá pela CIRCULAÇÃO, pela troca constante, incessante,
ininterrupta entre todas as mercadorias que vai determinar que uma determinada
mercadoria receba X de valor, a outra 2 X e assim por
diante, de acordo com a oferta e a procura delas, determinada todavia pelo grau
de desenvolvimento das forças produtivas da própria sociedade. A produção não
produz só as mercadorias, produz o mercado para estas
mercadorias, produz necessidades e condicionamentos novos que ampliam o mercado
para esta produção. Por exemplo, vejamos a indústria de fiação, a pioneira no
capitalismo, ela não só produziu roupas, ela produziu com a expansão da produção
toda uma nova necessidade social por estas roupas, ampliando os gostos, os tipos
produzidos, trouxe pessoas que antes não consumiam seus produtos para o mercado.
Na verdade a utilidade pela qual se mede a procura de um determinado produto é
também uma necessidade social, então, sua procura é última instância produzida
socialmente e determinada pelas próprias mudanças na sociedade que a evolução
nas forças produtivas e nas relações de produção criam a cada dia.
O produtor necessita levar seu produto ao mercado
para que este cria valor para ele. Ele produz sapatos, mas necessita para viver
de pão, vinho, cordas, feijão, etc. Necessita então trocar este sapato por toda
esta série de produtos. No entanto, ele não vai encontrar no mercado
simplesmente quem queira intercambiar pão, vinho, cordas, diretamente com ele.
Na verdade, a própria expansão da produção e, conseqüentemente do intercâmbio
leva a necessidade da produção de um novo produto que seja a REPRESENTAÇÃO
UNIVERSAL DO VALOR. Vemos na história que no início alguns produtos correspondem
a esta necessidade, de forma precária, como o sal por exemplo.
Os metais preciosos, por sua raridade, maleabilidade, durabilidade, acabam por
substituir com vantagem todas as formas anteriores e se transformam no
símbolo universal do valor, servindo de intercâmbio e se transformando em
moeda.
42. Deve-se notar que ao fim, os metais preciosos,
como o ouro e a prata são mercadorias como outras quaisquer e seu valor está
representado também pelo tempo de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO para a sua
produção, por sua utilidade social. Todo o ferro do mundo é muito mais valioso
do que todo ouro do mundo. Mas o ouro é muito mais raro que a prata, por esta
razão serve como símbolo de valor. Todavia, a correlação do ouro com outros produtos é dado exatamente
pelo tempo gasto na sua produção, descoberta, extração, refino. Cada nova
descoberta de ouro que coloque em consideração uma quantidade extremamente
grande no mercado diminui seu valor. Assim como, a retirada de grandes
quantidades do mercado é capaz de aumentar seu valor. Se o ouro pudesse ser
produzido numa quantidade tão grande como o ferro, seu valor diminuiria de tal
forma que deixaria de ser “precioso”. Sua preciosidade reside necessariamente na
sua raridade. Mas não só na sua raridade. Ele necessita da organização da
produção de que ele seja a representação do valor, senão, como vimos na
Sociedade Inca, seu Valor Monetário será zero.
43. Achado este valor universal, o ouro, a prata na
sua função de moeda, já podemos resolver a circulação, a compra e a venda
através de um símbolo de valor universal. Assim, nosso produtor lança seu sapato
no mercado como mercadoria (valor de troca para ele, que só se realizará na
venda) e que se torna valor de uso para seu comprador. A transformação de um
valor de uso num valor de troca é a metamorfose necessária para que a mercadoria
crie valor para seu proprietário, a compra e a venda da mercadoria é a relação
que resolve a necessidade desta mercadoria para a sociedade. Se a mercadoria
colocada no mercado não é comprada, não é absorvida pela circulação ela não é
socialmente necessária naquele momento, seu valor de troca não é resolvido num
valor de uso ao ser adquirida pelo consumidor. A metamorfose M-D é o momento
onde o produtor, ao colocar seu produto num mercado abarrotado pela concorrência
verá se consegue realizar seu lucro através da venda, ou se a produção de seu
bem lhe acarretará prejuízo, caso não consiga vender suas mercadorias para
cobrir seus custos de produção.
44. M-D na verdade se correlaciona com D-M. Toda
venda é também uma compra. Se o produtor está no mercado com uma determinada
mercadoria, para trocar por dinheiro (que como já vimos também é uma mercadoria
(símbolo universal de valor todavia)) o comprador
efetua a operação contrária, quer satisfazer através do seu dinheiro uma
necessidade humana. Para ele o produto a ser comprado não é uma mercadoria mas um bem tão somente para seu uso. Entretanto, para obter
este dinheiro, também o comprador, seja ele um assalariado ou um burguês, teve
que em determinado momento vender alguma mercadoria (ainda que seja sua força de
trabalho) para a obtenção do dinheiro. Assim, a venda M-D resolvida em seu
contrário D-M,
está numa correlação ininterrupta M-D-M-D-M, da mesma forma que a compra inicial
D-M, resolve-se em D-M-D-M-M. senão com os personagens singulares iniciais, em
toda uma série de compras em venda.
45. Nosso produtor (na verdade, um grande burguês
nas condições atuais de vida) não vende apenas para receber dinheiro, gastá-lo
todo e deixar de trabalhar. Ele necessita separar uma parte do dinheiro da sua
venda para comprar meios de produção para produzir novamente e voltar
ininterruptamente ao mercado. Da mesma maneira que nosso singular comprador, que
deverá continuar a reproduzir sua vida, necessitará produzir mais dinheiro para
si mesmo, de alguma forma, para comprar constantemente os produtos necessários a
sua vida.
46. Bem, já chegamos ao produto que representa o
valor universal, já chegamos a circulação M-D-M ou
D-M-D. Sabemos que o VALOR de uma determinada mercadoria é representado pelo
trabalho socialmente necessário contido nesta mesma mercadoria. Mas, por
enquanto andamos em círculo. Se dizemos que o valor de
um quilo de açúcar equivale à quantidade de trabalho necessária para produzir um
quilo de açúcar, fabricamos uma tautologia. E só podemos efetivamente fazer
séries de comparações... Dez quilos de açúcar = 5 quilos de café =10 quilos de
tomate =dois quilos de carne = ½ quilo de ouro = 15 reais...
na verdade a lista seria infinita, e no fundo sempre
relacionado ao valor do trabalho.
47. Mas afinal, como saber o VALOR DO TRABALHO? Onde
se encontra o trabalho? O trabalho é uma função da força de trabalho humana
viva. Então, da mesma maneira que os custos de um determinado produto são os
custos para a produção deste produto, o custo do café representam-se
pelos gastos necessários na produção e manutenção da lavoura, também o custo da
força de trabalho representam-se pelos custos necessários produção e a
manutenção da força de trabalho humana viva, ou seja, os custos de manutenção e
reprodução do trabalhador. Sujeitos as
todas as flutuações que a escassez, a oferta, a procura, representam para os
outros produtos.
48. Agora damos um passo à frente. Na circulação, na
produção, até agora não conseguimos surpreender o momento em que se dá o LUCRO.
Os nossos capitalistas e sua fração de classe de apaniguados intelectuais nos fazem acreditar que o lucro
advém de uma operação de venda acima do valor da mercadoria. Mas como pode ser
assim, se a determinação do preço de uma mercadoria se dá numa correlação com
toda uma série de outras mercadorias? E, ainda que
admitissimos, que uma mercadoria é vendida acima de seu VALOR, logo que
este capitalista realize seu lucro se torna um comprador ele compraria todas as
outras mercadorias acima do seu VALOR também... assim,
a operação inicial de vantagem seria completamente anulada pelas compras
subseqüentes. Não é possível que toda a classe capitalista engane-se entre si.
49. O capitalista necessita de um produto que
através de uma alquimia produza um SOBREVALOR. Ele encontra este produto no
mercado, este produto é FORÇA DE TRABALHO HUMANA VIVA. Este conceito é
fundamental. Pois, na verdade o capitalista não compra o trabalho do operário,
ele compra a FORÇA DE TRABALHO. O trabalhador aliena de uma só vez toda a sua força
produtiva para o capitalista. Já vimos que o custo da força de trabalho humana
viva é o MÍNIMO INDISPENSÁVEL PARA A MANUTENÇÃO DO TRABALHADOR. Alguns objetaram
que muitos ganham abaixo, ou acima deste mínimo necessário, de acordo com a
flutuação do mercado, este mínimo deve ser visto como o mínimo para a manutenção
e reprodução de toda a classe em si, incluindo-se aí as despesas para a criação
dos filhos e para a educação da mão de obra.
50. Assim, descoberta a pedra filosofal da produção
burguesa, sabemos que a maneira que o trabalhador se auto sustenta é ao vender sua força de trabalho para o
capitalista e receber um salário. Este salário é condicionado pelo mínimo
necessário para a reprodução de sua vida. Digamos que este trabalhador receba,
nas condições brasileiras atuais 400 reais. Ele trabalha para produzir este
mesmo salário 2 horas por dia.
51. Então ele pega suas coisas e vai embora para
casa descansar com sua família, ler, desenhar, pintar, jogar futebol.
52. -Epa, alto lá!!!!
Grita o nosso capitalista! Eu comprei o trabalho deste trabalhador (nós já
sabemos que ele comprou a Força de Trabalho, mas nosso burguês, não) para que
ele trabalhe oito horas para mim!!!! Ele tem de trabalhar as outras seis. Estas seis horas de
trabalho a mais que o trabalhador entrega graciosamente ao capitalista é o
segredo do LUCRO, DO SOBREVALOR.
53. Esta operação também pode ser representada por
peça, aquele trabalhador que trabalha por peça, geralmente trabalha uma para si,
para seu auto-sustento e outras duas ou três de graça para o
capitalsta.
54. É a MAIS-VALIA.
55. E nesta relação de trabalho não pago que reside
todo o lucro do trabalho na sociedade capitalista.
56. Por esta razão, por não querer reduzir seu lucro
é que os capitalistas lançaram a fábula de o lucro do capitalista estar somente
na última hora trabalhada. Os burgueses não queriam de um lado que seu lucro
diminuísse, de outro não queriam que os operários começassem a interferir na
produção como classe, através de sua coesão, ditar normas ao capital diminuir a
apropriação que o capitalista tem da vida do moderno escravo.
57. Isto resultou em pesados choques. Mortes,
prisões, repressão violenta do movimento trabalhador. Quase sempre os
trabalhadores saíram vencedores (ainda que parcialmente destas lutas), e é assim
que a jornada de trabalho veio diminuindo em mais de século e meio de
resistência proletária. Das inciais 18, 16, 14 horas
para as atuais 8 horas.
58. Na verdade, a diminuição da jornada de trabalho
também trouxe vantagens ao próprio capitalista. Com as melhorias das condições
de vida adjacentes a esta diminuição, uma melhor concentração, uma diminuição no
número de acidentes e uma exploração intensiva do trabalho humano que fez com
que o trabalhador pudesse produzir em oito horas o mesmo que em 12 ou 14 horas
por dia.
59. As profecias catastróficas dos ideólogos da
burguesia que prediziam a ruína da produção com a diminuição da jornada de
trabalho nunca se concretizaram, na verdade as benesses da diminuição da jornada
de trabalho conseguidas pelas lutas operárias foram apropriadas em benefício da
própria burguesia, com uma maior racionalidade da produção e uma diminuição do
descontentamento proletário com a redução do grau de exploração.
A Alienação do Homem no Processo do
Trabalho e Sua Reificação
60. Na produção o operário não se realiza como
pessoa. Ao contrário do servo ou do mestre da idade média, ele não controla seus meios de produção, é controlado por
eles. Seus movimentos repetitivos necessários a uma determinada fase da produção
o alienam do processo completo de produção. Ele não passa de uma peça de
engrenagem que é mais capaz sendo mais castrado, que é melhor sendo mais
parcial, que é mais eficiente, sendo menos humano. O processo de produção é já
em si também o processo de alienação do trabalhador, que não se dá conta de todo
o processo de produção e reprodução, que através da circulação faz parte do
processo de produção e reprodução da sociedade.
61. Com um processo de trabalho alienante, onde ele
se vende, todo seu tempo vital ao capitalista, a vida deste operário começa
depois da jornada de trabalho, em sua casa, na taberna, ele experimenta a
reificação de uma parcela de sua vida. Como o próprio Marx, dizia, numa
sociedade castrante e alienada, tão importante quanto
a batata para a reprodução e consolidação da classe operária (ao baixar os
custos de produção) foi a aguardente, para conseguir
conter toda a frustração de uma vida que não tem sentido. Vendido de uma vez
para sempre para os capitalistas, e dependendo desta venda para sua
sobrevivência, o operário observa o Mercado como uma mão invisível, que num dia
de desgraça pode jogá-lo e toda sua família na MAIS ABSOLUTA MISÉRIA.
62. Seu trabalho só vale para ele como produtor de
VALOR. O valor que permeia toda a sociedade humanidade cria o FETICHE DA
MERCADORIA, na sociedade da forma valor. O trabalho do operário, para ele mesmo,
só tem significado enquanto produtor e reprodutor de valor, no qual ele poderá
se encaixar na sociedade, onde ele poderá comprar os bens necessários a sua
existência. A sua reificação da existência alienada se
dá, na sociedade de valor, na compra e venda de mercadorias, que têm uma
existência para além do valor de uso, são símbolos de status e importância, tem
todo um FETICHE, uma existência para além de sua significação de produtos, na
sociedade do valor. A posse reifica e traduz
significado à existência humana.
63. Toda a luta por uma nova sociedade, onde os
homens não estejam escravizados às coisas, tem de passar pela crítica da Forma
Valor. Como observam vários teóricos, vivemos numa sociedade onde os homens
estão escravizados a seus produtos e trabalham várias horas, ou a maior parte de
suas horas, por uma série de coisas das quais realmente não teriam a mínima
sociedade, mas que traduzem as diferenças de STATUS numa sociedade capitalista
alienada.
64. E nesta crítica da alienação do homem no
processo produtivo, com a perda de sentido de sua existência individual que
Carlos Marx coloca a crítica revolucionária da palavra de ordem de passagem do
REINO DA NECESSIDADE para o REINO DA LIBERDADE.
65. A quantidade de forças
produtivas libertas e lançadas ao domínio da humanidade podem, numa
sociedade controlada diretamente pelos produtores acabar com a alienação. Em
lugar de o homem trabalhar para as coisas e ser escravo do tempo, ser escravo da
produção, o homem dominar a produção para libertar seu tempo livre e se tornar
senhor de sua própria existência.
A Alienação do Homem no Processo do
Trabalho e Sua Reificação
66. Neste trabalho panfletário examinamos (não
meticulosamente) as várias vantagens e as várias razões para lutar pela
diminuição da jornada de trabalho.
67. Há ainda uma razão estratégica. Já há mais de
uma década que o movimento operário e trabalhador vem correndo como o cachorro
atrás do rabo. Sempre com lutas defensivas, para não perder mais direitos. Lutar
pela jornada de trabalho de seis horas diárias,
30 semanais, subverte esta lógica. É uma luta ofensiva, que abre a perspectiva de contratação de uma
quantidade maior de mão de obra (e com isto se engrossaria até certo
ponto - dadas as dificuldade estruturais da crise do Capital - as fileiras dos
trabalhadores formais), o aumento real do poder aquisitivo ao traduzir uma mesma
remuneração por menos horas trabalhadas e, além de tudo isto, abre a discussão
da diminuição da jornada de trabalho na perspectiva socialista de eliminação do
trabalho como maldição e da necessidade de lutar por uma sociedade onde a
produção seja regulada, visando o bem-estar geral, onde as pessoas só gastem de
seu dia o tempo necessário e indispensável para a manutenção da sociedade na
produção e que, aproveitando a evolução das forças produtivas, possam se
utilizar da melhor maneira possível e que lhes aprouver (cultura, ócio, esporte,
etc) sua vida.
68. Jogar o movimento dos trabalhadores na ofensiva,
questionando a ordem capitalista alienante, brutal e estéril;
69. Diminuir um pouco o desemprego nesta crise aguda
e crônica do sistema capitalista em sua fase final;
70. Melhorar um pouco as condições de vida dos
trabalhadores, liberando mais tempo livre para eles;
71. Aumentar o salário real efetivo do trabalhador
desde que ele tenha o mesmo salário por uma jornada menor;
72. Todas as razões para que esta luta seja
primordial e estratégica no movimento sindical estão aqui expostas. Mas a maior
de todas, a fundamental, é o questionamento efetivo da alienação do homem no
processo de trabalho, submisso horas e horas por dia, numa labuta que lhe é
alheia e que o vai esgotando ano após ano, apenas para que ele tenha condição de
ser remunerado para se reproduzir, comprar e produzir mais valor (os setores que
não trabalham diretamente na produção: Bancos, Administração Pública, Justiça,
Segurança, etc, entram no custo social de produção, posto que são fundamentais
na existência do sistema e seus custos entram na contabilidade dos setores
produtivos, portanto, também são regidos pela lógica do VALOR), como RAZÃO DE
EXISTIR DA HUMANIDADE.
73. Não é à toa que os burgueses reagem com
violência a redução radical da jornada de trabalho.
Eles no fundo sabem que a partir do momento que os proletários começarem a
questionar a submissão total ao processo produtivo e a cobrar mais tempo para
sua existência humana além do funcionamento como parafusos, já está se
questionando a razão de existir de todo o Capital. O Capital só sobrevive se
houver separação entre a produção e a cadeia de mando, a administração, a
produção e a circulação.
74. Quando os trabalhadores começam a questionar o
funcionamento de toda a estrutura produtiva, começam a questionar sua existência
de formigas alienadas, dão um passo, pequeno mas efetivo, para começarem a entender e dar o passo final
na libertação de todo o processo brutal de trabalho que seja exterior a eles
mesmos, no caminho por uma sociedade auto-gerida e controlada em toda sua gênese
pelos trabalhadores.
Contra a alienação, o embrutecimento, a perda do
sentido de existência humana, 6 horas de trabalho diário, 30 horas de trabalho
semanal para toda a sociedade.
75. Apenas o primeiro passo para um futuro no qual,
com certeza, as pessoas não gastarão mais que duas ou três horas nas funções de
manutenção da sociedade e terão todo o dia, todos os dias, de toda a sua
vida a dispor.
76. A libertação dos trabalhadores só pode ser fruto
da luta dos próprios trabalhadores!
Vejam anexo, a Hora Perdida do
Trabalho, interessante trabalho de Robert Kurz, sobre o qual, foram feitas algumas ressalvas.
O socialismo dos produtores como impossibilidade lógica
Original alemão: “Die verlorene
Ehre der Arbeit”, in revista
Krisis nºº 10,
Erlangen, 1991. Disponível en
www.krisis.org, asim como a versão italiana, “L'onore perduto del lavoro”, Manifesto Libri,
Roma, 1994. Versão
portuguesa, “A honra perdida do trabalho”, en Grupo Krisis
http://planeta.clix.pt/obeco,
29.11.02. La segunda e última parte se
publicará en breve. Tradução do português ao espanhol:
Round Desk.
Robert Kurz
A ontologia do trabalho
Não é possível socialismo algum nos horizontes da ontologia do trabalho, ou seja que a forma de mercadoria da reprodução social só
pode ser superada juntamente com o «trabalho». Porém, isto é impensável tanto
para a concepção do socialismo típica do velho movimento
obreiro como para seu antagonista burguês. Inclusive
en Marx esta questão não está ainda completamente resolvida, está
ambígua. Por um lado, este afirma (sobretudo nos escritos da juventude) a
necessidade de uma superação do «trabalho», porém por outro desenvolve em muitas
passagens uma ontologia deste mesmo trabalho. Se poderia
tratar, por tanto, só da superação de las formas
histórico-sociais sempre diversas que assumiu o ««trabalho»», e não de sua
existência pressuposta como eterna. Esta contradição se explica a partir das
condiciones de desenvolvimento
ainda insuficientes do processo capitalista de socialização e cientifização.
O conteúdo do socialismo não pode ser «liberar o
trabalho», senão única e exclusivamente «liberar do trabalho»». Convém aclarar
desde logo que não se trata da forma da atividade humana lato sensu, o do “processo de metabolismo com a natureza”, senão
sempre e só do “trabalho abstrato” encarnado en la forma del
valor o da mercadoria, do «desgaste da força de trabalho humana»» como fim en si mesmo baixo as condições materiais estabelecidas pela
competição dos sujeitos no mercado. É importante explicar melhor tal identidade
entre o conceito de trabalho em geral e o trabalho abstrato na forma de
mercadoria, identidade esta que torna impossível uma superação da mercadoria e
do dinheiro no interior da ontologia do trabalho. O «trabalho» como categoria
real inclui já o ««não-trabalho»», ou seja, «esferas» além do ««trabalho»» e
«âmbitos» sociais separados do processo do trabalho. O ««trabalho»» que se
manifesta como separado do «tempo livre», da ««política»», da «arte», da
«cultura», etc., é já sempre trabalho abstrato. Só a relação capitalista como
forma desenvolvida do valor produziu em sua pureza esta separação real entre o
«trabalho» e os outros momentos do processo de reprodução social. No passado,
esta separação existia somente de maneira embrionária no divórcio entre os
«produtores imediatos» e as classes isentas do processo
do trabalho que se apropriavam do plus-produto
material. Nas sociedades primitivas pré-classistas, pelo contrario, se encontra
até a totalidade imediata do processo reprodutivo em que não há nem «trabalho»
(no sentido estrito marxista), nem «tempo livre», nem «cultura», etc., como
esferas particulares. E esta identidade imediata do processo da vida em todos
seus momentos se perpetua no interior do processo de reprodução dos produtores
imediatos nas formações pré-capitalistas, até o umbral da industrialização e da
divisão
capitalista del trabalho.
Está claro que la separação do «trabalho» do resto do
processo da vida não pode ser suprimida voltando até atrás, como queria en última instância a crítica moderna das forças produtivas
inspirada na filosofia da vida. A unidade entre trabalho produtivo, práxis da
vida e cultura, da maneira como se expressava por exemplo
nos cantos dos navegantes do Volga, dificilmente
poderia ser recomendada para solucionar as contradições da socialização abstrata
en seu nível atual.
Qualquer «reconstrução» pseudo-concreta e
pseudo-imediata dessa unidade tem que acabar na idealização reacionária de uma
pobreza de necessidades e de um estado de sofrimento que o nível de civilização
hoje alcançado torna efetivamente inimaginável. Na unidade total da práxis da
vida que «ainda» existia nas sociedades pré-capitalistas, o trabalho não era
ainda abstrato como esfera separada pelo simples feito de ocupar, como processo
de metabolismo em boa parte imediato com a natureza, quase todo o espaço ativo
da vida. Os momentos culturais o «políticos» são meros apêndices de um processo
de reprodução imediato que o abarca todo, não em sentido ««funcionalista»»,
senão como parte de uma unidade tosca, indiferenciada e no mediada, que se pode
dizer «orgânica» somente se quiséssemos ressaltar o quanto ainda se apega
à natureza. El caráter concreto do trabalho
pré-capitalista consiste precisamente no trabalho como totalidade que abarca a
práxis unitária da vida. Onde o trabalho é ainda total nesse sentido, seu
conceito não pode ser formulado ainda por falta de diferenciação, e somente como
trabalho total que abarca e cumula toda a práxis da vida pode ser ainda
não-abstrato, no sentido de não ser uma esfera separada do gasto da força de
trabalho.
O desprezo do trabalho por parte de las ««classes
dominantes»» pré-capitalistas também representou por isto um enorme progresso,
pois somente isenção de
una minoria em relação com o trabalho total no processo da vida
que abarca tudo pode criar uma distância respeito à natureza e preparar um grau
superior no metabolismo (uma correlação que escapa naturalmente a la consciência dos implicados). O ócio dos antigos
««dominantes»» (ainda submetidos na práxis da vida a fetiches naturais como por exemplo, o parentesco de sangue) era ao fim das contas
muito mais ««produtivo»» que todo o ««honesto trabalho produtivo»» da historia
universal. A ciência nasceu na antigüidade,
e não do ««trabalho»», senão do ««ócio»», do distanciamento da crua unidade do proceso daa vida. Assim se pode
entender que a emancipação da humanidade tinha que passar pelo trabalho abstrato
e que a separação do trabalho da totalidade do processo da vida foi necessária
para poder reconstruir sua unidade en um plano
superior de riqueza de necessidades.
De feito, por más paradoxal que possa parecer à
primeira vista, só a separação entre o ««trabalho»» e a unidade originária do
processo da vida como um todo, considerada ««boa»» e ««desejável»», criou um
««ócio»» limitado também para a massa dos ««produtores imediatos»». Só o
trabalho abstrato produziu um tempo efetivamente livre, ou seja, um tempo
disponível para as massas.
La referencia, muitas vezes repetida pelos críticos do
desenvolvimento, ao suposto ««tempo livre»» dos produtores imediatos
pré-capitalistas acaba confundindo a simples suspensão da práxis da vida ou
««tempo vazio»» dentro de um processo reprodutivo elementar e pobre de
necessidades
com o tempo ««livre»» ativo da própia práxis da vida,
que só pode surgir a partir de la distancia com
relação ao processo de metabolismo imediato com a natureza. Só el trabalho abstrato, que faz da reprodução imediata uma
esfera separada, pode generalizar gradualmente essa distância. O navegante do Volga, em seu tempo livre ou vazio, podia na melhor das
hipóteses repetir sua obtusa cantilhena do trabalho,
enquanto que à ««máscara de caráter»» do trabalho abstrato se lhe abre cada vez
mais todo um universo de possibilidades no tempo livre a sua disposição mesmo
que naturalmente, o acesso a este universo permaneça deformado pela indiferença
abstrata própria del mundo
das mercadorias.
Não se tratar portanto de
««reconstruir»» para trás a unidade do processo da vida, por meio da dissolução
do trabalho abstrato, senão, pelo contrário, de conceber o trabalho abstrato
como um trampolim para um estágio superior da práxis da vida, trampolim hoje
desnecessário por inútil. Não se trata portanto de
anular a capacidade conquistada de distanciamento da natureza, senão melhor de
liberá-la das miseráveis muletas do trabalho abstrato. A superação do trabalho
abstrato não é possível, en conseqüência, sobre
la base del trabalho produtivo, senão sobre a base do ««ócio productivo»».
Só desde este ponto de vista se faz claro o discurso
de Marx sobre ««o desenvolvimento das forças produtivas»» como pressuposto de
uma revolução socialista que o capitalismo cria
inconscientemente.
Esta lógica de superação do trabalho abstrato é
incompatível com o conceito de socialismo del velho movimento obreiro. E este
só podia imaginar a extensão do ««tempo livre»» sobre a base do ««trabalho»». O
trabalho aparecía como aquilo que é autêntico, e o
tempo livre como o que e derivado, inautêntico.
Na luta para reduzir a ««jornada normal de
trabalho»», se conquistou e se extendeu de fato o
tempo libre disponível para as massas, embora com a
ênfase colocada na abstrata ««jornada de trabalho normal»» como centro
indiscutível da práxis da vida e como sentido de la
vida. Da mesma maneira que o socialismo ««político»» devia ser o ««poder dos
obreiros»» e fundar-se ««economicamente»» no ««trabalho»», assim também lhe
cabia a este, culturalmente, generalizar uma ««cultura obreira»», cujas
monstruosidades ««realistas»» e monumentais glorificações kitsch del ««gasto de força de trabalho»»
figuram de modo quase idêntico no fascismo alemão e no socialismo ««em
construção»» da União Soviética.
«O trabalho libera» era também a palavra de ordem,
em certo modo secreta, do movimento obreiro socialista. A unidade cultural da
práxis da vida não podia ser restaurada sobre esta base, a não ser como
propaganda enganosa. Inclusive quando tal unidade foi formulada de fato como
objetivo, implicava mais bem um retrocesso reacionário da capacidade social de
distanciar-se do processo produtivo imediato. Devia tratar-se sempre, portanto,
de uma unidade baixo a primazia do ««trabalho»».
««Apartai os los ociosos»»: nesta estrofe da
««Internacional»» não se expressa somente um equívoco elementar sobre o caráter
da relação social abstrata do ««valor»», que aparece reduzida aqui a um ato
subjetivo dos ««exploradores»», senão também um gesto de ameaça do ««trabalho
normal»» contra a perspectiva do ««ócio produtivo»». Sem consciência disto, el movimento obreiro se declara aqui a favor do principio
capitalista abstrato do ««trabalho»» e contra a liberação do tempo social
disponível da tirania do trabalho, que ainda se encontrava historicamente en ascenso.
Todo isto se torna ainda tangível na desconfiança e nas campanhas francamente
demagógicas contra os ««intelectuais»», aos quais, apesar de algumas declarações
ocasionais em contrario, não ficaram imunes nem sequer as melhores cabeças do
velho movimento obreiro. Nesta animosidade latente ou manifesta contra os
intelectuais, que uma vez mais é idêntica, inclusive nas formulações às posições do
fascismo, não se refletia só as experiências com os ««intelectuais burgueses»»
no contexto de suas funções capitalistas, senão também o repúdio a una
existência social quase ««indefinível»» fora da atmosfera familiar do trabalho
produtivo imediato.
Toda a historia do velho movimento obreiro ––desde os começos da
social-democracia, passando pelo extremismo de esquerda da
primeira pós-guerra, também a ««revolução cultural»» China–– está como
atravessada por um fio condutor que reclama dos intelectuais, artistas, etc., a
renúncia a suas pretensões no referente aos conteúdos e aos modos de vida, com o
fim de que se submetam preferentemente ao trabalho abstrato, à glorificação do
processo produtivo repetitivo e ao horizonte espiritual das ««máscaras de
caráter»» del capital variável. Este socialismo não
patrocinava a superação da existência obreira, senão sua generalização
coercitiva: o se conservava inconsciente la separação entre el ««trabalho»»
e o processo da vida como um todo, como principio capitalista do trabalho
abstrato, ou a superação desta separação só podia conceber-se como ditadura
rígida do ««trabalho»» e de seus funcionários sobre toda pretensão cultural
dissidente e sobre toda concepção da vida, das necessidades o do conhecimento
que ««sobrepassasse»» suas fronteiras. O velho
movimento obreiro se mostrou não como adversário do trabalho abstrato, senão
como força histórica capaz de impô-lo apresentando-se em cima com o nome de
««socialista»».
Por um lado, a cultura burguesa das ««esferas
separadas»» podia assim ser realizada: o ««trabalhador normal»», que em seu
««tempo livre»» era empurrado aos museus e arrastado ante obras de arte por funcionários bem intencionados, era a
vergonhosa caricatura do ««homem total»», fruto das cabeças quadradas do
marxismo oficial de partido. Por outro lado, a oposição a tais horrores
ideológicos da sociedade de trabalho socialista degenerava en
um hedonismo boêmio e vazio, que tendia a imaginar a
manifestação de una vontade ««socialista»» abstratamente libre (que naturalmente também pode ser decifrada como
emanação do fetiche abstrato del ««valor»») como una
espécie de existência de vagabundo, empunhando uma garrafa de alguma bebida à
beira mar.
A superação socialista da produção de mercadorias
não pode ser realizada como encarnação e realização do trabalho abstrato ««no
interesse dos obreiros»», nem como imagem invertida vazia de um hedonismo
abstrato, também ele impregnado completamente ainda pelo trabalho abstrato.
A perspectiva do ««ócio produtivo»» como referência positiva da riqueza de
necessidades hoje alcançada, a ruptura do envoltório do ««trabalho»» abstrato e portanto a reunificação das ««esferas»» o ««âmbitos»» do
processo da vida social separados pela ordem burguesa são impossíveis
dentro do ««trabalho»», e somente possíveis mais além dele. Este «más além»,
posto na ordem do dia pelo desenvolvimento atual das forças produtivas,
sobretudo pelos novos potenciais de automatição, não
é, sem dúvida, um ««reino da liberdade»» no sentido de um ««mais além»»
meramente lúdico e infantil del
processo de metabolismo com o conjunto da natureza; este processo de metabolismo
pode repousar hoje sobre cada vez menos trabajo
produtivo humano, que, como tal, e portanto como trabalho abstrato, como esfera
separada del mero gasto da força de trabalho, se está
revelando completamente obsoleto.
O reino da liberdade se inicia já no interior do
processo de metabolismo com a natureza, em medida que este já não pode ser
definido como “trabalho”. Este reino começa por isto imediatamente no contexto
de uma revolução socialista contra o trabalho abstrato, como o resultado do
desenvolvimento capitalista das forças produtivas, e não, como resultado,
colocado para um indefinido futuro distante e indeterminado, de um socialismo
que ainda é parte da sociedade do trabalho.
Juntamente com o “trabalho” será superado necessária
e logicamente o “tempo livre”, já não no sentido de um “regresso”
reacionário e repressivo da cultura à continuação da ontologia do trabalho,
senão, pelo contrário, como fim da pré-história, no sentido da ruptura
definitiva do continuísmo no processo histórico.
Observações Críticas (por Roberto
Ponciano)
Ontologia - Parte da filosofia que estuda o ser
enquanto ser, do ser conceituado como tendo uma natureza comum que é inerente a
cada um dos seres. Com Kant o universo é uma dúvida. Com Locke, é dúvida o nosso
espírito; e num desses abismos vêm precipitar-se sem dúvida o nosso espírito: e
num destes abismos vem precipitar-se todas as ontologias. (Dicionário Aurélio,
citando Alexandre Herculano in “Lendas e Narrativas”).
É de se ver que no marxismo a ontologia de produção
do indivíduo é o próprio processo de produção e reprodução da vida humana. Ver
em ideologia alemã, onde Marx coloca claramente que o primeiro ato histórico é a
produção para a satisfação de uma determinada necessidade; produção esta que
produz também o primeiro instrumental de satisfação de necessidades humanas.
Esta necessidade satisfeita em dialética com o instrumento de produção obtido,
a produção ininterrupta de novas necessidades e novos instrumentais acaba
por tecer o fio histórico de toda sociedade humana em sua estrutura e super
estrutura. A produção continua de instrumentos para a satisfação de necessidades
humanas, a criação de novas necessidades sociais, o instrumental novo de
trabalho vai revolucionando continuamente as relações de produção. Desde a
sociedade primitiva, onde a precariedade dos instrumentos de trabalho
refletia-se no animismo da religião da natureza, até os processos mais
evoluídos, como o feudal, onde a sociedade de senhores de terra tinha seu
corolário ideológico no pensamento de uma igreja única que era mais que um poder
temporal, era um poder político centralizado que correspondia às
necessidades de sócio-metabolismo daquela época; até a acumulação primitiva do
Capital, possibilitada pelos progressos nas forças de produção e relações
produtivas, que foram capazes de fazer com que a civilização européia se
expandisse com uso da força (apoiada da superioridade tecnológica). Da
civilização comunista primitiva, até o capitalismo, passando pelo feudalismo, o
que vemos em todo o momento é o incessante e contínuo revolucionar das relações
de produção através do desenvolvimento contínuo das forças produtivas.
A produção e reprodução da sociedade humana inserida
dentro deste processo é continuamente revolucionada, até no pensamento mais
íntimos dos homens por cada revolução sócio-econômica que
corresponde a uma determinada fase de expansão das forças
produtivas.
O Homem é um processo contínuo de desenvolvimento,
uma relação dialética necessária entre a sua individualidade, os outros homens e
a natureza. A relação com a natureza não pode ser vista da maneira
contemplativa- idealista, mas se dá principalmente através da indústria
humana, de forma dinâmica e contínua, sem a qual não existe sociedade humana e
nenhum indivíduo sobreviveria.
O ser humano já formado desde o útero de sua mãe,
com uma essência imutável e uma moral supra-social é apenas uma
Robsonada, que só serve mesmo como um produto imprestável de abstração
filosófica, uma fantasmagoria que efetivamente não ajuda avançar nem em um
centímetro o terreno da luta pela real libertação do homem das relações que
realmente o aprisionam no mundo real da produção e reprodução. Marx coloca muito
bem que ao produzir os bens necessários a manutenção de qualquer sociedade, de
forma dialética, o homem também produz de forma cega o tipo de sociedade
correspondente ao grau de evolução das suas relações sociais em correspondência
direta com o desenvolvimento dos instrumentos de produção.
De maneira nenhuma concordamos com a tese de
Kurz de superação da fetichização da
mercadoria, da sociedade do valor, pela simples negação deste fetichismo...
Quando não consegue ver a necessária e real dialética da luta de classes do
movimento obreiro, quando reduz todo o papel do movimento obreiro em sua luta de
emancipação como um auxiliar aperfeiçoador do sistema
capitalista, Kurz condena todo sua
crítica à ineficácia, por perder o leitmotiv, o motor real da história, as
relações concretas de dominação estruturais que geram o sistema sócio
metabólico, a dominação e o fetiche.
Sartre, bem observou em sua “Crítica da Razão
Dialética” que Marx não poderá ser superado enquanto não for superada a
sociedade capitalista dividida em classes, e que, em geral, uma crítica
pós marxista, na verdade, não passa de um retorno à formas pré-marxistas.
Ao não entender a dialética de formação do pensamento marxista, a transformação
do jovem marxista hegeliano idealista, a formação da
sua teoria da Revolução pelo estreito contato com o movimento trabalhador
revolucionário, Kurz perde de vista que toda
vitalidade do Marxismo consiste em ser a teoria de uma classe social que não
pode se libertar sem libertar de uma vez para todas toda a sociedade. Que embora
seja uma classe em si, não é uma classe para si.
A sobrevivência de resquícios capitalistas na União
Soviética não pode ser vista de forma anti-histórica e voluntarista, como algo
próprio do movimento obreiro, baseado numa suposta sobrevivência mística de uma
mentalidade capitalista.
Tem de se estudar toda a gênese de construção do
socialismo no elo mais fraco da cadeia, acuada e atacada, tendo que se expandir
para não ser engolida. Dentro do estudo da realidade do processo Russo pode se
entender todos os desfeitos estruturais e todos os “desvios” (um conceito muito
inexato e problemático em história) na construção de uma sociedade socialista.
Em lugar de fazer a crítica depuratória do processo socialista, avaliando todo o avanço
do movimento obreiro em mais de um século de luta contra a burguesia, Kurz joga fora a criança junto com
a água suja do banho (junto com desvios com o obreirismo,
omite-se a luta contra o fascismo feita pelo movimento comunista internacional,
a luta contra as duas guerras, etc), ao invalidar a luta de classes como motor
de toda estrutura do materialismo dialético. Acaba por se tornar o contrário
daquilo que sua crítica pretende, pois, ao não ver nenhum progresso na luta de
classes durante séculos de embate do proletariado com a burguesia, reduz o
proletariado a um auxiliar da burguesia na construção da sociedade do valor,
acaba por fazer coro com os positivistas. Pois a dialética sem a luta de classes
em antagonismo inconciliável não tem caminho para ruptura.
Kurz assim perde qualquer correlação da crítica com o
movimento real feito pelos homens em sociedade, divididos em classes antagônicas
em luta ininterrupta, com avanços e retrocessos, é verdade nesta luta. Se a
crítica dele das sociedades pós moderna se valida
exatamente por utilizar a dialética marxista, quando ele propugna soluções ele
retorna a posições pré-marxistas próximos da Crítica Jovem Hegeliana Pré Marxistas, cujo acerto de contas foi feito por
Marx em “A Sagrada Família” e principalmente em “A Ideologia Alemã”.
Em Kurz, em nenhum momento
a arma da crítica se transforma em crítica das armas, em guia de ação
revolucionária radical do tipo “Socialismo ou Barbárie”. Retorna a confusas
previsões de rompimento do capitalismo pela negação do fetiche do valor e
associações voluntárias negadoras da forma valor... Completamente inexeqüiveis num sistema híbrido completamente dominado pelo
capital (neste ponto ele assemelha-se mesmo aos socialistas utópicos
pré-marxistas, que não podiam entendem que todas as suas associações pró socialistas seriam esmagadas pela realidade da circulação
que torna regra geral de sobrevivência a regulação capitalista da produção ou
sua crítica total negativa - o SOCIALISMO)..
Perdido no Fetiche, Kurz não enxerga que ele não gera a alienação da sociedade,
mas é gerado por estruturas econômicas concretas que se não forem derrubadas
violentamente perpetuar-se-ão.
Ele retorna aos filósofos
pré-marxistas no campo prático e dele poderíamos inferir aquilo que Marx diz em
“Teses sobre Feuerbach”: “O que os filósofos fizeram até hoje foi
interpretar o mundo de diversas formas. A tarefa a ser feita é transformá-lo”!
Todavia, sua crítica a questão do trabalho é
extremamente bem feita efetivamente por ser prender as categorianas marxianas.
Kurz não consegue entender que em qualquer sociedade
socialista que for se construir, sem exceção de qualquer passada ou futura
revolução, no momento em que se destruir a oposição entre produção e controle, e
os produtores passarem a administrar diretamente a produção, a consigna de que
todos devem trabalhar é progressista e não reacionária.
De maneira nenhuma isto significa que o trabalho
então ficará como uma maldição eterna a partir do qual deva se organizar uma
sociedade socialista da produção máxima. É apenas um momento necessário da
evolução, da passagem de uma sociedade capitalista para uma sociedade
socialista. Fato este que Marx conseguiu ver claramente e fica bem nítido em Lenin (O Estado e a Revolução),
a passagem de uma sociedade de classes para uma sociedade de classes não
pode ser feita de uma só vez. Entre o capitalismo e a sociedade comunista haverá
a necessária fase socialista de preparação da sociedade, de revolucionamento da produção, onde a consigna PROGRESSISTA
de que ninguém possa sobreviver sem trabalhar (sobreviver do trabalho alheio)
resolva-se num futuro próximo na ABOLIÇÃO DO TRABALHO, ao se abolir a sociedade
de classes.
À primeira vista, falar em abolição de trabalho é
algo confuso e obtuso. Que diabos Marx queria dizer com ABOLIÇÃO DO TRABALHO???
Há duas maneiras de se entender trabalho em Marx. Um, trabalho estricto sensu, a condição
necessária de vida imposta pela natureza ao homem. Este tipo de trabalho jamais
será abolido, nem mesmo na sociedade comunista. E Marx, claro, não colocou esta
tarefa.
Então, como pode se abolir o trabalho?
Marx, observava que na
sociedade capitalista o trabalho era um maldição é correspondia a uma
porcentagem ínfima da enorme gama de atividades humanas (arte, cultura,
esportes, lazer, etc). E que o Trabalho Assalariado, norma geral imposta pelo
capitalismo através da subordinação de todos os homens à forma valor, a reificação do processo de trabalho como algo exterior e
estranho donde o trabalhador retira sua subsistência e onde toda sua atividade
lhe é imposta como uma mão invisível poderosa que toma conta de sua vida.
Para Marx, um dialético que trabalha sempre com a
relatividade da existência de todos os processos, nascimento, desenvolvimento,
caducidade e perecimento, o TRABALHO, na sociedade comunista de livres
produtores, seria de tão forma diferente, a atividade humana seria tão mais rica
e não estupefaciente, que deveria levar outro nome. Seria a passagem do reino da
necessidade ao reino da liberdade, onde o controle consciente do processo
produtivo libertaria todas as potencialidades adormecidas do homem.
Um trabalho de tipo tão diferente que deveria
necessariamente se falar em abolição do trabalho como o entendemos e o vemos na
nossa sociedade Capitalista. Até porque, Marx colocava que a questão não era
libertar o trabalho, o trabalho já era livre na sociedade capitalista. A questão
era abolir este trabalho, abolir a escravidão assalariada numa sociedade de tal
maneira nova que na verdade, até hoje estaríamos na pré-história da humanidade e
a história real da humanidade começaria a partir do momento em que os produtores
associados conseguissem efetivamente se livrar das vicissitudes de uma produção
que assume uma forma autônoma avassaladora e destrutiva em relação as suas
personalidades. Na verdade, a crítica que se pode fazer às sociedades de
Socialismo Real é que elas, em nenhum momento colocaram esta tarefa. Em lugar de
se avançar no planejamento autônomo com o objetivo de se abolir o trabalho, o
TRABALHO FOI POSTO NUM ALTAR e glorificando como um valor em si, reproduzindo-se
a alienação e a fetichização da sociedade capitalista.
A forma valor da mercadoria, que caracteriza o modo
de produção capitalista, através da redução do homem à quantidade de trabalho
socialmente necessário que ele pode produzir em determinado período de tempo, é
uma forma social, desenvolvida historicamente e, por isto, transitória e
superável.
Na verdade, a transição do feudalismo para o
capitalismo não foi automática, a dialética de antagonismos da nova forma
social, onde o trabalhador não era mais dono de nenhuma das suas ferramentas de
produção, mas ele mesmo se transformava numa ferramenta de trabalho, alienada e
fetichizada na forma valor, se deu através de séculos de terrível
autoritarismo em cima dos indivíduos. Desde a moral Vitoriana, puritana, que passa a ver o corpo como uma
unidade produtiva eugênica, com seus padrões estritos de moralidade, cujo
objetivo final é retirar toda espontaneidade do indivíduo, transformá-lo no
autômato obediente conformado capaz de executar uma operação repetitiva e
monótona sem graves revoltas e pertubações na ordem.
Todo o processo de “caça as bruxas”, com seu
potencial agressivo de negação da sexualidade, submissão da mulher e negação da
natureza em pró de “racionalismo” quase positivista encarnado na perseguição das
superstições (caça às bruxas, as mulheres como
portadoras da ciência da natureza, da harmonia entre o saber e a natureza e a
conseqüente redução da sua sexualidade também. Na produção capitalista a ciência
é vista de forma instrumental e a natureza é vista sempre como recursos a serem
transformados em produtos), são características a serem estudadas da maneira
agressiva continuada de policiamento social para que o homem transforma-se num
indivíduo conformado.
Séculos depois destes processos altamente
autoritários, pode até nos parecer, a homens criados
dentro de uma sociedade completamente moldado pela forma valor “natural” a
submissão do corpo, da mente, do espírito humano a um processo de trabalho
monótono, fatigante e irracional, que leva a maior parte de nosso dia.
Mas, na verdade, para se introduzir o processo de
trabalho capitalista onde toda atividade humana foi reduzida a forma valor, foi
necessária toda uma complicada rede intrínseca de controle social, que passa do
aumento da opressão da mulher na família compulsiva monogâmica, estruturada em
redor da certeza genética para a transmissão da propriedade (com uma extrema
negação da sexualidade, ao ponto de durante séculos ser
vedado o orgasmo a mulher - até mesmo a discussão dele!!!), ao controle rígido
das funções corporais; contra todos os excessos praticados durante o feudalismo
e que resultavam num desperdício de tempo. Como na forma valor, trabalho
complexo sempre pode ser reduzido a trabalho simples, a tempo de trabalho
socialmente necessário, em suma, todo trabalho pode ser reduzido
a questão do tempo como valor expresso em mercadoria e uniformizado
através da circulação.
Para Foucault, nossa sociedade se parecia muito ao
Panopticom, espécie de prisão idealizada por Benthan,
onde o controle sobre o indivíduo é compulsivo, doentio e total.
O movimento feminista, é, e só pode ser
visceralmente anti-capitalista. Pela própria gênese do
sistema, onde a mulher tem de estar subordinada ao homem na sua função de gerar
filhos “legítimos” para a manutenção do direito de legar, sua emancipação real
só se dará numa sociedade onde o processo sócio metabólico de reprodução seja
não autoritário.
Onde a produção não esteja separada do controle.
Onde os produtores livres efetivamente controlem todo o processo de produção
construindo um novo edifício social coletivo onde a herança perda qualquer
significado. Somente fora dos limites da família compulsiva monogâmica -
essencial como microcosmo de reprodução do Capital - a mulher pode ter sua real
emancipação.
Isto não significa, de maneira nenhuma, como querem
os fariseus burgueses pseudo moralistas, que numa
sociedade livre da pressão autoritária do controle expropriatório da produção,
as relações familiares retornem ao nível de horda, sem nenhuma regulação sexual.
Formas superiores de sociedade levam a seres humanos
melhores equipados eticamente. É exercício escolástico fazer previsões de como
seria regulada a família numa sociedade onde não houvesse
separação entre produção e controle, produção e propriedade, produção e
circulação. Mas fica claro que a família monogâmica como célula de
reprodução social da propriedade seria claramente superada por formas
comunitárias de controle da propriedade.
Sem a questão da herança, a pressão social sobre a
sexualidade feminina seria grandemente reduzida.
A falsa bandeira de aceitação da mulher dentro dos
espaços de uma sociedade autoritária, demonstrou que,
longe de emancipar as mulheres, colocou-as sobre um julgo duplo, o da dupla
jornada de trabalho como regra (trabalho e casa). Somente a emancipação de toda
a sociedade de todo o trabalho compulsivo, do trabalho como valor que acorrenta
toda atividade humana e suga a energia existencial da vida, pode emancipar a
mulher também.
Somente uma indústria social altamente desenvolvida
(creches, restaurantes comunitários, etc) pode dar condições de retirar a mulher
da escravidão da dupla jornada, já que embora a família monogâmica como forma de
reprodução micro sócio metabólica do capital seja
essencial a sua manutenção, esta família está cada vez mais cindida. Nas costas
das mulheres hoje recai o direito da guarda dos filhos. Um direito que é também
um fardo e uma obrigação numa sociedade onde o desemprego e os baixos salários
tornam a criação dos filhos uma aventura hercúlea. É só vermos que 70% dos mais
miseráveis da humanidade são mulheres.
A inserção da mulher no mercado de trabalho é muito
mais uma necessidade do Capital do que um caminho para sua emancipação.
Desnecessário colocar que efetivamente este trabalho não visa, de maneira
nenhuma rodar para trás a roda da história e vir com bandeiras reacionárias e
machistas do tipo de fazer a mulher tornar á cozinha. Pelo contrário, a
emancipação da mulher oprimida é uma questão que só pode ser pensada em termos
radicais, como emancipação de toda humanidade de todo trabalho compulsivo,
constituindo uma nova sociedade auto-regulamentada pelos produtores (mulheres e
homens) onde seu processo sócio metabólico novo que não contrapõe produção
à controle, produção à apropriação possa efetivamente regular o
funcionamento do edifício social de maneira que efetivamente a mulher consegui
sua emancipação real, principalmente a propriedade de seu próprio corpo e sua
sexualidade, extinguindo para sempre toda prática machista e toda violência e
preconceito contra a mulher.
Para entender melhor o processo de
fetichização do ser humano, sua reificação como simples instrumento de trabalho, a
redução de toda sua atividade a forma valor, ver esta citação de Marx:
“A competição,
segundo um economista americano, determina quantos dias de trabalho simples
estão contidos em um dia de trabalho complexo. Esta redução dos dias de trabalho
complexo a dias de trabalho simples não pressupõe, nela própria, que o trabalho
simples seja tomado como medida de valor? Se a simples quantidade de trabalho
funciona como medida de valor indiferente à qualidade, isto pressupõe que o
trabalho simples se torna o pivô da indústria. Pressupõe que o trabalho tenha
sido equalizado pela subordinação do homem à máquina
ou pela extrema divisão do trabalho; que os homens sejam obliterados pelo seu
trabalho; que o pêndulo do relógio se torne uma medida tão acurada da atividade
relativa de dois trabalhadores como da velocidade de duas locomotivas. Portanto,
não deveríamos dizer que um homem durante uma hora vale tanto quanto outro homem
durante uma hora. Tempo é tudo, o homem é nada, no máximo ele é apenas a carcaça
do tempo. A qualidade já não mais importa. A quantidade sozinha decide tudo, hora por hora, dia por dia.” (Karl Marx, a Miséria da Filosofia).
Disputar e Fortalecer a CUT – Defender e Ampliar Direitos
1. Estamos vivendo um momento novo na
política brasileira e internacional, em especial com a vitória eleitoral de
Lula. Abre- se um novo período da luta dos
trabalhadores, portanto não é um momento qualquer, mais um momento histórico de
reorganização da luta de classes no Brasil.
2. No plano internacional, a ofensiva do
imperialismo no campo político, econômico e militar,
ameaça enquadrar todo o continente na condição de colônia, caso vinguem
mecanismos de dominação como a ALCA, não havendo saídas nos marcos de políticas
compensatórias , ou planos de desenvolvimento nacional e autônomos de economias
de mercado, ou de um capitalismo mais humano.
3. As crises da Argentina, Venezuela, a
guerra do Iraque, a crise recente da Bolívia , são
exemplos que comprovam a real ameaça, da força de destruição acumulada pelo
capitalismo-imperialista que podem levar a destruição de economias inteiras, bem
como de todo o planeta. A resistência dos movimentos sociais a esse modelo
predador, revela mais uma vez que, a única saída é a organização e luta, com
objetivo de impedir o avanço do neoliberalismo e a construção de uma nova
perspectiva a nível internacional.
4. No Brasil, após dez meses de governo, já é possível fazer uma análise dos
rumos que toma a política macro econômica, e dos rumos e opções do governo
lula.
5. O governo diz que vive um momento de
transição, embora não diga claramente para onde se vai com tal proposição, se
uma transição para um projeto nacional e popular ou de adequação e reciclagem do
atual modelo.
6. A verdade é que as medidas tomadas
até agora tem sido de um lado extremamente ágil no que diz respeito a
encaminhar a continuidade dos projetos do governo anterior, em alguns casos até
aprofundando medidas que são exigidas pelo FMI. De outro lado, age lentamente
no sentido de dar respostas às reivindicações históricas dos trabalhadores,
frustrando a esperança de mudança depositada nas urnas por milhões de
brasileiros nas eleições de outubro passado.
7. Podemos dizer, que dos 53 milhões de
votos que elegeram o presidente Lula, e com exceção
daqueles trazidos pela direita (PL e cia), a grande maioria acreditou na
possibilidade de estancar a política neoliberal. Ou seja, a grande maioria do
eleitorado brasileiro, encontra-se perplexo, especialmente os trabalhadores,
depositários de grande esperança na eleição do atual presidente, destacando
neste contexto, os servidores públicos, importante base de sustentação da
eleição Lula presidente.
8. O aumento do superávit
de 3.75% para 4.25%, a abertura da possibilidade de autonomia do Banco Central,
o anúncio do cumprimento dos contratos, inclusive os de continuidade das
privatizações, sinalizam a tendência de dar continuidade ao modelo de
subordinação da economia do país aos interesses do grande
capital
9. As reformas até agora apresentadas,
em especial, a Reforma da previdência aprovada
na Câmara dos Deputados e em debate no Senado Federal, com grandes
possibilidades de aprovação, aumenta o sacrifício e impõe várias derrotas as
servidores a curto prazo, e a longo prazo abre a avenida da privatização.
10. Esse processo tem levado á
indignação e frustração milhares de trabalhadores que votaram no Lula com a expectativa de aumentar e ampliar direitos. Ao
contrário, vêem seus direitos históricos serem varridos, alem da abertura de
privatizações ou entrega aos fundos de pensões a gestão de políticas públicas.
11. A diminuição a conta gotas dos
juros, hoje em 19%; a declaração de Lula na visita a Busch de manutenção do calendário da área de Livre Comércio
da América - AlCA, para 2005;
a aceleração de reformas que aumentam a concessão e lógica do livre comércio,
são sinais claros que o rumo que o governo vem tomando não favorece os
trabalhadores, trazendo para o movimento social a necessidade de ter uma postura
de contestação de conteúdo ás políticas no próximo período
12. Por outro lado, a
ausência de medidas esperadas pela maioria da população ou não saíram do papel
ou caminham a passos lentos: a esperança do emprego, da reforma agrária, da
moradia e de moralização da máquina
pública
13. As conseqüências desse processo já
são claras: por um lado, o aumento do desemprego (contrariando o propalado
espetáculo de crescimento); a tensão no campo com a formação de milícias armadas
por parte dos latifundiários; a perseguição a lideres do MST, com prisão de
várias de suas lideranças.
14. Por outro, os trabalhadores
intensificam a resistência: a luta por moradia nas cidades e a revolta dos
trabalhadores da economia informal; a greve dos servidores públicos contra a
proposta apresentada pelo governo para a previdência social e a política
desenvolvida pelo MST na ocupação de terras, demonstram que os trabalhadores
estão organizados e reagindo a mais ofensiva.
15. As resposta
começam a se esboçar, nas ocupações de terras no campo e na cidade, na
luta contra as demissões anunciadas nas montadoras e dos trabalhadores da
economia informal, na greve do funcionalismo público, a greve dos correios, dos
bancários na luta por reposição das perdas salariais, dão sinais claros desse
novo momento, onde mesmo os trabalhadores que votaram em Lula, não deram e nem
darão cheque em branco para aumentar seus sacrifícios.
16. Não é secundária a intensificação da
criminalização dos movimentos sociais. Não por acaso, o principal partido
do governo, promove verdadeiros expurgos diante de divergência de opinião,
explicitando suas contradições.
17. Esse processo desencadeou um grande
conflito do movimento social com o governo, com o próprio PT e a CUT. Com o PT,
na medida em que os parlamentares que defenderam claramente as históricas
posições do movimento, passaram a sofre todos os tipos de constrangimentos,
inclusive com ameaça de expulsão.
18. Algumas das teses vencedoras no VIII
Concut , não resistiram ao confronto com a realidade dos movimentos
sociais e as vacilações da nossa central em não apoiar de forma clara as greves
deflagradas, especialmente a recente greve no serviço público contra a proposta
de reforma da previdência.
19. A pretexto de existir diferenças dos
que são pelas negociação e os que são pela retirada da
proposta, a direção majoritária da CUT e especialmente o seu presidente, Luiz
Marinho, perderam a oportunidade de manter a Central na sua de luta e defesa dos
direitos dos trabalhadores.
20. Na verdade essa disputa apenas
isolou e enfraqueceu o movimento, fragilizando a CUT
nas organizações sindicais do serviço público. Tal contradição acabou na medida que o
governo realizou uma votação relâmpago no dia 6 de
agosto, que ficou conhecida como a "noite da vergonha", ás vésperas da grande
marcha a Brasília que reuniu em torno de 70 mil trabalhadores.
21. Frise-se que a própria direção da
Central teve que reconhecer, pelo desgaste político, que sua opção em relação à
previdência era completamente descolada da reivindicação da classe, bem como
pôde constatar, conforme denunciavam os servidores, a completa falta de
disposição do governo em abrir um debate franco e democrático em relação às
reformas.
22. Ao contrário de demonstrar
disposição de negociar, o governo se mostrou irredutível, e mais: o governo,
através do presidente da Câmara (João Paulo Cunha), utilizou a repressão,
inclusive autorizando a entrada da tropa de choque dentro do Congresso Nacional,
permitindo a repressão e prisão de trabalhadores. Fato repugnado pela categoria e considerado inaceitável, vindo de um
governo forjado no movimento sindical; na luta dos trabalhadores.
23. Ao acelerar o calendário de
votações e não permitir um maior debate na sociedade, o governo potencializou a
frente de resistência em defesa dos direitos, que se formou a partir da greve
dos servidores.
24. O movimento de resistência está
apenas iniciando. O movimento sindical precisa mais que nunca fortalecer o
movimento de resistência que teremos que construir para enfrentar essa e outras
reformas que virão (trabalhista, tributária, Lei de falências, etc.).
A defesa de uma verdadeira
Independência da CUT com relação ao governo, é uma
tarefa central. Esse movimento tem que ser fortalecido e consolidado na base da
sociedade, seja pelas mobilizações e greves, seja pelas ocupações do movimento
no campo e na cidade.
25. O fortalecimento de um campo de resistência, que não é oposição sistemática
ao governo, mas que tenha plena autonomia para lutar contra as políticas que
visem desregulamentar direitos conquistados, se expressam no Defender e Ampliar Direitos, e se propõe a não
ser omisso no debate de conteúdo de cada reforma/política,
acreditando que a única possibilidade de alterar os rumos das reformas é a
mobilização dos trabalhadores.
26. O posicionamento recuado e dúbio da
maioria da direção da CUT tanto na greve dos servidores, quanto na pressão e
ameaça de expulsão dos parlamentares que votaram contra a reforma, revela a
necessidade de nos posicionarmos nas instâncias do movimento social de maneira
firme e coerente com as bandeiras históricas.
27. As vaias dirigidas ao presidente da
Central nos eventos de grande participação de servidores públicos,
demonstram que ao persistir esse posicionamento equivocado, o setor
majoritário tende a levar nossa central a um desgaste que pode ser irreversível,
inclusive com rupturas políticas em vários setores da CUT.
28. Num primeiro momento,
esse problema está claro na categoria dos servidores públicos, porém, num
segundo momento, se manifestará também em função das lutas de outras categorias
e de outras reformas: como a trabalhista e sindical e a polêmica lei de
falências, onde 27 parlamentares do próprio PT, votaram contra
29. O movimento sindical deve ter uma
postura irrepreensível neste processo para construir um movimento de Defesa dos
direitos, da livre expressão e para não permitir o isolamento da categoria dos
servidores públicos e de outras lutas do movimento popular em curso (MST, MTST,
dentre outros).
30. Diante de tal conjuntura, o
fortalecimento das categorias em luta, a centralidade de nossas energias na
defesa dos direitos, a aproximação de nossa ação à vida real de nossas entidades
e categorias tem que ter por objetivo "Construir posição da CUT pela Base".
Condição necessária para impedir a capitulação da CUT, frente
a pressão governamental e dos empresários que de tudo farão para criar as
condições de impor suas teses que visam a desregulamentação e flexibilização.
ASSINAM: Maria Madalena Nunes, servidora da TRF 1ª da
Região e coordenadora da Fenajufe; Démerson Dias,
servidor do TRE/SP, coordenador do Sintrajud/SP e da
Fenajufe;
1. A eleição de Lula representou uma mudança qualitativa, de
importantes repercussões políticas no país. Uma grande articulação possibilitou
que pela primeira vez da história brasileira fosse eleito um presidente egresso
do movimento sindical.
2. Esse resultado eleitoral é fruto também de um generalizado
descontentamento que se acumulou por anos a fio. Incapaz de construir uma
alternativa voltada aos interesses nacionais, o Brasil foi submetido a
sucessivas políticas econômicas que agravaram nossos graves problemas.
3. Após duas décadas de baixo crescimento econômico, ampliação
das desigualdades sociais e do desemprego e sucessivas crises, a sociedade
apostou num projeto de mudanças.
4. A busca por alternativas ao projeto de globalização neoliberal
não se deu apenas no Brasil. Esse modelo demonstrou-se inadequado para assegurar
o crescimento econômico e ainda ampliou as desigualdades entre os povos.
O Fórum Social Mundial, que caminha para a sua quarta edição, as manifestações
que têm acompanhado as reuniões das grandes potências, o povo que vai às
ruas protestar contra os efeitos dessas políticas são exemplos em escala mundial
representativos desse despertar. Mesmo que ainda não se tenha gestado um novo consenso, prepondera uma certeza de que é
preciso buscar novos rumos.
5. Mas, sair das armadilhas criadas pela liberdade total que se
abriu para a circulação de capitais não é uma tarefa fácil. Os diversos países,
reféns de seus desequilíbrios nas suas contas externas, sofrem os efeitos na
necessidade de atender continuamente às expectativas do mercado financeiro.
Acreditar em saídas a partir da continuidade do modelo ainda tem o seu encanto.
Infelizmente, o rompimento com esses paradigmas ainda não se demonstrou uma
saída imperiosa. Diversos setores insistem em realizar acomodações no modelo,
evitando transformá-lo. Mas, ressalte-se que até mesmo os relatórios recentes do
FMI reconhecem que os países que ousaram optar por um novo caminho encontram-se
em situação bem melhor aos que sucumbiram aos programas e lições do Fundo.
6. No Brasil, as seqüelas deixadas especialmente pelos dois
mandatos de FHC são enormes. Uma herança com múltiplos efeitos, com
desagregações nos campos social, econômico e político. A
desconstituição do estado nacional e as privatizações diminuíram ainda
mais as alternativas. Refém de uma dívida colossal, cara e de curto prazo, a
administração pública foi conduzida por um projeto que tem como prioridade a
produção de superávits primários volumosos e crescentes, uma política incapaz de
solucionar até mesmo a questão da dívida e que dificulta ainda mais as ações do
estado voltadas para suplantar todos esses problemas. Emblemático nesta
questão foi a necessidade de instalar desde 1998 um
regime de co-gestão com o FMI. Um acordo já renovado por duas vezes. O país
assumiu uma nova dívida, que supera a marca de 80 bilhões de dólares, cujos
recursos somente podem ser utilizados para pagamentos ao próprio Fundo e outras
agências multilaterais. Junto com a dívida, o país se submeteu a metas de
resultado primário e se comprometeu com um programa de estabilização fiscal para
assegurar garantias para o pagamento dos credores do sistema financeiro, a
diversas obrigações, como a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal,
privatizações, especialmente dos bancos estaduais, autonomia do banco central,
reformas da previdência abrindo espaços para os fundos de pensão etc. Missões do
FMI apuram trimestralmente a fidelidade do governo aos propósitos do acordo, uma
supervisão que, para o mercado, representa um aval aos seus múltiplos
interesses. Isto sem relacionar outras implicações em questões como livre
comercio, proteção de investimentos, patentes etc., que alteram o posicionamento
do governo, já que nos tornamos reféns de interesses norte-americanos - que
efetivamente influenciam as deliberações do FMI.
7. Durante os primeiros nove meses de mandato, o governo Lula
ocupou-se de restabelecer a confiança dos mercados como condutor de uma política
monetária e fiscal ortodoxa e austera. O resultado dessa opção foi o
desenvolvimento de ações exclusivamente voltadas para uma agenda antiga,
identificada com o passado derrotado nas urnas. A ampliação das metas de
superávit, o aprofundamento da recessão, o crescimento do desemprego e a reforma
da previdência, dentre outros, são, ao mesmo tempo, elementos e conseqüências
dessa opção. Essas medidas, que aprofundaram a política desenvolvida pelos
governos anteriores, foram apresentadas à sociedade como medidas de transição,
uma necessidade diante do grave situação da economia em nosso país. Ansiosa por
ser o fim dessa transição, mesmo que não acredite num espetáculo do crescimento,
a sociedade ainda aguarda pacientemente um plano B, capaz de conduzir o país por
um rumo de desenvolvimento econômico e social.
8. Parece consenso dentre os diversos setores mais avançados que
esse modelo econômico não é capaz de conduzir o país por um processo continuado
de crescimento econômico, condição essencial para diminuir com o desemprego
estrutural e permitir o avanço de políticas públicas de distribuição de renda.
Limitado pelos graves entraves do financiamento externo e pela vulnerabilidade
decorrente da dívida, o Brasil precisa apostar sempre nas incertezas do fluxo e
no bom humor dos capitais especulativos. Ressalte-se que o ambiente que tem
atraído esses capitais em 2003, atrás de grandes ganhos na bolsa e nos títulos a
juros é o mesmo que repele os investimentos de longo prazo. A abertura
indiscriminada a capitais de curto prazo, que exigem grandes retornos em
pequenos espaços de tempo tornou-se uma falsa saída, incerta
quanto a sua duração, muito cara a sua manutenção.
9. Para induzir o crescimento do país, é preciso alterar a
política monetária, baixando os juros e disponibilizando e direcionando créditos
para fomentar os investimentos do setor privado. É preciso modificar a política
fiscal, diminuir as metas de superávit para que o estado possa realizar os
dispêndios necessários não só para garantir a distribuição de renda quanto para
a institucionalização de políticas e serviços públicos universais que assegurem
pleno acesso em quantidade e qualidade a saúde, saneamento, habitação e
educação. É preciso ampliar o salário mínimo, que é
seguramente um dos mais importantes e eficientes instrumentos de distribuição e
interiorização da renda em nosso país. É preciso fazer uma reforma
agrária, permitindo o acesso a terras, meios de produção e de escoamento dos
bens, com incentivos à agroindústria. São necessárias políticas que facilitem a
exportação, sem que para isso seja preciso constranger o mercado interno. É
preciso estabelecer políticas industriais. É preciso expandir e formalizar o
emprego. É preciso que o Estado brasileiro assuma um papel indutor e diretor de
um desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Esse elenco de tarefas é
incompatível com juros de 20% ou mesmo de 10%, se os demais países praticam
juros de 4 a 6% ao ano. Também não é possível despender os recursos necessários
se somos obrigados a um superávit de 70 bilhões de reais, com projetado para
2004.
10. Essas mudanças não correrão por acaso. É preciso ampliar o
apelo social por essas transformações. É necessário disputar dentro e fora do
governo assegurando que esses e não outros interesses prevaleçam.
11. Nesses próximos meses, estarão em debate questões
importantes, como a renovação do acordo com o FMI, transgenia
e a biossegurança, as reformas sindical e trabalhista, a ALCA, as próximas
rodadas de discussões da OMC, o orçamento de 2004 e do Plano Plurianual para 2004-2007. Intensifica-se a mobilização
social contra o desemprego, a recessão e a queda da renda dos trabalhadores. Na
própria proposta orçamentária, ficará evidente como se darão
as discussões em 2004 sobre o aumento real do salário mínimo (na proposta
enviada pelo governo o aumento real previsto é inferior a 1%) e sobre a
reposição das perdas dos servidores públicos.
12. A questão de fundo que permeia todos esses
pontos e vários outros é se continuaremos políticas voltadas
exclusivamente para os interesses daqueles que defendem uma relação subserviente
com os Estados Unidos em troca de um acesso mais favorecido de seus produtos e
serviços ao mercado interno americano. Esses setores, vinculadas às elites
liberais, principalmente o grande empresariado financeiro, industrial e de agronegócios, defendem um projeto de Brasil que se molda em
função de seus propósitos imediatos e particulares, mas que é sustentado e
apresentado perante a grande parcela da sociedade pelos principais meios de
comunicação do país como a única saída. Nessa rota, a dependência do Brasil se
avoluma, as alternativas vão se extinguindo. Esse modelo, que serviu de base
para a construção e implantação do Plano Real, imaginava que submisso aos
interesses do capital financeiro internacional, não faltariam créditos fáceis e
baratos para promover o nosso crescimento. O país ficou muito mais vulnerável,
inclusive com a ampliação do endividamento externo, da remessa de royalties, juros etc. Ficou patente que esse projeto não
corresponde aos interesses da sociedade, mas favorece exclusivamente a uma
pequena parcela das elites nacionais.
13. Ao disputar ativamente uma posição mais avançada em todas
essas questões, esses embates permitirão a visibilidade dos setores da nossa
sociedade que sempre lutaram por um projeto de desenvolvimento voltados aos
interesses nacionais do povo, capaz de conduzir o país por um crescimento
sustentável, onde perfilem resultados econômicos mas
principalmente sociais, mais e melhores empregos, onde a distribuição da renda
não seja uma promessa para um eterno futuro, mas seja entendida como um
princípio e um requisito para a construção de um mercado interno e o
desenvolvimento em nosso país.
14. Assim, algumas tarefas emergenciais se colocam para o
conjunto dos trabalhadores e de suas entidades.
15. Imediatamente, é preciso negar abertamente um novo acordo com
o FMI, que consolidaria mais um período de co-gestão do governo brasileiro,
tutelado por interesses que se opõem aos do projeto de desenvolvimento nacional.
E, reforçar as posições dentro do governo e da sociedade que afirmam ser essa
ALCA voltada principalmente aos interesses dos EUA, de suas empresas e do seu
capital financeiro.
16. Outro desafio que se coloca para todos os setores organizados
e dotados de compromisso social é organizar e fortalecer a luta social pelo
emprego e pela renda. Construir uma grande jornada em defesa da geração e da
formalização do emprego, reforçar a luta, que neste final de ano e no primeiro
semestre de 2004, se desenvolve pela reposição das perdas inflacionárias;
despender esforços pela aprovação de emenda constitucional para a redução da
jornada de trabalho, sem redução de salários e com majoração dos encargos para o
serviço extraordinário (PEC 239, de 2001 dos deputados Inácio Arruda e Paulo Pain).
17. Há sensibilidade e espaços nesse governo para as demandas organizadas da sociedade. Que sirva de exemplo a disputa que se trava desde setembro para que o Orçamento de 2004 não subtraia recursos para a saúde. Quando o projeto de lei orçamentária foi enviado ao Congresso, a Emenda Constitucional n.° 29, que estabelece recursos mínimos para as ações e serviços de saúde pública, não estava sendo obedecida. A equipe econômica, numa mensagem que justifica um veto presidencial sobre esses recursos, afirma que atender a essas despesas criaria dificuldades para o equilíbrio orçamentário. Mas, a indignação que contaminou o processo de preparação da XII Conferência Nacional de Saúde, a luta das entidades do setor e dos parlamentares devolveu para a saúde R$ 4,2 bilhões de reais.
18. A proposta de reforma da previdência enviada ao Congresso
Nacional é um exemplo típico da agenda antiga que esse governo recebeu e assumiu
como sua. Como um elemento dessa agenda velha, ela teve como eixos diminuir os
gastos do estado com despesas obrigatórias e efetivar os espaços para a
implantação dos planos de previdência complementar, agora entre os servidores.
Assim, para os setores que buscavam a inserção do país num novo rumo mudancista,
a proposta foi inoportuna quanto ao seu momento de tramitação e equivocada
quanto ao seu mérito.
19. É importante ressaltar que o governo teve que ignorar os
debates que a sociedade e mesmo o que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social – CDES – travaram sobre a reforma da previdência. A proposta deliberada
no Conselho tinha nitidamente uma preocupação de responder à enorme exclusão da
cobertura previdenciária que hoje existe junto aos trabalhadores do setor
privado. Era necessário permitir uma inclusão social que tivesse como
preocupação central efetivar a expansão do direito previdenciário, em resgate à
cidadania desses trabalhadores (quase 60% dos trabalhadores junto à iniciativa
privada), muitos em idade já avançada e sem capacidade contributiva.
20. As indicações do CDES nunca responsabilizaram os direitos dos
servidores pelas mazelas do setor público, combateram os privilégios, mas
caracterizando-os como exceção e não como regra.
21. Mas, a proposta de reforma foi elaborada tendo como eixo um
acordo com os governadores, compensando-os pelas dificuldades que a Lei de
Responsabilidade Fiscal, a recessão e a queda nas receitas, mas, principalmente,
aglutinando-os para o apoio à reforma tributária. Essa formação, governos
federal e estaduais, dificultou em muito os avanços na reforma, durante a
sua tramitação na Câmara e no Senado, colocando o governo central e mesmo o
parlamento reféns desses interesses.
22. Aprovada na Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência
tramita agora no Senado Federal e tem reduzidas
possibilidades de ser alterada.
23. Foram aprovadas múltiplas modificações durante as discussões
e votações, minorando os efeitos sobre os direitos dos servidores e a sua
expectativa. Mas, no fundamental, prevaleceu a
vinculação com a agenda antiga, o texto aprovado manteve objetivos da proposição
inicial: efetivar cortes em despesas obrigatórias do Estado brasileiro e ampliar
espaços para crescimento dos fundos de pensão. Naturalmente, com o processo de
luta e negociação, os efeitos em prol desses objetivos ficaram minorados.
24. O texto aprovado retira da Constituição a definição de
direitos previdenciários dos servidores. Essa
desconstitucionalização repete o movimento iniciado por FHC,
reservando para a Constituição a ampliação de requisitos e
carências, além da imposição de obrigações, como a contribuição de inativos. Foi
assim em 1998, com a reforma do regime geral de previdência social, quando a
fórmula para o cálculo das aposentadorias (36 últimas contribuições) foi
retirada do texto abrindo espaço para a aprovação de uma lei que pondera 80% das
melhores contribuições do trabalhador, em toda a sua vida contributiva, e ainda
lhe aplica um fator previdenciário. Essa combinação permitiu, via legislação
infraconstitucional, reduzir os direitos por meio do critério de idade, que o
Congresso havia derrotado em votações de emendas constitucionais.
25. O texto da emenda pretende, portanto, trazer para o regime
próprio dos servidores as “inovações” que FHC fez no regime geral de previdência
social. Fazer reformas para extirpar da Constituição as definições dos direitos
é uma recomendação reiterada dos organismos internacionais. Nesse sentido está o
Relatório do Banco Mundial “Brasil questões críticas da previdência social”, de
2000, onde se vê:
“primeiro avanço da primeira rodada de reformas [a Emenda
Constitucional n.° 20, de 1998] foi – na medida em que removeu a fórmula de
benefícios da Constituição – tornar mais fáceis as reformas mais profundas”[1].
26. Por outro lado, renova-se a necessidade de organização e de
luta dos servidores e da sociedade para defender um modelo avançado de serviço
público e os correspondentes direitos dos servidores, no processo de
regulamentação da reforma. Se não há garantias constitucionais para a paridade e
a integralidade para todos os servidores, caberá à lei definir a amplitude
desses institutos.
27. Para os atuais servidores, somente há garantias reais para a
integralidade dos que se submeterem a ampliação de
carência de idade mínima de 60/55 anos e de tempo de serviço público e de
carreira, e, mesmo assim, a paridade estará comprometida se a lei excluir
parcelas remuneratórias (na adoção de novos planos de carreira, transformação ou
reclassificação de cargos, ou novas gratificações para os servidores em
atividade) do cálculo ou dos proventos de aposentadorias e pensões.
28. O cálculo das aposentadorias e pensões dos novos servidores
também depende integralmente das definições legais. Há somente a limitação ao
teto do regime geral de previdência social.
29. Ainda estará sujeita à regulamentação a incidência da redução
da pensão.
30. Ficou definido que os fundos de pensão serão públicos, mas os
benefícios ficarão restritos à modalidade de contribuição definida, não havendo,
portanto, garantias constitucionais para os benefícios previdenciários devidos
por esses fundos. No entanto, será a legislação que definirá as obrigações e os
direitos dos servidores e do Tesouro frente a esses fundos.
31. É certo que, fora da proteção constitucional, a definição dos
direitos ficará ao sabor da lei, que
responderá em primeira ordem às limitações da lei de responsabilidade fiscal e
aos imperativos do ajuste. Mas será a capacidade de luta e o grau de
organização dos diversos segmentos interessados que irá decidir essas matérias.
32. Do ponto de vista do regime geral de previdência social, o
debate dessa reforma ficou muito aquém de um projeto efetivamente mudancista,
não assegurando a inclusão dos 40 milhões de trabalhadores afastados da
cobertura previdenciária.
33. A reforma amplia o teto de benefícios do RGPS, mas o mantém
fixado em valores nominais no texto da Constituição, incorrendo no mesmo erro da
EC 20. A esse valor são acrescidos somente os reajustes para manter o seu valor
real. No entanto, como vem ocorrendo desde a promulgação da EC 20, em todos os
momentos em que ao salário mínimo é concedido um reajuste superior ao da
inflação, o teto cai relativamente ao mínimo. Como o atual governo prometeu
dobrar, em valores reais, o salário mínimo, ao fim do seu mandato, o teto não
será mais equivalente a 10 salários
mínimo, mas estará reduzido à metade.
34. Sobre o debate que aposta na criação dos fundos de pensão
para a promoção do crescimento econômico, é preciso ressaltar que carecem de
fundamento as colocações que apontam no mercado de capitais como um novo caminho
para o projeto de desenvolvimento para o país, como até mesmo reconhece o Banco
Mundial no documento supracitado. Nele afirma-se que:
“embora a justificação baseada no desenvolvimento da poupança
e do mercado de capitais não tenha sido geralmente provada, as condições no
Brasil indicam que melhor equilíbrio fiscal e atuarial
das pensões no primeiro pilar – especialmente do RJU – criarão o espaço fiscal
necessário para promover o crescimento sustentável do terceiro pilar, financiado
[o BM propõe regimes fracionados e focalizados de cobertura previdenciária;
no primeiro pilar é o Estado que garante os benefícios; o segundo é um regime
compulsório capitalizado e o terceiro é o regime facultativo capitalizado]”[2].
35. Vê-se que a preocupação do Banco Mundial, que não deveria ser
a do nosso governo, é estritamente com o desenvolvimento dos
fundos de pensão, independentemente de não estar provado que as restrições de
direitos dos regimes previdenciários tenham efeito prático no desenvolvimento.
36. Do ponto de vista fiscal, é preciso compreender que os
resultados fiscais que derivam dos cortes no regime próprio de previdência e da
cobrança de inativos (aposentados e pensionistas) não se destinam a financiar
outros gastos sociais, mas fundamentalmente ao ajuste fiscal. Essa lógica
fiscalista não pretende cortar direitos dos servidores para ampliar
outras obrigações do Estado, derivadas da expansão da seguridade ou da cobertura
previdenciária. Perderão os servidores públicos e toda a sociedade, pela
precarização dos serviços públicos prestados. A proposta orçamentária
para 2004, em tramitação no Congresso reforça essa conclusão. Mesmo depois dos
cortes nos direitos previdenciários dos servidores e depois da cobrança de
contribuição dos inativos, a proposta ainda faz um corte de R$ 3,5 bilhões nos
recursos mínimos para a Saúde, descumprindo a EC n.°
29.
37. Reforçam essa conclusão as afirmações constantes do Anexo de
Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004, enviado pelo governo
em abril deste ano. Nesse anexo pode ser lido que a reforma da previdência é
fundamental para que se alcance a meta
fiscal:
“A redução das despesas especialmente algumas despesas
obrigatórias de maior vulto também deverá contribuir para a meta fiscal. Dentre as medidas para melhorar o
quadro fiscal, destaca-se a reforma da previdência social”.
38. Também merece atenção a tática
utilizada pelos servidores e suas entidades nesse processo. Vários segmentos
apostaram que a bandeira capaz de aglutinar setores dentro e fora do
funcionalismo seria a “retira da reforma da previdência”. Essa tática
desconheceu que enviar a proposta de reforma ao Congresso fazia parte das
obrigações do governo frente ao FMI e que assim, retirar a proposta resultaria
num rompimento das expectativas de mercado e portanto não coadunaria que as tarefas que o governo assumiu
nesse processo de transição. Por outro lado, as entidades que apostaram na greve
e nas manifestações para reforçar o processo de negociação conseguiram fazer
avançar a proposta, conseguindo defender os direitos dos servidores.
39. Além disso, a proposta de retirada da emenda constitucional
não se demonstrou eficaz para conduzir a luta dos servidores durante a
tramitação no Senado Federal. A aprovação do texto na Câmara foi entendida pelos
servidores como uma derrota absoluta dessa tática, desmobilizando amplos setores
do funcionalismo, mesmo dentre aqueles que construíram um processo de
mobilização, foram à greve, às ruas, ao Congresso.
40. Por todas essas questões, é preciso conscientizar os servidores para a necessidade de ampliar a organização, a luta e a capacidade de intervir no processo de regulação da reforma. Isto, é claro, sem falar na mobilização para a defesa dos direitos frente ao Judiciário, que também pode se apresentar como uma frente de embate a ser percorrida nesse processo.
41. Existe hoje na sociedade brasileira um posicionamento
pró-reformas no Judiciário. Há uma percepção generalizada de que a justiça é
lenta, de difícil acesso para amplos setores da sociedade, de que há nepotismo e
corrupção. Essa construção é hoje explorada para defender reformas no Judiciário
com uma orientação pró-mercado, defendida pelo Banco Mundial. Essas mudanças
atingem também o Ministério público e outras funções essenciais da Justiça. Essa
grande campanha pela “reforma do judiciário”, reforçada pelos grandes meios de
comunicação, não pretende enfrentar quaisquer desses problemas que a sociedade
percebe.
42. Mas, como postula o Banco Mundial, depois das reformas
econômicas, é preciso realizar as “reformas de segunda geração” voltadas para os
aspectos institucionais do Estado.
43. A proposta do Banco Mundial, traduzida em seu estudo técnico
n.º 319, de 1996, está centrada na necessidade de construir nos diversos
países da América Latina e do Caribe um sistema capaz de aplicar a lei e
interpretá-las de acordo com padrões regionais e internacionais, no sentido de
“garantia de direitos individuais e direitos sobre a propriedade”. Como diz o
documento: “mais especificadamente, a reforma do judiciário tem como alvo o
aumento da eficiência e equidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à
justiça e
promovendo o desenvolvimento do setor
privado”.
44. Em linhas gerais, para alcançar esses objetivos, o Banco
Mundial enumera três pontos básicos para a reforma do Judiciário: o controle
externo, a necessidade de institucionalizar métodos alternativos para a solução
de conflitos e a verticalização da jurisprudência a partir das decisões das
instâncias superiores.
45. No Brasil, esses pontos se escondem em propostas como
administração do Judiciário, o controle externo, a arbitragem, mediação,
composição das cortes superiores, comissões de conciliação prévia, a súmula
vinculante, a argüição de relevância, restrições à concessão de
cautelares e liminares, término do poder normativo da Justiça do Trabalho,
instituição de foro privilegiado também em ações populares e ações civis
públicas, lei da mordaça (foi rejeitada)
etc.
46. Em resposta a essa pauta de reforma, é preciso apresentar uma
agenda democratizante e publicizante para
as reformas no Judiciário e no Ministério público, justamente porque existe um
rol relevante de problemas a ser enfrentado. É fundamental intensificarmos os
debates e as ações políticas para promovermos as mudanças realmente necessárias
para principalmente ampliar a celeridade dos processos e ampliar o acesso ao
Judiciário e à Justiça.
47. Para assegurar a autonomia do Judiciário e do Ministério
Público é preciso antes de mais nada alterar o processo de composição dos
tribunais e das cortes superiores e o processo de nomeação do procurador-geral.
É preciso restringir o acesso aos membros das carreiras, rediscutir o quinto
constitucional e fazer prevalecer os critérios de antigüidade e merecimento.
48. A publicidade e o controle social sobre os atos
administrativos, das contas e do Orçamento são também instrumentos importantes
nessas mudanças.
49. Mas, é também preciso ir além das reformas estruturais do
Poder Judiciário. A Justiça demanda o reconhecimento de novas relações sociais e
jurídicas, o aperfeiçoamento das leis, o aprimoramento da autonomia dos poderes.
É preciso ir muito além das preocupações do Banco Mundial, centradas no direito
privado, individualizado nos direitos sobre a propriedade. Não há uma só linha
no texto do Banco Mundial sobre os direitos sociais ou coletivos, nos direitos
indivisíveis etc.
50. Assegurar o acesso universal à Justiça, por exemplo, demanda
muito mais do que ampliar a distribuição geográfica dos tribunais, a
constituição de procedimentos simplificados, a redução dos custos judiciais e a
agilização dos prazos. A democratização do acesso é ainda e, talvez
principalmente, um processo de conscientização do direito e o reconhecimento do
Judiciário como instrumento de conquista desse direito.
51. Percebe-se assim a importância do Executivo, do Legislativo,
das organizações sociais para a discussão e implementação das reformas
democratizantes que o Judiciário tanto necessita. As reformas defendidas
pelo Banco Mundial são, antes de mais nada,
privatizantes do Judiciário, pois pretende-se
remodela-lo para assegurar interesses privados.
52. As entidades representativas dos servidores do Judiciário têm um papel importante para desmascarar a acepção privatizante contida nas propostas do Banco Mundial e defender as mudanças capazes de diminuir o foco existente entre o conservadorismo ainda reinante na Justiça brasileira e o avanço que existe nas relações sociais.
53. Durante as discussões sobre a reforma da previdência,
apareceram postulações pela constituição de uma nova central de
trabalhadores vinculada aos servidores públicos. Algumas entidades
questionando a atuação da CUT, consideraram a hipótese de uma nova central
sindical exclusivamente composta por representações de servidores públicos.
54. É importante ressaltar que não se tratou de um movimento de
desfiliação da Central Única dos Trabalhadores, mas uma aglutinação de
entidades, nem sempre com o respectivo respaldo formal das
categorias, que nunca se filiaram à CUT.
55. Essa ressalva não significa que as críticas pontuais sobre o
posicionamento da nossa Central na questão específica da reforma da previdência
não mereça ser discutido. Várias entidades foram para as nossas plenárias com
críticas responsáveis e construtivas à atuação da central. Para muitos, faltou
uma ação mais incisiva e autônoma frente ao Governo nos debates e negociações
sobre a reforma da previdência. As críticas pontuais são instrumentos
importantes para a construção da nossa capacidade de representação e de ação
nesse novo cenário que se abre com o governo Lula.
56. Todo o movimento sindical brasileiro vive essa nova
experiência, e com certeza a nossa ação necessitará ser compatibilizada com
essa novo cenário. Devemos retomar as discussões e aprofundar as nossas
elaborações principalmente com relação à questão da autonomia das entidades
representativas frente aos partidos políticos e aos governo.
E, não devemos tratar esses pontos com simplismo.
57. A eterna vigilância sobre as nossas práticas, o que
ultrapassa em muito a avaliação dos resultados obtidos, é o preço a pagar pelo
fortalecimento da nossa representação classista e pela responsabilidade que
temos em fazer avançar os direitos dos trabalhadores em nosso país e,
naturalmente, por impulsionar esse governo rumo ao projeto de mudanças, que
resgate a cidadania e o desenvolvimento econômico e social.
58. Um bom sinal para essa questão serão os enfrentamentos para a
definição do salário mínimo em 2004, as reformas trabalhista e sindical. E,
naturalmente, a luta dos servidores públicos tanto na regulação da reforma da
previdência quanto para reposição de inúmeras perdas acumuladas.
59. É importante também intensificarmos as discussões sobre a
capacidade e as vantagens da representação generalizada dos trabalhadores frente a representação pontual, como no caso de uma central
exclusiva para os servidores.
60. O ponto alto desse debate parece ser reforçarmos os
interesses comuns, a formação de sentimentos classistas e a unificação das
bandeiras e lutas. Por outro lado, apostar na constituição de uma representação
exclusiva reforça a convicção de interesses antagônicos, incompatíveis, a visão
de privilégio.
61. Devemos debater e discutir com o conjunto dos trabalhadores
as nossas diferenças, a existência de questões, bandeiras e reivindicações
específicas, mas afastar de pronto qualquer discurso ou prática que possa ser
utilizada para demonstrar que
o direitos dos trabalhadores do setor privado se
contrapõe ao dos servidores públicos.
62. Aliás, é preciso que o conjunto dos
trabalhadores brasileiros intensifiquem a sua ação unitária, que
constituam bandeiras unificadas, que compreendam a importância da solidariedade
recíproca nas questões específicas e consigam traduzir essa solidariedade na
luta concreta do dia-a-dia.
63. E, aí, o papel da CUT se reforça, principalmente a partir da ampliação da nossa autonomia e da materialização cotidiana das lutas em defesa dos interesses classistas do conjunto dos trabalhadores.
64. Não foi apenas nas questões econômicas que as mudanças
prometidas pelo novo Governo deixaram a desejar. Mesmo reconhecendo que as
pautas de reivindicações e as mesas de discussões estavam muito atrasadas depois
de oito anos de FHC, faltou ao Governo implementar um tratamento mais respeitoso
com os servidores. Os debates sobre a reforma do regime próprio dos servidores
seguiram o modelo anterior. Os servidores continuaram sendo apresentados à
sociedade como detentores de injustificados privilégios, faltou verdade aos
dados oficiais e respeito aos interlocutores. Os problemas não se deram
exclusivamente entre os servidores e o Executivo. Também no Legislativo vimos
inaugurar práticas excludentes, repressivas, que não condizem com a importância
do Parlamento.
65. Se há uma novidade alvissareira na instalação de Mesas de
negociação, não houve resultado concretos e, mesmo na proposta de lei Orçamentária
para 2004, a previsão de reajuste para os servidores nem de longe é capaz de
repor a inflação prevista um trimestre. Será preciso ampliar em muito as
pressões das diversas categorias, em lutas gerais e específicas para que 2004 não se transforme em mais um ano de grandes perdas
salariais para os servidores.
66. É preciso reconhecer as dificuldades de desatar um processo
negocial entre a Administração e o seu corpo de servidores dentro do
atual arcabouço legal brasileiro. Se há problemas entre o Executivo e seus
servidores, as questões que envolvem os servidores do Judiciário são ainda mais
complicadas, envolvendo no processo os Três Poderes.
67. A centralidade da questão fiscal, que continua a determinar
todos os procedimentos, dificultou ainda mais que os servidores obtivessem
resultados positivos nessas negociações. As grandes diferenças presentes entre
as mais diversas categorias de servidores, o grau de organização, o tamanho das
perdas acumuladas, a capacidade de direção das diversas entidades
representativas foram também elementos que dificultaram a unidade nessas Mesas.
68. Estruturar um processo negocial,
redefinirmos a relação entre os servidores e a administração, o papel do Estado
e dos servidores, o debate sobre a estruturação do serviço público; a reposição
das perdas salariais; a negociação das propostas que o executivo enviará para a
regulamentação da reforma da previdência, são, por
exemplo, pautas que demonstram a importância da Mesa Central. E, naturalmente, a
relevância de atuação unitária e combativa das entidades representativas nesses
cenários de enfrentamento.
69. Se há grandes e importantes pautas para a definição na Mesa
central, há também que se discutir a propriedade de instalarmos uma mesa
setorial para o debate das questões internas do Judiciário e do Ministério
Público.
70. Devemos defender a constituição de Mesas Setoriais, formadas
por representação dos tribunais superiores e do TJ-DF e Territórios e do
Ministério Público e pelas entidades representativas da nossa categoria, que
poderiam definir questões como: unificação das parcelas remuneratórias e
indenizatórias relativas a assistência ao servidor (saúde, creche, alimentação);
melhoria das condições de trabalho; propostas de alteração dos planos de
carreira; projetos de formação e qualificação dos servidores, processo de
avaliação institucional e dos servidores; ocupação das funções comissionadas e
dos cargos em comissão; transparência na gestão orçamentária; uniformização dos
atos de gestão; as garantias do trabalho sindical etc.
71. Mais do que nunca vai consolidando a consciência da
necessidade de ampliarmos a luta dos servidores. Não haverá resultado nas
negociações sem inovarmos e multiplicarmos as pressões.
72. Num processo mais elaborado, é preciso
exigir que o governo altere o seu discurso, que ainda responsabiliza os
servidores pelos desatinos por que passa a sociedade brasileira e caracteriza os
direitos dos servidores enquanto privilégios. Essa é uma mudança que redescute a
natureza da relação existente entre o servidor
e a sociedade, através do Estado.
73. É preciso reconhecer as diferenças que
existem entre os interesses que unem um servidor ao Estado e um trabalhor a uma
empresa privada. Um contador, que busca a elisão fiscal e o planejamento
tributário para seus clientes, age
por interesses diversos de um servidor, que, vinculado ao interesse público, é
obrigado a denunciar qualquer irregularidade de que tenha conhecimento; nem um
embaixador pode ser comparado a um lobista; nem um militar a um segurança
privado; nem um pesquisador que trabalha no setor público a um que trabalha no
setor privado. Indistintamente, médicos, professores, enfim, todos os servidores
têm o seu fazer identificado a um interesse público determinado pela lei,
diferentemente do trabalhador do setor privado.
74. Ademais, o setor privado tem na livre
remuneração de seus trabalhadores e na participação nos resultados, para os mais
felizardos, os mecanismos de premiação e cooptação de quadros. No setor público,
é bastante diferente. A vinculação à legalidade, impessoalidade e ao interesse
público impõe restrições a salários, gratificações, benefícios. Assim, o direito
à aposentadoria respondeu a essas limitações premiais e valorativas do trabalho.
Não deveria ser diferente, porque é preciso compensações para que a
administração pública possa competir na seleção de bons profissionais.
75. A tarefa que se coloca é construir um novo
relacionamento entre os servidores e a adminstração, com respeito a direitos e,
principalmente, baseado num concepção de estado nacional, construída de acordo
com um projeto de desenvolvimento econômico e social, voltado para o resgate da
cidadania e pautado na universalidade da prestação dos serviços públicos.
ASSINA:
Sindjus/DF
[1] Relatório n.° 19641-BR, de 19 de junho de 2000,
vol. I: Sinopse do relatório; p. XIV;
www.bancomundial.org.br
[2] Banco Mundial; oc.; p. XXII