Caderno de Teses da XI Plenária
Nacional da Fenajufe
 

 

 

CONJUNTURA INTERNACIONAL E NACIONAL

 

01.    Avaliamos que vivemos uma nova situação mundial de lutas, convulsões e rebeliões, marcada por uma polarização crescente da luta de classes. De um lado uma ofensiva imperialista enorme acompanhada de traços duríssimos para garantir sua hegemonia. De outro uma crise econômica profunda, divisões inter-imperialistas e crise na “ordem mundial” e suas instituições (ONU,OTAN, OMC) e, principalmente, uma reação dos trabalhadores de grande magnitude.

 

02.    Os EUA concluíram sua guerra e iniciaram a conformação de um protetorado no Iraque. Porém, segue crescendo a consciência anti-imperialista e as mobilizações devem seguir ganhando as ruas do mundo contra o imperialismo e suas instituições. Em muitos países, essas mobilizações se combinaram com uma reação do movimento operário contra retirada de direitos (Itália, por exemplo) e nada indica que retrocedam qualitativamente. Na América Latina se sucedem levantes, insurreições, derrubada de governos e/ou desestabilização ou mesmo ruína de regimes, e eleição de governos de Frente Popular (Brasil e Equador, mais à frente possivelmente Uruguai e El Salvador).

 

03.     O pano de fundo dessa nova situação da luta de classes em nível mundial é a crise econômica profunda em que se debate a economia dos EUA, toda a economia imperialista e mundial. A crise é grave e profunda. A estagnação que já atinge os três centros imperialistas do planeta caminha para uma recessão e não está descartada a possibilidade de uma depressão.

 

04.    Isso impõe para o imperialismo a necessidade de avançar na recolo­nização, de atacar mais e mais duramente os trabalhadores e de drenar, num patamar muito superior, mais valia para o coração (ou corações) do sistema. O imperialismo não tem outra saída a não ser manter e aprofundar a ofensiva colonizadora sobre os países periféricos e ao mesmo tempo avançar na exploração de seu próprio proletariado. A profundidade da crise, entretanto, está levando à maior crise inter-imperialista desde à segunda guerra: a crise da ONU e da OTAN. Por trás da ocupação do Iraque pelos EUA e da disputa da União Européia por uma ocupação compartilhada via ONU, está a luta entre os imperialismos pelas colônias.

 

05.    A aceleração da ALCA na América Latina e a invasão do Iraque, com o  objetivo de impor um protetorado dos EUA naquele país, são duas faces da mesma moeda ou do mesmo remédio que o imperialismo vê como o que pode tirá-lo de sua atual crise e como política para consolidar os EUA como imperialismo hegemônico. Os EUA ganharam de forma rápida a guerra contra o Iraque no terreno militar, mas não conseguiram ganhar os corações e mentes das massas de todo o mundo e nem reverter sua crise. A luta mais geral continua em curso.

 

06.    Essa vitória pode pavimentar o caminho para submeter o restante do Oriente Médio, dar um fôlego para o capital e fazer a correlação de forças pender para o lado da ofensiva imperialista. Mas, ela pode também desencadear o efeito inverso. Pode precipitar uma recessão mundial e aumentar os riscos de uma depressão. Pode acirrar ainda mais as divisões inter-imperialistas.  E, mais importante, pode atear de vez fogo em todo o Oriente Médio, fazer aumentar em muito as mobilizações em todo o mundo, desestabilizar governos, como os da Ingleterra e Espanha, levar a luta de classes e as mobilizações a um patamar superior dentro do próprio EUA. Os cenários não dependem apenas da economia, nem apenas do aparato militar, mas sobretudo da luta de classes.

 

07. À América Latina, em processo avançado de recolonização, estagnação/recessão e empobrecimento, segue reservado o papel de bombeador de recursos e riquezas para o norte, através da expropriação financeira via dívida, remessa de lucros das multi­nacionais e recorrentes fugas de capitais e também como fonte recep­tora (importadora) de mercadorias industrializadas e cada vez mais produtora de com­moditties (produto primários, como café, algodăo, minério de ferro, etc). Os EUA querem e estão acelerando a ALCA, avançando em acordos bi-laterais com inúmeros países.

 

08. O modelo atual – baseado no Consenso de Washington - está esgotado: o patamar atual de exploração dos países não é sustentável. Eles querem e precisam avançar mais na recolonização, na espoliação e exploração. Queima de capitais e mais desnacionalização na periferia, bem como a apropriação de recursos naturais, das contas governamentais e serviços. O controle político e institucional total é o que eles almejam com a ALCA, enquanto avançam também na militarização do continente.

 

09. O processo avançado de recolo­nização e o esgotamento e crise do modelo aplicado em toda década de 90 significou para a classe trabalhadora e o povo um empobrecimento enorme. Esse processo mudou também a estrutura produtiva dos países e o perfil das burguesias e bombeou recursos como nunca para os centros imperialistas. O continente viveu de conjunto uma recessão no ano passado, sendo que vários países entraram em depressão, como Argentina e Uruguai. O Brasil – que tinha mais gordura para queimar, em termos de parque produtivo e riquezas e que entrou atrasado no “Consenso de Washington” - viveu outra década “perdida”, um crescimento pífio. Se não chegou a viver um processo de desindus­trialização a lá Argentina, também não avançou em capacidade instalada, desnacionalizou grande parte do que era o parque produtivo nacional e sua infra-estrutura e parte da base produtiva se deteriora. Junto com isso aumenta a miséria, o desemprego, a exploração, o arrocho e a violência.

 

10. O movimento de massas no continente vem se levantando de forma generalizada contra essa situação de recolonização e crise. Um número cada vez maior de países estão vivendo verdadeiras convulsões, com levantes, picos insurreicionais e também governos e projetos de Frente Popular. Equador e Argentina já não são casos isolados no continente. A eles vêm se somar Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Venezuela, Colômbia... E o Brasil acaba de eleger um governo de Frente Popular.

 

11. O imperialismo – sobretudo os EUA - está discutindo o que fazer dian­te das dívidas impagáveis, ou dito de outra forma, como assegurar a reco­lonização e a “sustentabilidade” do envio permanente de riquezas para o norte. Eles estudam hoje um novo consenso, nos marcos da ALCA.

 

12. Enquanto não define uma tática unificada perante todos os países, o FMI socorreu o Brasil no ano passado. O acordo com o Fundo não respondeu apenas a um cálculo político, foi um bom negócio – não deixaram o país quebrar, mas o mantiveram no fio da navalha de uma moratória forçada - em troca de exigir índices maiores de superávit e super-exploração, e comprometer o novo governo com a conclusão do trabalho de FHC. Ou seja, fazer com que as reformas cheguem no nível em que chegaram na Argentina, coisa que ainda não se chegou no Brasil, e a concluir o tratado da ALCA.

 

13. Para a América Latina, em qualquer caso, avançará a miséria, a super-exploração e a espoliação. E neste ano de 2003 vão aumentar também as crises, porque o crédito externo caiu em mais de 50% e “transatlânticos” como o Brasil só conseguem pagar o serviço da dívida com dinheiro de fora. Vai piorar e muito o nível de vida das massas e a rapina dos países. Na melhor hipótese para a burguesia: no caso de uma retomada forte da economia americana, haverá espaço para mais setores da burguesia se associarem à rapina, com uma possível volta de capitais para cá em 2004. No caso de manutenção ou agravamento da crise atual, a queima de capitais e a devastação será muito superior. Também aqui, a luta de classes vai determinar em última instância o processo.

 

14. O Brasil que Lula governa está plantado sobre esta crise estrutural, que hoje está mais agravada, mais séria e mais profunda do que sob FHC. O país está praticamente quebrado: o empréstimo do FMI segura as contas do Estado este ano, se não houver fuga de capitais e entrarem os investimentos externos que entraram no ano passado. Para segurar os capitais que estão aqui e atrair outros, o governo é obrigado a jogar a economia na recessão, a economizar muito mais dinheiro do que FHC para pagar juros, a aumentar o endivida­mento público e aprofundar as reformas neoliberais de FHC.

 

15. Agregue-se a esse quadro de quase insolvência do Estado, a situação pré-falimentar de grandes empresas endividadas em dólares e sem crédito externo. É o caso das distribuidoras de energia elétrica – Eletropaulo/AES à frente, que deu calote no BNDES, diz que não tem como pagar sua dívida junto ao banco, ao mesmo tempo em que remeteu mais de três vezes o valor da dívida para o exterior na forma de remessa de lucros. Mas não são apenas as elétricas que estão em busca de um PROER ou até de uma “reesta­tização” em que o Estado arque com os prejuízos, saneie a empresa e depois a devolva pronta para lucrar para o setor privado: são as empresas de aviação, parte das teles, empresas de comunicação (Globo à frente, que levou R$ 1 bi de empréstimos do BNDES). Ou seja, a crise é tão grave que, inclusive a rees­tatização sem indenização se converte numa palavra de ordem colocada na ordem do dia. Agregue-se ainda nisso a crise dos estados: vários sem dinheiro para pagar até o funcionalismo.

 

16. Na lógica de “não romper contratos” com o FMI e com todo arcabouço  e blindagem neoliberal,  a contrapartida dessa situação para os trabalhadores e a maioria do povo significará uma  piora  considerável do nível de vida: mais exploração e queda do poder aquisitivo, mais desemprego, mais dilapidação dos serviços públicos e também mais entrega de patrimônio.

 

17. Não é à toa, que o PT assume elevando o superávit primário para 4,5% do PIB – o maior da história – e Lula afirma que este é um ano em que será obrigado a comer “angu quente, sem poder sequer ir comendo-o pelas beiradas”. Toca-lhe não apenas manter, como aprofundar o modelo econômico de FHC.

 

O “projeto” do PT, do PCdoB e da burguesia diante da crise

 

18. A Frente Popular – que tem pesos pesados da burguesia no governo – quer buscar antes de tudo construir uma unidade da burguesia brasileira (com consentimento, aliança e sociedade também com as multinacionais aqui instaladas), para tentar conquistar no médio prazo reformas ou uma reciclagem no modelo hoje esgotado. De modo que o mesmo modelo, aprofundado,  possa ser “sustentável” para ao menos permitir taxas maiores de crescimento econômico.

 

19. Isso não passa por evitar a reco­lonização e menos ainda romper com ela; mas por aprofundá-la no atacado.

 

20. A burguesia brasileira de conjunto – em que pese os choques e atritos entre os diferentes setores e interesses, uma vez que o capital financeiro neste modelo é claramente o mais beneficiado e o “setor produtivo” reclama disso - não quer e não vê qualquer perspectiva numa ruptura ou choque mais forte com o imperialismo. Quer, isso sim, um lugar ao sol por dentro do projeto imperialista. Quer uma reci­clagem do modelo.

 

21. Eles não vêm saída por fora da ALCA. Querem no médio prazo atrair “capital produtivo”, instalação de mais multinacionais aqui que substituam importações e exportem para diminuir a vulnerabilidade externa. Para tentar atingir isso, eles precisariam instituir aqui o grau de “competitividade” chinesa ou coreana, ou seja, querem esfolar a mão-de-obra assalariada (daí as reformas). A situação toda agrava-se ainda mais, na medida em que há uma estagnação ou quase recessão mundial, e, portanto, pouquíssimo investimento produtivo no mundo. Por isso, eles buscam manter a bicicleta pedalando, tentando vender mais produtos agrícolas, sonhando que uma ALCA abra mercados na agricultura e buscando manter-se confiáveis para rolar as dívidas do Estado e das empresas, bem como atrair capital externo em algum grau, seja especulativo, seja entregando novos setores que o imperialismo deseje, seja buscando alguma capitalização e/ou “parceria” imperialista para as empresas nacionais ainda existentes.

 

22. A burguesia brasileira, sobretudo o que sobrou do capital industrial, gostaria de possuir hoje mais soberania e independência, mas não vê saída e nem benefícios numa ruptura com o imperia­lismo. Pelo contrário, precisa dos capitais imperialistas. Ao mesmo tempo também fica angustiada com uma trajetória insustentável do modelo atual e teme tremendamente um desfecho a lá Argentina, uma depressão que queime capitais em larga escala.

 

23. Por outro lado, não há – nos marcos do neoliberalismo e do processo avançado de recolonização hoje existente - muita margem de manobra. A alternativa deles, nesse sentido, passa por tentar reunir condições de renegociar o padrão de endividamento atual – alongar os prazos e melhorar as condições de pagamento da dívida, de modo que o país não fique permanentemente na beira da insolvência e do calote e que, portanto, consiga dar um novo fôlego ao modelo. Isso, entretanto, passa pelo aprofundamento das reformas neolibe­rais e também pela negociação e adesão à ALCA. Ou seja, requer um novo patamar de super-exploração e empobrecimento do povo e avançar na reco­lonização. O PT por sua vez, auxiliado diretamente pelo PCdoB que se coloca como mais realista que o rei na defesa do governo petista, se propõe a ser o gerente desse projeto da burguesia e do imperialismo.

 

24.    As condições para a reciclagem do modelo passam pelo aprofun­da­mento do modelo de FHC, combinado com o esforço “exportador” do Delfim Neto da época final da  ditadura (o ministro do ‘exportar é o que importa’ e o mesmo que falsificou os índices de inflação para impor um tremendo arrocho sobre os trabalhadores) que também já vinha sendo perseguido pelo FHC do segundo mandato.

 

25. Isso pressupõe – repetimos – ataques duríssimos à classe trabalhadora e ao povo e condições terríveis para o próximo ano. O país, sob uma base de estagnação econômica, estará – como nos finais da ditadura – voltado para a exportação (sendo que hoje, exportará mais commoditties e menos produtos industrializados do que naquela época e em meio a uma crise mundial profunda), o que acarretará uma mistura de recessão interna com pressão inflacionária. Junto com isso, o governo ataca a Previdência Pública para privatizá-la, diminuindo ainda o salário também dos aposentados do serviço público e perseguirá ainda um patamar superior de flexibilização trabalhista. A burguesia – com a anuência e ajuda do governo – em nome de não “disparar a inflação”, vai querer impor um patamar ainda maior de arrocho. Os níveis de desemprego vão crescer. E os cortes nos gastos sociais vão se fazer sentir rapidamente, tanto nos serviços públicos, como nos investimentos e nos gastos sociais. A informação mais recente dá conta, de que sequer haverá verbas para cumprir a promessa do governo de assentar 100 mil sem-terras: meta em si pífia. A um ponto que o número de assentamentos do governo Lula poderão ficar abaixo dos de FHC!

 

26. Para atingir este “projeto”, entretanto, há mais de uma pedra no caminho. Primeiro, a burguesia que tem acordo no atacado com isso tudo, no varejo e na hora do vamos ver é “pragmática” ou anárquica, ou da turma do salve-se quem puder. Ela mesma não tem confiança cega de que isso vai dar certo e menos ainda de que não venha – independente do que eles querem e projetam – um descontrole pela frente. De modo que, com superávit de 4,5%, aumento de juros, juras de amor ao mercado e tudo o mais que o governo Lula tem feito se na conjuntura vários indicadores financeiros recuaram – risco Brasil, dólar, os títulos da dívida externa se valorizaram -, a inflação, entretanto, está de volta. Esta é em grande medida sub-produto da vulnerabilidade externa, já que as empresas endividadas em dólar dolarizam seus preços e também aquelas que importam componentes; é também sub-produto do exportar é que importa, mas é também produto da voracidade do conjunto da burguesia por aumentar suas margens de lucro e da desconfinaça da mesma acerca do futuro. Se isso vale para a burguesia brasileira, vale também e mais ainda para os capitais imperialistas que diante da crise externa e de um aprofun­damento da mesma podem deixar de entrar aqui de uma hora para outra e detonar – de novo – fuga de dólares tanto dos capitalistas estrangeiros, como nacionais, que têm bilhões nos paraísos fiscais.

 

27. Outra pedra no caminho são os trabalhadores e a maioria do povo. A insatisfação enorme contra toda essa situação, que derrotou eleitoralmente a burguesia e levou à vitória a Frente Popular, não será ainda maior diante de uma situação muito pior e sem perspectiva de melhora? Por quanto tempo o movimento vai suportar ver piorar seu nível de vida, dando crédito à mentira do governo de que o remédio amargo é temporário e em prol da mudança que eles esperam?

 

10 meses de governo Lula: os trabalhadores não têm o que comemorar

 

28. Após oito anos de governo FHC, os trabalhadores e o povo pobre do nosso país cansados de ver seu nível de vida se deteriorando, a elevação do desemprego, o arrocho dos salários, o crescimento do conflito no campo e a criminalização dos movimentos sociais, expressaram sua indignação e vontade de mudança com a eleição de Lula para presidente em 2002.

 

29. Em poucos meses a euforia das mudanças começa a se transformar em desilusão e indignação com a continuidade da política econômica de Pedro Malan levada agora por Antônio Palocci, que antes mesmo de sua posse assumiu o compromisso de garantir os contratos com o FMI e o pagamento das dívidas externa e interna. Logo no início do governo anunciou-se o aumento do superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB. A conseqüência disso: cortes no Orçamento da União que chegaram a R$ 15 bilhões e atingiram saúde, educação, moradia, reforma agrária e inclusive a vedete das políticas sociais compensatórias, o programa Fome Zero.

 

30. De janeiro a maio de 2003, o governo Lula “economizou” R$ 37 bilhões para pagamento da dívida pública interna, o que significou 5,73% do PIB (mais que os 4,25% acordados com o FMI). Como sempre, isso não foi capaz de pagar sequer os juros dessa dívida que chegam a R$ 65,3 bilhões.

 

31. Nesses dez meses de governo Lula, ao invés de ampliar o nível de emprego, rumo aos 10 milhões de postos prometidos durante a campanha eleitoral, vimos somente na grande São Paulo, o crescimento da taxa de desemprego atingir a casa dos 20%, o aumento da recessão e a perda do poder de compra dos trabalhadores (queda de 14,7% na renda do trabalhador, segundo o IBGE). A privatização das empresas estatais das áreas de energia elétrica e telefonia, bem como a criação das chamadas agências reguladoras, tem levado a sucessivos aumentos das tarifas públicas acima da inflação. Ao invés de realizar um processo de reestatização destas empresas, o governo se dispõe a obedecer os contratos de privatização e aumentos das tarifas.

 

32. O governo, além disso, aprovou uma lei de falências na qual as empresas que falirem deverão primeiro honrar seus compromissos com os bancos credores e só depois pagar suas dívidas trabalhistas, sendo portanto um presente aos banqueiros.

Em relação ao problema da terra, o governo não assentou o que prometeu durante a campanha eleitoral, reduziu verbas do ministério da Reforma Agrária, preservou todas as medidas jurídicas repressivas de FHC que proíbem a desapropriação de terras ocupadas e colocou no Ministério da Agricultura, um homem do agro-negócio, que defende o armamento dos fazendeiros contra os trabalhadores rurais sem-terra.

O governo Lula organizou ainda no Congresso uma unidade vergonhosa, tendo como parte da base aliada os deputados do PTB, PMDB, e PP, representantes dos interesses das grandes empresas multinacionais.

 

33. Enquanto os trabalhadores não têm o que comemorar, a burguesia e o imperialismo batem palmas. A votação da reforma da previdência em primeiro turno na Câmara e o encaminhamento das reformas tributária e trabalhista ao lado da tentativa de aprovação da independência do Banco Central - que coloca na mão de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco de Boston, o controle da política monetária do país - representam os pilares das primeiras grandes medidas tomadas pelo governo Lula.

 

Privatização da seguridade social: o verdadeiro objetivo da reforma da Previdência

 

34. A perspectiva do governo Lula é suprimir direitos trabalhistas, reduzir e até mesmo extinguir benefícios sociais para sobrar dinheiro para o pagamento da dívida externa e interna, imprimindo pesadas derrotas aos trabalhadores. Por isso, o principal objetivo da reforma da previdência não é atacar os altos salários de pretensos marajás (vide a manutenção dos salários milionários dos juízes, deputados, ministros e seus apadrinhados), mas transferir para o controle do capital volumosos recursos financeiros pagos pelos trabalhadores para a manutenção da Previdência pública.

 

35. Uma vez retirados do controle do Estado, todos esses recursos poderão ser destinados ao setor privado que já explora parte do serviço previdenciário. Por trás destas mudanças – antipopulares e contrárias aos interesses dos trabalhadores – estão os interesses dos banqueiros e das companhias seguradoras.

 

36. Com a reforma da previdência apresentada pelo governo Lula, se propõe quebrar os direitos históricos dos servidores, como a integralidade e a paridade, aumenta-se a idade mínima para aposentadoria, reduz-se as pensões, institui-se a contribuição dos inativos e abre-se espaço para a privatização através dos fundos de pensão.

 

37. Em sua defesa da reforma da Previdência, o governo parte da mesma lógica mentirosa de seu antecessor: de que a previdência é deficitária e que os servidores públicos são privilegiados. Mas a verdade é que a única crise da a Previdência Social se deve ao fato de haver sonegação por parte das grandes empresas, combinada com desvios das verbas da seguridade social para pagamento das dívidas externa e interna. Entre os principais sonegadores estão empresas de membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), que sozinhos devem R$ 1,4 bilhão, dentre eles a Sadia de Luiz Fernando Furlan (ministro do Desenvolvimento), as empresas do vice-presidente, José Alencar, além da Cia. Vale do rio Doce, Itaú, Santander/Banespa, Bradesco, ABN Amro/Real, Cia Suzano de Papel, Sucocítrico Cutrale e a ALCOA. Vale lembrar que ao invés de cobrar a dívida desses empresários privilegiados e sonegadores, Lula os premiou com a renegociação em longas e suaves prestações, preferindo atacar as conquistas dos trabalhadores.

 

38. Há mudanças necessárias na Previdência Social? Claro que sim. E elas começam com a revogação das medidas adotadas na reforma realizada por FHC: a volta da aposentadoria por tempo de serviço; a volta da aposentadoria especial para quem trabalha em área insalubre ou em trabalho penoso; a revogação do chamado fator previdenciário, do limite de idade para a aposentadoria, etc. Todas essas medidas resgatariam direitos que foram eliminados ou reduzidos por iniciativa de FHC.

 

39. Defendemos um sistema único de previdência social que:

a) Permita a unificação do sistema do setor público com o do setor privado, estendendo a todos os direitos conquistados em ambos;

b) Estabeleça uma previdência solidária, baseada no princípio da repartição (todos contribuem para garantir o benefício de todos) e não no princípio da capitalização;

c) Estipule um sistema único com direito à aposentadoria com salário integral; por tempo de serviço (mantendo-se a aposentadoria “especial” na educação);

d) Mantenha os regimes especiais para quem trabalha em ambiente insalubre ou em funções penosas, permitindo nestes casos aposentadoria em menor tempo;

e)Adote um mecanismo de correção do valor dos benefícios, assegurando-se de início, um expressivo reajuste para os aposentados que ganham salário mínimo e instituindo-se um mecanismo automático de correção do valor das aposentadorias para preservar seu poder de compra;

f) Garanta a administração dos recursos da Previdência Social por uma comissão composta por trabalhadores, aposentados e governo;

g) Valorize os servidores da Previdência Social, com salários e condições de trabalho dignos e plano de carreira que estimulem o trabalhador a exercer bem sua função;

h) Adote um sistema de controle e fiscalização que puna com todo rigor a sonegação (incluindo a eliminação das isenções atualmente dadas a entidades “filantrópicas”), a corrupção, etc.

 

Greve enfrentou com garra ataque do governo

 

40. Os servidores do Judiciário federal e do MPU, juntos com as demais categorias do funcionalismo público federal, fizeram uma heróica greve na primeira fase da batalha em defesa da Previdência Pública. Mesmo quando decidiu retomar o trabalho, a categoria aprovou a continuidade da luta para tentar barrar a aprovação do projeto privatizante imposto pelo governo. As mobilizações, com atos unificados, debates e corpo-a-corpo junto a parlamentares devem continuar agora no embate que se dá no Senado.

 

41. Nossa avaliação é que a greve foi bastante positiva, especialmente por ter sido o primeiro novimento paredista na história de nossa categoria que não tinha reivindicação de caráter econômico imediato. Fizemos uma greve eminentemente política, com um conteúdo de enfrentamento direto com o projeto governista. Buscamos, também pela primeira vez com tanta força, mostrar ao conjunto da população os danos causados à seguridade social e ao conjunto dos trabalhadores pela malfadada PEC-40. Em todo o país foram confeccionadas milhares de cartilhas, jornais e panfletos – em muitos lugares unificados com outras categorias – para esclarecer que a reforma proposta tem por objetivo apenas atender aos interesses do mercado financeiro internacional e do FMI e tinha como parâmetro e balizador os compromissos assumidos pelo governo junto ao FMI na carta enviada ao organismo em 28 de fevereiro deste ano.

 

42. Apesar das inúmeras dificuldades, conseguimos manter mais de um mês de greve em todo o país, precedida por algumas paralisações de advertência. As ilusões com o governo – que contava com índices de popularidades superiores à média da população (46% nos SPF’s e 40% no geral, segundo pesquisa da Folha/Ibope na época) no serviço público; a postura do descaradamente traidora da maioria da direção da CUT; a tramitação e votação da proposta no mês de julho, período que tradicionalmente os servidores tiram férias; e o fato do nosso vitorioso Plano de Cargos e Salários ainda não ter refletido claramente aumentos salariais para a categoria em função do parcelamento imposto por FHC; além, é claro, da incompreensão de parcela da categoria sobre o significado das perdas embutidas na reforma foram circunstâncias que dificultaram a deflagração da greve e o crescimento dos índices de adesão ao movimento. Também pesou o isolamento, que mesmo com todo o esforço das entidades que compõem a Cnesf (Coordenação Nacional das Entidades dos Trabalhadores do Serviço Público Federal) não foi rompido, e em função disso não conseguimos incorporar a esta luta o conjunto dos servidores municipais e estaduais e trabalhadores do setor privado. Mas é importante frisar que as dificuldades que encontramos na construção desta luta no Judiciario Federal e MPU também se refletiram no conjunto das categorias. Ainda assim, o funcionalismo chegou a quase 50 dias de greve.

 

43. E embora o governo tenha conseguido, literalmente na base da pancadaria contra os trabalhadores, aprovar o projeto em primeiro e segundo turnos na Câmara dos Deputados não foi como esperava. O governo contava com 380 a 420 votos e teve 358 na votação do relatório geral, cinqüenta a mais que o necessário. No dia seguinte, na aprovação da taxação dos aposentados, apenas 326 deputados votaram a favor. Dizemos apenas porque, como disse o próprio Lula em outros tempos, o Congresso Nacional é um covil de “picaretas”. Agora, parece que Lula se esqueceu disso ao se aliar com eles mediante troca de favores, liberação de milhares de reais para emendas pessoais e compra de votos, para retirar direitos conquistados a custo de muitos anos de luta.

 

44. Além disso, nossa greve também serviu para desmascarar perante a categoria os verdadeiros objetivos do governo com a reforma e que lado Lula escolheu ao sentar na cadeira presidencial. Ficou claro para o conjunto dos servidores públicos em todo o país o verdadeiro perfil do governo eleito sob o signo da mudança, que confundia e imobilizava parte das categorias do setor. Hoje, a ampla maioria do funcionalismo público já questiona o governo – o que é impressionante dado o fato de Lula ter sido depositário da confiança dos trabalhadores, especialmente do setor público, por mais de 20 anos e estar governando a menos de um ano. Além disso, a greve foi fundamental para romper o cerco da imprensa, que teimava em veicular campanhas de desmoralização do servidor, colocando as exceções como regras.

 

45. Diante do ataque que a reforma traz, não havia outra alternativa senão a construção da greve naquele momento. Nem mesmo na Mesa Nacional de Negociações que o governo fez instalar junto ao Ministério do Planejamento para negociar a pauta de reivindicações, houve qualquer espaço de negociação a respeito da Previdência. Além disso, qualquer negociação em torno a pontos específicos da proposta, como propunha a direção da CUT, seria, de conteúdo, uma traição aos trabalhadores, tendo em vista que o governo poderia até negociar algumas migalhas mas já estava claro desde o primeiro dia que não abriria mão do elemento central da reforma (a criação dos fundos de previdência privada e o fim da integralidade).

 

46. Infelizmente, os companheiros do Sindjus-DF não acompanharam as resoluções aprovadas em todas as nossas plenárias nacionais, que diziam claramente “Não à reforma privatizante e retirada imediata da PEC-40”. Os companheiros optaram pela política de negociação de emendas ao projeto, o que se confirmou como uma política errada por dois motivos: em primeiro lugar, porque a divisão da categoria enfraquece e não fortalece a luta. Em segundo lugar, porque alimentou esperanças de negociações que – se tívessem sido reproduzidas em nível nacional – levariam a categoria à desmoralização frente a tão brutal ataque, pois colocaria os sindicatos na posição de colaboradores da política de retirar direitos históricos em troca de migalhas.

 

Barrar as reformas tributária e trabalhista

 

47. Está no Congresso Nacional a reforma tributária que tem por objetivo desonerar a carga tributária sobre os grandes capitalistas, via redução do IPI, aumento dos impostos indiretos que atingem todo o povo, a transformação da CPMF em imposto definitivo, e centralização da arrecadação nos cofres da União para garantir o pagamento em dia das dívidas externa e interna. Esta última medida, inclusive, já estabelecida por FHC com a Lei de Responsabilidade Fiscal e aprofundada por Lula com a diminuição do repasse do Fundo de Participação dos Municípios, o que tem levado ao estrangulamento financeiro da maioria dos municípios e de vários estados do país.

 

48. Será encaminhada também brevemente uma reforma trabalhista, ampliando a retirada de direitos e conquistas. O próprio Ministro Jacques Wagner afirmou que se deveria eliminar a multa de 40% sobre o FGTS para demissões imotivadas. Com o alarde dessa declaração, o ministro a negou, mas fez uma declaração pior: propôs debater a mudança de todas as clausulas da CLT, colocando em risco conquistas como 13o salário, férias remuneradas e licença-maternidade, e ameaçando a luta pelo direito de greve e negociação coletiva dos servidores públicos.

 

49. Está colocada para todo o movimento sindical, inclusive as entidades do funcionalismo público e nossa Federação, a luta contra estas duas reformas (além é claro da retomada da luta contra a reforma do Judiciário nos moldes que vêm sendo propostos pelo governo e da qual trataremos mais adiante).

 

ALCA: Exigir o plebiscito oficial já para que os trabalhadores e o povo se manifestem sobre a proposta de recolonização 

 

50. Um dos fatos marcantes da luta dos movimentos sociais no ano passado foi o plebiscito sobre a ALCA. A participação popular foi muito expressiva, com mais de 10 milhões de pessoas votando na consulta contra a proposta de anexação dos países da América Latina como quintal dos Estados Unidos e a entrega da base militar de Alcântara (MA). O resultado do plebiscito extra-oficial refletiu o sentimento de rejeição aos planos imperialistas de recolonização da América Latina.

 

51. Um dado lamentável relacionado ao plebiscito foi o boicote feito contra ele por vários setores do movimento social. Alguns partidos, sindicatos e dirigentes não só boicotaram a consulta, como teceram comentários desrespeitosos à mobilização, entre eles o próprio Lula (que ainda nem era presidente à época). Uma deplorável demonstração de adaptação aos interesses dos monopólios e capitulação frente à investida do capital imperialista.

 

52. Agora, os movimentos sociais e a coordenação nacional da campanha contra o acordo de “livre comércio” estão na luta pela realização de um plebiscito oficial, a ser convocado pelo governo, sobre o tema.

 

53. Os primeiros passos da política externa do Governo Lula pareciam demonstrar que poderia haver alguma resistência aos ditames de Washington. Para o Itamaraty foram nomeados nomes expurgados de organismos internacionais pelo imperialismo por estarem a serviço da soberania dos povos, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Em seguida esboçou-se uma posição diferenciada dos Estados Unidos sobre o golpe na Venezuela, logo transformada pelo governo Lula numa proposta “amigos da Venezuela”, com a participação dos Estados Unidos, patrocinador da ação golpista.

 

54. No entanto, apesar da retirada do projeto referente a Base de Alcântara do Congresso Nacional, esse rompante de “independência” foi negado na prática porque o Brasil segue firme realizando negociações bilaterais com os EUA e com os países do Mercosul para garantir a implementação da ALCA nos prazos estipulados pelo imperialismo, assinando uma declaração conjunta propondo-se a implementá-la até 2005, pondo fim a nossa soberania.

 

55. Devemos exigir do governo Lula a imediata ruptura de relações políticas, econômicas e militares com o imperialismo norte-americano. Assim como, que o governo não estabeleça nenhuma colaboração com os planos militares do imperialismo para a América Latina, rompa imediatamente as negociações da Alca e realize o plebiscito oficial para que os trabalhadores e o povo brasileiros decidam se o país deve ou não aderir ao Acordo para Legalização da re-Colonização da América.

 

Não à CUT Chapa Branca

 

56. A Central Única dos Trabalhadores encontra-se numa encruzilhada: ou defende os interesses e reivindicações dos trabalhadores ou se conforma com o papel de correia de transmissão da agenda do governo Lula.

 

57. A independência política e organizativa dos trabalhadores diante do Estado, dos patrões e do governo é uma questão decisiva para a sobrevivência e fortalecimento dos sindicatos como legítimos representantes dos trabalhadores. Porém, esse princípio elementar foi completamente pisoteado pela Articulação Sindical quando o atual presidente da Central foi apontado e escolhido de fato pelo presidente da República meses antes do seu congresso: Luís Marinho tem, na prática, status de ministro, ou seja, trata-se do representante oficial do governo no movimento sindical. O episódio da sua escolha pelo próprio Lula para ser o presidente da CUT e a postura da central diante da reforma da Previdência deixa bem claro qual a escolha da Articulação Sindical: transformar a CUT numa Central Chapa Branca.

 

58. A postura da CUT diante da reforma da Previdência foi, para dizer o mínimo, vergonhosa. Em vez de denunciar a PEC-40 em sua essência, como o projeto que legaliza a privatização da seguridade social no Brasil, teve como orientação de fato a reivindicação de migalhas nos marcos dos planos do FMI.

 

59. Todas as correntes e sindicatos que seguem reivindicando um sindicalismo classista, democrático e de luta, independente do Estado e de todo e qualquer governo, aqueles que seguem reivindicando a tradição combativa que motivou a fundação da CUT devem buscar se organizar para dar a batalha desde dentro da Central contra os planos neoliberais do governo Lula e a política oficialista da Articulação Sindical. Particularmente, os sindicatos dos servidores públicos federais filiados à CUT podem e devem, a partir do exemplo de sua luta contra a reforma da previdência, encabeçar um movimento por uma CUT democrática, de luta e independente do governo.

 

60. Os trabalhadores de todo o país precisam saber que existem dois projetos em disputa dentro da CUT e que a luta entre estes dois projetos não está concluída, mas tão somente entra numa nova fase com a eleição de Lula para a presidência da República. É verdade que, por um lado, há a CUT da conciliação de classes, da parceria com a empresa, do banco de horas, da flexibilização da jornada, do sindicato “cidadão e propositivo”, chegando mesmo a formular políticas de governo e co-gestão das empresas. Mas, de outro lado, há uma CUT da luta de classes e da ação direta, do confronto com os patrões e o governo em defesa dos interesses dos trabalhadores, da defesa intransigente das conquistas sociais e trabalhistas, do sindicalismo combativo e socialista. Nas campanhas salariais e nas lutas contra as reformas neoliberais do governo Lula estes dois projetos para a CUT estarão se enfrentando em cada assembléia, em cada manifestação, em cada greve.

 

61. Mais do que nunca é preciso dar um novo rumo para a CUT, a partir do cotidiano da luta de classes. Não podemos simplesmente esperar o próximo congresso da Central para iniciar esta batalha e forjar uma nova direção. Ela foi inaugurada de fato com a greve dos funcionários públicos federais contra a reforma da previdência e deverá se desenvolver durante todo o governo Lula. Deste embate dependerá o futuro do movimento sindical brasileiro e o da própria Central.

 

62. Também não poderíamos deixar de expressar nossa opinião sobre as propostas de ruptura com a CUT e criação de uma nova Central, e particularmente sobre a fundação da CSP (Central dos Servidores Públicos). Como dissemos anteriormente, a disputa pelo perfil da CUT é uma luta em curso. Na nossa opinião é errado fundar hoje uma central apenas de servidores, em primeiro lugar porque divide a classe trabalhadora e enfraquece a luta contra os ataques que ainda estão por vir – como a reforma trabalhista. Em segundo, porque, particularmente a CSP nem de longe representa uma alternativa à CUT na luta em defesa de nossos direitos. Formada por sindicatos e federações de larga tradição de “pelegagem” e que nunca estiveram ao nosso lado nos confrontos que travamos com governos, patrões e administrações nos últimos anos – como a Anajustra – a CSP na verdade não passa de mais um instrumento burocrático para confundir ainda mais a consciência dos trabalhadores. A verdadeira luta que devemos travar caso sejamos derrotados na disputa pelo resgate do papel da CUT como a nossa central lutadora, democrática e autônoma, é pela construção sim de uma Central alternativa, mas não apenas com servidores. Sem uma parcela importante do operariado e dos trabalhadores do setor de serviços privados não teremos força para enfrentar os ataque que ainda serão impostos pelo governo e o neoliberalismo. Como diz o ditado popular: “os trabalhadores UNIDOS, jamais serão vencidos”. Não podemos ser nós, os trabalhadores que conseguimos construir em nossas bases a luta contra este governo, a dividir a classe. Nossa tarefa agora é aproveitar o processo que certamente se abrirá com o início da tramitação da reforma trabalhista, para alavancar um processo de construção do enfrentamento nos setores privados para posibilitar a ampliação da luta contra o governo e por uma Central de luta.

 

O CDES é a nova versão do Pacto Social

 

63. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) é um engodo policlassista. Reúne uma ampla maioria de empresários e alguns sindicalistas, dentre eles representantes da CUT, para pretensamente debater e aconselhar o governo sobre o caráter e o encaminhamento das suas políticas. É um engodo, por gerar a ilusão de que poderia ser possível um pacto entre trabalhadores e empresários para realizar as mudanças necessárias, a erradicação da pobreza e das injustiças sociais. Como se não houvesse luta de classes.

 

64. Esse novo modelo de pacto social só serve aos interesses da burguesia, pois aos trabalhadores caberia legitimar as decisões do governo e das grandes empresas nacionais e estrangeiras, nos seus interesses de exploração dos trabalhadores.

 

65. Devemos exigir que a CUT e demais entidades do movimento operário e popular se retirem do CDES e denunciem este organismo como um instrumento do governo de legitimação do neoliberalismo.

 

Propomos que a 11ª Plenária da Fenajufe aprove que vamos estar juntos com os demais trabalhadores do setor público e privado na luta pelos seguintes temas:

 

- Abaixo a reforma neoliberal da Previdência do governo Lula. Em defesa da previdência pública, universal e solidária.

 

- Não às reformas trabalhista e tributária do governo Lula. Em defesa de todas as conquistas dos trabalhadores como 13o. Salário, férias remuneradas e licença maternidade.

 

- Pela taxação dos lucros das grandes empresas e bancos; imposto sobre as grandes fortunas; fim da CPMF e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

- Ruptura imediata com a Alca e o FMI. Realização do plebiscito oficial já.

 

- Não pagamento das dívidas Externa e Interna aos banqueiros e especuladores.

 

- Não às reformas neoliberais do governo Lula: em defesa de todas as conquistas sociais e trabalhistas dos trabalhadores.

 

- Não à independência do Banco Central: Estatização do sistema financeiro.

 

- Fim das agências reguladoras de energia elétrica, telefonia e petróleo; reestatização das empresas privatizadas; controle dos preços das tarifas públicas pelas organizações dos trabalhadores.

 

- Reforma Agrária, sob controle dos trabalhadores, que exproprie o latifúndio. Liberdade para todos os presos políticos do MST e punição aos mandantes e assassinos de trabalhadores camponeses.

 

- Prisão e expropriação dos bens de todos corruptos e corruptores.

 

- Não à CUT Chapa Branca. Independência total da CUT em relação ao governo Lula e ao Estado. Em defesa de uma CUT, democrática, de luta, de classe e socialista.

 

- Que a CUT se retire do CDES e do Fórum Nacional do Trabalho denuncie seu caráter patronal e neoliberal.

 

- Exigir que Lula, o PT e o PCdoB expulsem os ministros burgueses do governo e governem para os trabalhadores, apoiando-se nas suas lutas e organizações.

 

avançar na luta por nossas reivindicações específicas

 

66. Depois de anos de muito embate e de termos conseguido aprovar a revisão do nosso PCS, sabemos que a luta pela recuperação salarial não se encerrou. A reposição das perdas salariais com o estabelecimento de uma política salarial para a categoria é uma bandeira de todos os servidores públicos, junto com o pagamento integral e imediato de todos os passivos trabalhistas acumulados ao longo dos últimos dez anos de neoliberalismo. Outra pauta que se coloca na ordem do dia para o início do próximo ano é a luta pela antecipação da próxima parcela de nosso PCS (prevista para janeiro de 2005). O parcelamento do PCS imposto pelo governo FHC levou a que a conquista histórica que obtivemos após mais 47 dias da maior greve de nossa categoria ficasse diluída e ameaçada pelo avanço da inflação. Conquistar a antecipação da integralização de nosso Plano de Cargos e Salários deve ser a bandeira prioritária de nossa Federação e sindicatos filiados na próxima campanha salarial, juntamente com a reposição das perdas salariais.

 

67. Além disso, temos ainda pela frente o combate às propostas de cerceamento dos direitos de greve e de organização sindical dos servidores públicos que tramitam no Congresso Nacional, por ordem do FMI. Esta deve ser mais uma das reivindicações específicas dos trabalhadores do Judiciário Federal e de todo o serviço público, conforme orientação da última reunião do Coletivo Jurídico da Fenajufe.

 

68. Outra luta, nesse caso no campo institucional, é a garantia de ingresso no serviço público exclusivamente por concurso. Esta bandeira, que deveria ser inalienável e reivindicada por toda a sociedade, assim como o Regime Jurídico Único para todos os servidores públicos e o fim do regime de emprego criado por FHC é mais uma das tarefas colocadas para o período. Nesse sentido, se conseguirmos a aprovação do PL-7493 (que cria cargos na Justiça Eleitoral) e a criação e implementação imediata de mais varas nos tribunais e fóruns federais – o que já foi aprovado na Justiça do Trabalho – daremos um enorme passo na luta pela valorização dos serviços e dos servidores públicos.

 

69. Temos que continuar lutando pela melhoria do orçamento do setor público a fim de avançar no sentido de um serviço público de qualidade e voltado para o povo pobre e a classe trabalhadora. Somente no governo FHC foram surrupiados dos servidores públicos mais de cinqüenta direitos previstos na Lei n.º 8.112/90, através de medidas provisórias inconstitucionais referendadas pelo Congresso Nacional e legitimadas pelo Supremo Tribunal Federal. Junto com isso, vimos os investimentos financeiros no Judiciário Federal – assim como no conjunto do serviço público – minguar ano a ano. Por isso, continuaremos lutando por um serviço público de qualidade, pela manutenção dos direitos e pelo aproveitamento dos recursos da evolução tecnológica por todos os trabalhadores, o que implica, necessariamente, na redução da jornada sem redução salarial e conseqüente abertura de novos postos de trabalho. Mas, queremos também seguir a luta para que todos os direitos retirados sejam retomados.

 

Desenvolver uma campanha nacional contra o assédio moral

 

70. O Assédio moral pode ser definido de maneira geral como atos perversos praticados por superiores hierárquicos contra seus subordinados. Na verdade, são condutas abusivas que visam demarcar o espaço do poder. O agressor faz um bloqueio constante e permanente ao assediado que se repete por toda jornada por meio de gestos, ironias, desqualificações, ridicularizações, palavras ofensivas e ameaçadoras que atingem a dignidade, identidade e saúde dos trabalhadores, degradando as condições de trabalho e as relações interpessoais. O assédio moral coloca em risco a permanência no emprego e até mesmo a vida das vítimas.

 

71. Embora não seja um fenômeno novo, tem sido pouco discutido nas entidades representativas dos trabalhadores do Judiciário Federal, apesar de termos aprovado em nossa última plenária nacional a realização de uma campanha de esclarecimento e combate ao tema.

 

72.Enquanto isso, vemos avançar no locais de trabalho em todo o país as ameaças veladas ou diretas a grevistas e/ou servidores que se insurgem contra o massacre cotidiano imposto nos tribunais; a sobrecarga de trabalho ou impedimento do mesmo, com a negação de informações; o desvio de função ou retirada do material necessário à execução da tarefa, impedindo o trabalho; a exigência de que se faça horários fora da jornada em limites dezumanos (o que, inclusive, já causou vários enfartos e derrames em São Paulo, assim como a morte de uma servidora atropelada em frente ao TRF-3 ao sair do trabalho às 4 horas da manhã). Enfim, a lista de ataques que sofremos todos os dias é enorme.

 

73. Devemos retomar já a campanha de combate ao assédio moral no Poder Judiciário, que passa pela conscientização de que é falsa a concepção de que o servidor é um dos responsáveis pela ‘lerdeza’ do trâmite judicial, e que a “necessidade” de maior produtividade por parte do funcionário e os novos métodos de gerência que colocam as pessoas em competição pelo cumprimento de metas é na verdade uma agressão aos trabalhadores da categoria.

 

74. O combate eficaz ao assédio moral no trabalho exige – além da denúncia embasada em informações precisas sobre os ataques por parte da vítima - a unidade entre sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o tema para a realização de tal campanha. Além disso, temos que exigir que todos os departamentos médicos dos tribunais de todo o país respeitem a resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina, que em seu artigo 2º diz o seguinte: "para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: a história clínica e ocupacional (decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal); o estudo do local de trabalho; o estudo da organização do trabalho; os dados epidemiológicos; a literatura atualizada; a ocorrência de quadro clínico ou sub-clínico em trabalhador exposto a condições agressivas; a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes, e outros; o depoimento e a experiência dos trabalhadores; os conhecimentos e práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área de saúde."

 

75. Apresentamos abaixo algumas medidas a serem incluídas no nosso plano de lutas, que compreendemos ser de extrema importância para a luta contra o assédio moral:

- elaboração de uma cartilha de combate ao assédio moral, a ser distribuída a toda a categoria;

- organizar debates nos locais de trabalho sobre o tema;

- organizar pesquisa junto à categoria sobre o tema, para aferir a incidência do assédio moral;

- pautar nossos jornais sindicais sobre o tema.

- campanha nacional de combate aos agressores, com denúncias nos jornais e outros meios de comunicação de nossos sindicatos e o encaminhamento de medidas jurídicas cabíveis contra os agressores.

- Pressionar o Congresso Nacional para que aprove a legislação federal que há anos tramita no parlamento.

- criação de estrutura dentro do sindicato para atender as vítimas.

 

Reforma do Judiciário

 

76. Na onda da política de desmonte do Estado e retirada de direitos aberta com as reformas da Previdência e Tributária, que vai prosseguir com a reforma trabalhista, também está na pauta do Congresso Nacional e do governo a reforma do Poder Judiciário. Esta última, de extrema importância para o futuro político brasileiro, e para o nosso próprio futuro enquanto trabalhadores deste poder, sobre a qual pouco se está discutindo inclusive entre nós.

 

77. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC-29), que tramitou no ano passado na Câmara dos Deputados saiu de lá com alguns pontos positivos, como a retirada da proposta de extinção da Justiça do Trabalho. No entanto, nada avançou em relação à democratização do Poder Judiciário e do MPU. O projeto continua tramitando com a lógica de atendimento apenas aos interesses das elites, não contemplando os anseios dos trabalhadores e nem a atenção prioritária aos usuários, com a aceleração do andamento processual. Estão mantidos, por proposição da cúpula do Judiciário ao senado, a súmula vinculante; a adoção dos títulos sentenciais liquidos e certos emitidos pelo juízo de execução e que podem ser negociados no mercado financeiro, em substituição aos precatórios; a irrecorribilidade das decisões nos recursos ordinários no STJ; e uma proposta de “controle externo” do Judiciário sem a participação da sociedade. Também estão sendo propostas a alteração da competência da Justiça do Trabalho para que esta passe a julgar ações que envolvam servidor público das três esferas de governo (União, Estados, Municípios).

Sem falar que é necessário lutar pela revogação da lei que criou as comissões de conciliação prévia e tribunais arbitrais – verdadeiros instrumentos de privatização do Judiciário. 

78. A retomada da discussão sobre a reforma do Judiciário é urgente. Atualmente a matéria está sendo discutida praticamente apenas no âmbito das associações de magistrados, da OAB e do STJ. Nós, do Judiciário e do MPU já aprovamos em fóruns de nossa categoria que a democratização da Justiça, o fim do atual critério de nomeação dos ministros para ocupar a cúpula do Judiciário e da súmula vinculante, e o controle social do Judiciário são as principais alterações a serem feitas. Precisamos voltar a apreciar o assunto e intervir politicamente na busca de um Judiciário independente, democrático, sem corrupção e voltado para os trabalhadores. 

 

PROPOSTA DE MOÇÃO 

Todo apoio à luta dos trabalhadores bolivianos contra o imperialismo e seus agentes assassinos

 

79. A heróica luta dos trabalhadores e camponeses bolivianos para impedir o governo do agente do imperialismo, Gonzalo Sánchez Losada, o “Goni”, de entregar o gás para as empresas norte-americanas a preço vil levou a uma insurreição que polariza todo o país e derrubou o presidente. O gás boliviano é a segunda reserva do mundo e os saqueadores imperialistas e seus asseclas nativos - que vêm aplicando impiedosamente o neoliberalismo, privatizaram todas as principais empresas e já roubaram a prata e o estanho do país - pensavam em completar o roubo sem reação popular. No entanto, os trabalhadores e o povo boliviano perderam a paciência e saíram a enfrentar o “gringo”.

 

80. O que passa na Bolívia é do interesse de todos os trabalhadores e povos latino-americanos. Assim como em 1952 a grande revolução boliviana mostrou a possibilidade de um processo revolucionário operário na América Latina, agora a greve geral com bloqueio de estradas pôs abaixo um governo que se notabilizou por seu servilismo ao grande amo do norte.

 

81. A vitória dos trabalhadores bolivianos na construção de um governo seu será uma vitória de toda a América Latina contra as burguesias entreguistas e o imperialismo norte-americano. Seria uma vitória contra a ALCA, contra o FMI, pela defesa da independência nacional contra a submissão ao imperialismo e contra os governos colonizados que reprimem seus povos. Devemos rodear de solidariedade essa luta e aprovar em todas as organizações sindicais e populares o apoio ao levante dos trabalhadores bolivianos.

 

- Todo apoio à luta do povo boliviano! 

- Por um governo dos trabalhadores e camponeses! 

ASSINAM: Ana Luiza de Figueiredo Gomes (coordenação executiva da Fenajufe); José Carlos Sanches (coordenação executiva da Fenajufe e do Sintrajud); Cláudio Antônio Klein (coordenação executiva do Sintrajud); Ronald de Carvalho Fumagali (coordenação executiva do Sintrajud); João Flávio Ribeiro (JF/Florianópolis); Elacy Carmen Presser Marocco (4ª Vara Federal/Florianópolis); Sérgio Murilo de Souza (4ª Vara Federal/Florianópolis); David Ernesto Landau (TRT 4ª Região Rio Grande do Sul). 

 

 

OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES FEDERAIS

UM SEGMENTO INCOMPREENDIDO DO JUDICIÁRIO FEDERAL CADA VEZ MAIS ORGANIZADO

 

 

1.                   Há um ano atrás, em Encontro Nacional de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (OJAF´s), realizado em São Luís, Maranhão, foi entregue à FENASSOJAF – Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais documento assinado pela Diretoria Executiva da FENAJUFE, reconhecendo a necessidade de aperfeiçoar o empenho na luta dos interesses específicos desse segmento, e  oferecendo a sua disposição de atuação conjunta no encaminhamento dos interesses e necessidades comuns dos OAJF´s.

 

2.                   Tal documento: “A FENAJUFE e os Oficiais de Justiça Avaliadores Federais!, com a íntegra do seu conteúdo, segue ao final da presente tese.  Desde então  evoluímos no sentido de socializar a compreensão da difícil realidade do cotidiano dos OJAF´s aos demais companheiros trabalhadores  do Judiciário Federal que não são Oficiais de Justiça Avaliadores, em especial aos seus dirigentes nos sindicatos e na nossa federação (FENAJUFE).

 

3.                   É uma tarefa difícil e a responsabilidade é de ambos os lados: dos dirigentes e companheiros não Oficiais que não se preocupam em conhecer e entender a nossa realidade; mas também é nossa, pois os OJAF´s, vendo-se incompreendidos,  isolam-se ainda mais na sua função; que é já cumprida de forma solitária e  isolada do convívio dos colegas, no seu local de trabalho, que é na rua, sempre em locais diferentes e variados, desde os mais inóspitos, aos mais afastados, insalubres, agressivos e perigosos, assim como muitas vezes estranhos.

 

4.                   Houve um pequeno avanço institucional com a criação de uma instância interfederativa denominada Coletivo Interfederativo de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (CIOJAF), composta por 16 (dezesseis) integrantes, metade indicado pela FENAJUFE e a outra metade pela FENASSOJAF, cuja forma de funcionamento segue informada ao final do presente texto.

 

5.                   Urge agora, ainda este ano, aprovarmos e instalarmos um Coletivo dos OJAF´s dentro da nossa federação (FENAJUFE), onde se congregariam todos os OJAF´s que foram ou sejam diretores executivos dos sindicatos do Judiciário Federal, ou lideranças deles, coordenadores dos Núcleos de Oficiais já existentes, a saber: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro etc.

 

6.                   A idéia é de um coletivo aberto à participação dos não Oficiais que sejam diretores executivos dos sindicatos do Judiciário Federal, e principalmente pelos diretores da FENAJUFE, para que compreendam a, para nós tão evidente, distinção da realidade do cotidiano dos restantes companheiros não Oficiais do Judiciário Federal, o motivo da necessidade de nos organizarmos em Núcleo de Oficiais e Coletivo, e porque existem associações de Oficiais (ASSOJAF´s) e uma Federação de associações de Oficiais (FENASSOJAF).

 

7.                   A proposta de funcionamento é simples e segue em anexo à esta tese, ao seu final, sendo que temos agora nessa Plenária a possibilidade efetiva de discutirmos a sua instalação ainda este ano, para que a partir do próximo ano possamos discutir suas peculiaridades e capacitarmos a FENAJUFE a se fazer representar à altura na instância interfederativa já aprovada – o CIOJAF.

 

8.                   Esse é o desafio que se impõe: Avançar na capacitação e qualificação de nossos lideres e dirigentes, Oficiais ou não, na proposição, encaminhamento e solução das questões específicas dos OJAF´s, conforme compromisso assumido com a instalação do CIOJAF, reiterado e reafirmado no último Encontro Nacional dos OJAF´s, realizado em Salvador – Bahia, em 25, 26 e 27 de setembro passado.

 

9.                   Cumpre informar que daqui a um ano, no Rio Grande do Sul, no próximo Encontro Nacional de OJAF´s a ser promovido pela FENASSOJAF e, caso avancemos nessa parceria institucional, com a colaboração também da FENAJUFE, será avaliada tal parceria, bem como o Coletivo Interfederativo (CIOJAF) recém criado, verificando a real efetividade e os resultados positivos e/ou negativos dessa proposta de trabalho conjunto entre as duas federações.

 

10.              Caso não prospere tal possibilidade histórica que ora se apresenta, estamos sujeitos a nos descredenciarmos perante este segmento da categoria, o que prejudicará todo o esforço no sentido de manter a unidade de luta da categoria trabalhadora do Judiciário Federal, que é o fundamento da nossa visão classista que pauta todas as nossas ações e decisões.

 

11.              Cabe a todos nós transparecer a verdadeira realidade do cotidiano do OJAF e a necessidade de aperfeiçoar a sua organização e provocar  uma maior inserção dos OJAF´s nas questões gerais da categoria, bem como derrubar as separações que ainda prosperam no seio da categoria , tanto do lado dos Oficiais  como dos não Oficiais.

 

12.              Só o tempo e a história de luta e participação vão dizer qual é o melhor rumo, formato, critérios e forma de organicidade que contemple adequadamente os legítimos interesses e as reais necessidades desse segmento tão peculiar, quanto estigmatizado e incompreendido, com atribuições muito diferenciadas e cotidiano de vida pessoal e familiar tão submetido e afetado por esse diferencial. O tempo é o Senhor da Razão!

 

Ribeirão Pires, 09 de outubro de 2003.

 

ASSINA: Ivo Oliveira Farias – Oficial de Justiça Avaliador da Vara do Trabalho de Ribeirão Pires – SP (TRT/ 2ª Região).

Diretor de Base do SINTRAJUD e Integrante do Núcleo de Oficiais de Justiça. 

 

Anexo à tese, pela ordem:

1 – “A FENAJUFE e os Oficiais de Justiça Avaliadores Federais”

2 – Resolução FENAJUFE/FENASSOJAF que cria o CIOJAF.

3 – Proposta de Regimento do Coletivo Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais da FENAJUFE. (CNOJAF/FENAJUFE).

 

 

I - A FENAJUFE E OS OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES FEDERAIS

 

A Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU, como entidade máxima de representação da categoria, considerando a insuficiente discussão e encaminhamentos não eficazes, nos planos de lutas de alguns sindicatos e da federação, das demandas específicas dos Oficiais de Justiça Avaliadores e buscando garantir o espaço de todos os seus segmentos na perspectiva de unificação da luta, apresenta  as seguintes considerações e propostas, a saber:

 

1.    A FENAJUFE coloca-se à disposição para encaminhamento ou acompanhamento de reivindicações dos Oficiais de Justiça Avaliadores, em atuação conjunta com as demais entidades representativas;

 

2.    Respeitando a atual autonomia organizativa desse setor da categoria, propõe a união de esforços e estruturas, na busca de melhores resultados para os pleitos dos Oficiais de Justiça;

 

3.    Participação da FENAJUFE nos fóruns e eventos dos Oficiais de Justiça, assim como a participação dos mesmos nas discussões de seus interesses nos eventos da Federação;

 

4.    Recomendar aos sindicatos, intercâmbio com as organizações dos Oficiais de Justiça Avaliadores;

 

5.    Recomendar aos sindicatos a criação de núcleos específicos para discussão e atendimento das demandas dos Oficiais de Justiça Avaliadores a eles filiados;

 

Diretoria Executiva da Fenajufe

 

II - Resolução Fenajufe/Fenassojaf

 

“Implementa o protocolo informal entre as partes”.

 

Cláusula Primeira

 

A presente resolução bilateral cuida da constituição do Coletivo Interfederativo de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais, no âmbito da Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais -  FENASSOJAF - com sede em  Brasília, DF no SCS, Quadra 06,  Bloco “A”, Ed. Carioca, Sala 312 , Cep. 70300-968, telefone (0**61) 322.9019 e da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE - com sede em Brasília, DF no SCS, Quadra 01, Bloco “C”, Ed. Antônio Venâncio da Silva, 14º Andar, Cep. 70395-900, telefone (0**61) 322.7061, dos seus princípios; objetivos; estrutura; composição e funcionamento.

 

Cláusula Segunda - Princípios

 

O Coletivo de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais – CIOJAF, adota como princípios fundamentais: os postulados democráticos; de co-participação e de autonomia das partes, assim como dos seus respectivos filiados;

 

Cláusula Terceira - Objetivos

 

O CIOJAF tem como principal meta a luta pela preservação e conquista de direitos dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais, nas esferas administrativa, política e/ou judicial;

 

Parágrafo Único – Também é meta do CIOJAF estimular a criação de Núcleos de Oficiais de Justiça e Associações de Oficiais de Justiça nos Estados e, bem assim, formular campanhas conjuntas de filiação.

 

Cláusula Quarta - Estrutura

 

O CIOJAF contará com a estrutura física, financeira e organizacional da Fenassojaf e da Fenajufe e, estas estimularão os seus filiados no sentido de colaborarem para os fins almejados.

 

Cláusula Quinta - Composição

 

O CIOJAF será composto de forma paritária entre as federações, com  oito (08) representantes indicados por cada uma, devendo necessariamente ser oficiais de justiça avaliadores de carreira.

 

§ 1º - As federações observarão, nesta indicação, sempre que possível, a representação proporcional das cinco (05) regiões do país;

 

§ 2º - Os representantes indicados das regiões geográficas do país necessariamente consultarão os O.J.A.F. dos Estados respectivos quanto à realidade e demandas específicas;

 

Cláusula Sexta – Funcionamento

 

O CIOJAF será instalado no Distrito Federal utilizando-se das instalações e do pessoal disponível nas duas Federações, mediante consenso, dependendo do evento.

 

Nas páginas e nas sedes das Federações haverá informações disponíveis aos interessados, assim como, a Fenajufe disponibilizará espaço no seu jornal para notícias de interesse dos O.J.A.F., assim estimulará seus filiados a fazer o mesmo.

 

§ 1º - As reuniões ordinárias do CIOJAF serão semestrais podendo ser extraordinários, desde que requeridos por qualquer das Federações;

 

§ 2º - As reuniões poderão ser realizadas em qualquer Estado mediante consenso das duas entidades.

 

§ 3º - As pautas das reuniões ordinárias serão definidas e comunicadas com até vinte dias de antecedência da realização do evento.

 

§ 4º - A organização das reuniões ficará por conta das entidades anfitriãs e os representantes dos O.J.A.F., nas regiões, em parceria com as Federações.

 

§ 5º - Todos os encaminhamentos e deliberações do CIOJAF serão registrados em atas e divulgados nas páginas das Federações, assim como, estas registrarão os resultados obtidos do semestre  anterior; plano de lutas, suas metas, estratégias, calendário, pessoal e entidades envolvidas;

 

Cláusula Sétima

 

As omissões, dúvidas e controvérsias relativas à aplicação da presente Resolução serão dirimidas pelo CIOJAF.

 

Parágrafo Único - Compete ao CIOJAF a modificação da presente Resolução, editar normas de interpretação, bem como adotar providências para uniformizar procedimentos.

 

 

Brasília – DF, 27 Julho de 2003.

 

Relator – José Pereira Neto (Fenajufe)

 

 

III – PROPOSTA DE REGIMENTO DO COLETIVO NACIONAL DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA AVALIADORES FEDERAIS DA FENAJUFE

 

1 – COMPOSIÇÃO:

 

Dois (2) Oficiais sindicalizados, por entidade sindical filiada à Fenajufe.

 

2 – CRITÉRIO DE ESCOLHA:

 

Os dois Oficiais serão escolhidos obedecendo ao seguinte critério de preferência:

 

1º) Diretor executivo do sindicato que coordene o Núcleo de Oficiais;

2º) Diretor executivo do sindicato;

3º) Integrante da Coordenação do Núcleo de Oficiais ( ou Comissão);

4º) Participante ativo e assíduo das reuniões do Núcleo de Oficiais.

 

3 – CRITÉRIO DE GARANTIA DE CONTINUIDADE E ACÚMULO DAS DISCUSSÕES:

 

Um dos dois Oficiais deverá, na medida do possível, ser sempre o mesmo, e será o que no sindicato goze da melhor preferência de escolha anteriormente elencada.

 

 

4 – CRITÉRIO DE ROTATIVIDADE, GARANTINDO A AMPLIAÇÃO DA DIVERSIDADE DE VISÕES E COMPREENSÕES DA REALIDADE DOS OFICIAIS:

 

O segundo (2º) Oficial deverá ser escolhido segundo os quatro critérios já mencionados, assegurando que não seja o mesmo escolhido de reuniões anteriores, sempre que for assim possível.

 

5 – PERIODICIDADE:

 

a)    Ordinariamente Bimestral, com um mês de antecedência de convocação;

b)    Extraordinariamente, a qualquer tempo, desde que com duas semanas de antecedência de convocação.

 

6 – FUNCIONAMENTO:

 

Sem caráter deliberativo, só será encaminhado o que resultar do consenso amplo e geral, ainda que não seja unânime, desde que não gere controvérsia, nem se contraponha aos princípios classistas e cutistas.

 

7 – DIREÇÃO DOS TRABALHOS:

 

A cada reunião do Coletivo Nacional será dada a preferência para a direção dos trabalhos ao Oficial indicado pelo próprio Coletivo Nacional para a Presidência, sendo a Secretaria e Relatoria indicada a Oficiais de sindicatos que já tenham Núcleo de Oficiais, sempre levando em conta o consenso mais amplo e geral obtido no início da reunião.

 

8 – REQUISITO FUNDAMENTAL

 

As reuniões do Coletivo Nacional deverão, na medida do possível, contar com a presença dos Diretores Executivos da FENAJUFE, para que seja  assegurada a compreensão da realidade dos Oficiais.

 

9 – PARCERIA INSTITUCIONAL:

 

O Presidente da FENASSOJAF, ou seu substituto legal, é membro integrante do Coletivo Nacional, sendo que os demais integrantes da diretoria da FENASSOJAF serão sempre convidados  a participarem das reuniões do Coletivo Nacional, em respeito à notória capacidade e importância de tais dirigentes e também para que seja assegurada a compreensão da visão classista e cutista de luta em conjunto com toda a categoria do judiciário Federal, e da necessidade de inserção do Oficial no contexto de contraposição engajada e unida frente à continuidade do projeto neoliberal de extinção dos direitos da classe trabalhadora, onde nesse instante os servidores públicos são a bola da vez, bem como a compreensão dessa temerária conjuntura.

 

10 – PUBLICIDADE E COMPROMISSO:

 

Todas as conclusões e encaminhamentos serão amplamente divulgados no Boletim Informativo da FENAJUFE e no seu Jornal, assim como nos órgãos informativos dos sindicatos, sendo que todos, Oficiais e  e Diretores da FENAJUFE, se encarregarão de garantir o cumprimento, salvaguardando o compromisso assumido de revalorizar esse segmento importante da Categoria Judiciária Federal e suas diversas peculiaridades.

 

Ribeirão Pires, 19 de maio de 2003 ( segunda-feira)

 

Proposta de Regimento do Coletivo Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores  Federais da FENAJUFE.

É uma Carta de Princípios em caráter Regimental, porém sem formato de Regulamento.  Seu intuito é apenas nortear o funcionamento, sem burocratizar, evitando a escravização normativa.

Não tem caráter deliberativo porque não é, pelo menos ainda, uma instancia de direção prevista estatutariamente.  Seria prematuro tal tipo de avanço.

O tempo é o senhor da razão ! Só o tempo e a história de luta e participação vai dizer o rumo, o formato, os critérios e a melhor forma de organicidade que venha a contemplar os interesses e as necessidades desse segmento tão peculiar do Judiciário Federal, que são os Oficiais de Justiça.

 

ASSINAM: Ivo Oliveira Farias (Oficial de Justiça Avaliador da Vara do Trabalho de Ribeirão Pires/SP, Diretor de base do Sintrajud e Integrante do Núcleo de Oficiais de Justiça Avaliadores do Sintrajud/SP) e Luiz da Silva Falcão (Oficial de Justiça Avaliador, Coordenador de Finanças do Sintrajud e Coordenador do Núcleo de Oficiais de Justiça Avaliadores do Sintrajud/SP)

 

 

 

FUNÇÕES COMISSIONADAS: PRÊMIO OU INSTRUMENTO DE MANIPULAÇÃO?

 

 

1. O debate sobre o caráter das funções comissionadas em nossos fóruns de discussão e deliberação há muito vem sendo adiada, porque o trato do tema virou tabu e causa incômodos que muitos sindicalistas tentam evitar. Mas, ele é necessário e urgente.

 

2. O tema das funções comissionadas chegou a ser introduzido durante a realização da IX Plenária Nacional Extraordinária da FENAJUFE. A época causou muita polêmica e diversos constrangimentos, mas findou por ser abandonada sob a alegação de que “o assunto não havia sido discutido com as bases”. De lá para cá não se falou mais nisso. Porém, decidimos tomar a iniciativa de instigar o assunto em tese para a 11ª Plenária da FENAJUFE para possibilitar o amplo debate na categoria sobre o tema.

 

3. As funções comissionadas, sua classificação, valores e destinação estão descritos nas Leis que instituíram os Planos de Cargos e Salários (PCS) do Judiciário Federal e do MPU. Inegavelmente, após a aprovação das Leis nº 10.475/02 e 10.476/02 que instituíram os novos PCS do Judiciário e MPU, respectivamente, houve avanços significativos quanto à destinação das FC’s, garantindo as chamadas “reservas de mercado” para os servidores do quadro efetivo. Ficou garantido a exclusividade das FC’s de 1 a 6 para os trabalhadores concursados, podendo os dirigentes dos Tribunais e das Procuradorias nomearem pessoas indistintamente para as FC’s de 7 a 10. Entretanto, se todas as Funções Comissionadas fossem destinadas exclusivamente aos trabalhadores da carreira judiciária ou ministerial resolveria o problema que envolve esse instrumento?

 

4. As FC’s, como todos sabem, são de livre nomeação e exoneração. Cabe aos dirigentes máximos dos Tribunais e dos ramos do MPU indicarem livremente quem deve e quem não deve exercer as tais funções. Neste caso, as FC’s tornaram-se verdadeiros instrumentos de manipulação e opressão dos trabalhadores, constituindo-se numa verdadeira arma a serviço do conservadorismo predominante em nossos locais de trabalho. Ora, porque funcionam como um falso complemento salarial, ora porque confronta trabalhador contra trabalhador, criando verdadeiras castas de privilegiados dentro do mesmo local de trabalho, sendo que os critérios para a ocupação dessas FC’s é nenhum ou, pior, a pura e simples subserviência à vontade dos mandatários conservadores. Quantos trabalhadores conhecemos que não participam dos fóruns da categoria, das manifestações ou de uma simples assembléia do sindicato porque temem perder a FC? Quem não presenciou um caso em que um(a) companheiro(a) “engajado(a), combativo(a)” de repente abandona a luta cooptado(a) por uma nomeação para ocupar determinado cargo comissionado?

 

5. O nepotismo é outra faceta da FC. Tempos atrás a tentação de empregar parentes na máquina pública ocorria por omissão legal. Brechas ou omissões das leis permitiam que políticos e dirigentes de Órgãos das três esferas nomeassem quem bem entendessem para ocupar cargos na administração pública. Porém, com a promulgação da Constituição Federal do 1988 e a instituição do concurso como única via de acesso ao serviço público, as elites nacionais encontraram nos chamados “cargos de confiança” a brecha necessária para continuar beneficiando parentes e amigos com polpudos salários pagos pelo erário. Ora, se estes cargos são de livre nomeação e exoneração e são, como dissemos, “de confiança”, então como lhes negar que nomeiem seus próprios entes para ocupar tais cargos? Combater o nepotismo sem combater as FC’s da forma como estão hoje (des)regulamentadas, beira a hipocrisia!

 

6. Chegamos a um nível tal de complexidade desse instrumento denominado FC, que hoje é permitido aos dirigentes dos Órgãos judiciários e ministeriais desmembra-las para atender a um número maior de “clientes”. A nova faceta da “guerra fratricida” é a batalha de alguns pela preservação do valor das funções mais robustas que detêm contra “os sem-função” que torcem pelo desmembramento para poderem desfrutar das “benesses” remuneratórias proporcionadas, artificialmente, pela FC. Esta realidade humilha trabalhadores, corrompe corações, aniquila o princípio básico da luta dos trabalhadores: a solidariedade.

               

7. Os exemplos dessa realidade bizarra são muitos. Temos o caso dos trabalhadores da Justiça Eleitoral da Bahia que tiveram que amargar verdadeiras milícias dentro dos seus locais de trabalho bancadas pelas FC’s. Muitos casos de luta incessante contra requisições foram narrados nos fóruns da categoria por sindicalistas. Em Alagoas vivenciamos casos concretos de exonerações de servidores de suas FC’s, porque aderiram a movimentos paredistas da categoria. Fomos testemunhas da ação de certo dirigente do MPU que impôs a uma liderança sindical fazer a opção entre continuar dirigente sindical ou assessora em seu gabinete, porque pegava “mal ter uma sindicalista em seu gabinete”.

               

8. Há os que acreditam que a função comissionada tem a vantagem de “premiar os bons servidores” ou de motiva-los. Mas, analisando o fato sob a ótica das teorias da motivação humana, constatamos que salário não é fator de motivação para o trabalho. Por outro lado, o reconhecimento profissional e o status profissional são fatores de motivação. A depender dos critérios, ou da falta deles, utilizados para indicar quem deve ocupar uma FC, corremos o sério risco de vermos uma desvirtuação total de valores éticos nos locais de trabalho, pois a noção de ego-status definida pelos dirigentes das instituições pode destoar sobremaneira dos propósitos que propugnamos na organização dos trabalhadores como igualdade e solidariedade.

 

9. Por todas estas razões aqui expostas, defendemos a tese de que as funções comissionadas são um entrave à organização dos trabalhadores judiciários e ministeriais. Portanto, deve ser objetivo dos dirigentes sindicais encaminhar a discussão sobre o tema nas bases, abdicando do constrangimento de enfrentar um debate tão ácido como este, pois a sua relevância está diretamente relacionada ao avanço da conscientização e organização dos trabalhadores. Por isto propomos:

 

  1. a realização imediata de palestras, debates e seminários sobre o tema em todos os locais de trabalho;

  2. a definição de planos de carreiras para os trabalhadores judiciários e ministeriais que restrinja a existência das FC’s apenas aos cargos de direção, com valores rebaixados e exclusivamente destinadas a servidores do cargo efetivo;

  3. criação de um manual de procedimentos com as regras básicas para a nomeação para os cargos de direção;

  4. a valorização do salário do cargo efetivo;

  5. a incorporação da discussão sobre as FC’s ao plano de lutas da FENAJUFE.

 

Maceió, 20 de outubro de 2003.

 

ASSINA: José Moraes Júnior, servidor MPT/AL

 

 

A Sociedade do Fruir e a Sociedade do Trabalho Compulsivo

1. Um belo dia seu pai te chama e te diz:

Filho, você precisa tomar um rumo. Você precisa ser alguém na vida.

Você então descobre que não é nada. Que sua vida até aquele momento nada foi, porque você é ninguém. Mas, como pode? Como será que você, nesta época na adolescência, ou pouco depois dela, não ser nada, não significar como pessoa coisa nenhuma?

 

2. Este diálogo muito real e comum revela muito do Fetiche da Mercadoria da nossa sociedade. Demonstra que tudo tem que passar pelo buraco de agulha do Valor para ser reificado e incorporado no mundo “real”. Enquanto você nada possui, você não é nada. Nem mesmo é humano. Sua humanidade, existência, sentido de existir tem de estar corporificado em alguma função do Valor. Só será reconhecido como máquina reprodutora de valor. Pouco importa sua função. Médico, jurista, professor, motorista, operário, de algum modo você tem de reproduzir a lógica de produção e reprodução do Capital. Vender-se e comprar muito, muito além da própria necessidade de comprar e vender o que é necessário para viver. Na verdade, viver então subsume-se a comprar e vender muito, quando der por conta, você estará empenhado por muitos anos, financiando seu próprio trabalho, com dívidas longuíssimas, que prometem que você será escravo dos produtos que consome durante décadas, até quase à beira da morte, tendo em vista que nossas sociedades agora prolongam a idade limite das pessoas se livrarem da escravidão assalariada, na idéia de que deve se aumentar a “idade produtiva”.

 

3. Mas, que diabo de idade produtiva é esta? Produtiva como? Para quem e para que? Numa sociedade que parou de se pensar, os indivíduos pararam de raciocinar, de questionar esta lógica perversa. O trabalho é um fim em si, que nunca jamais pode ser questionado. Engrenagens, peças de uma moenda de triturar seres humanos, aprisionamos, agrilhoamos uns aos outros na lógica irracional de que o TRABALHO DIGNIFICA. Na verdade, o TRABALHO ESCRAVIZA.

 

4. Vivemos a contradição de aumentarmos a produtividade num grau jamais imaginado antes pela humanidade e, em lugar de diminuirmos nosso ritmo de trabalho, nosso compromisso, o comprometimento de nossas vidas, de nossas sagradas horas que temos como aventura neste planetinha azul e que jamais se repetirão, o tempo que resta é todo novamente dedicado ao Deus Trabalho que também é o Deus Manon (não é à toa que a grande festa anual de nossa sociedade seja o festejo da Mercadoria). Na cantilhena louca, que sem especialização não mais existe lugar num mercado, que cada vez mais vira um Deus ex Machina e um mito, as horas disponíveis para o desfrute de lazer viram horas de estudo e especialização. Não de estudo de música, língua, artes, dança ou qualquer coisa sem ligação com o valor. Que dê puro e simples prazer, que seja desfrute. Mas estudo que se torne Capital, que seja reconversível em mais salário para necessidades cada vez mais questionáveis, de uma sociedade de homens rendidos, prostrados a Manon, a este Deus Valor que nos diz que trabalhar desgraçadamente, sem pensar, penando é a razão da vida.

 

5. Num mundo onde uma colocação no mercado de trabalho cada vez mais se parece a uma fantasia louca neurótica do que a uma possibilidade real, as pessoas sequer conseguem enxergar que a antiga sociedade do trabalho está ferida de morte. Os trabalhos nos setores produtivos que caracterizavam a sociedade industrial fordista foram e estão sendo substituídos (mas não numa proporção que garanta emprego a todos) por ocupações sem nenhum especialização, e com um pagamento para lá de ordinário, devido a pressão que o imenso exército de desocupados coloca sobre o salário. Na verdade, o salário tem diminuído, em regra, tanto, que mais se parece com uma esmola. Há uma linha tênue separando quem está desempregado de quem tem um trabalho com salário miserável, e muitas vezes não se sabe muito bem o que rende mais, o emprego miserável ou o desemprego, onde a pessoa sobrevive de bicos ou de ajudas.

 

6. Completamente alienados de que não necessitamos viver assim, numa espécie de frenesi e loucura neurótica coletiva, disputamos a tapa os últimos lugares nas senzalas dos senhores de escravos. E a esquerda repete argumentos não muito sérios (e nos quais ela mesmo não acredita) de retomada de crescimento com criação de mais postos de trabalho. No fundo todos sabem que a sociedade do trabalho compulsivo, a sociedade capitalistas, o reino da necessidade está ferido de morte. Só que admitir isto é admitir irracionalidade de nosso modo de vida e fazer uma crítica de alto a baixo de uma sociedade que precisa reaprender a viver sem a rotina neurótica, compulsiva e louca do trabalho compulsivo.

 

7. A ideologia dominante de uma sociedade é a ideologia da Classe Dominante. Para a nossa elite mundial, a burguesia dona das senzalas, dos modernos meios de criar seres parciais neuróticos, escravizados a uma rotina entediante de escravização a seus próprios produtos, há que se falar sempre que criticar a sociedade do trabalho é loucura, “utopia”. De outro lado, a esquerda radical entende mais de materialismo histórico do que de dialético. Presa ao trabalho, até o nome de seus partidos carrega em seu seio o nome maldito da escravidão ao Trabalho. Poucos, talvez menos de 1% dos marxistas sequer ouviram falar na teoria marxista da abolição do trabalho, atacam esta palavra de ordem como se fosse “revisionismo reacionário”, quando na verdade é pura dialética marxista.
Não estamos tão longe assim desta abolição do trabalho. Quando Marx elaborou esta tese (deliciosamente defendida por Paul Lafargue em seu Direito à Preguiça), ele sabia que a evolução dos meios de produção não permitia ainda este vôo. Mas ele antevia que o Capital libertou forças produtivas poderosas que poderiam realizar por fim a libertação do homem. A libertação do homem não é uma pura e simples repartição social. Marx colocou isto de maneira sarcástica quando num intervenção disse: “eu não sou marxista”. Referia-se ao que ele chamou de marxistas vulgares, que viam o reino da liberdade, o comunismo, como uma sociedade de repartição pura e simples, onde todos teriam acessos a mesma quantidade de bens. Marx nunca pretendeu isto. Ele mostrou que esta concepção no fundo é burguesa, um socialismo pequeno burguês, porque o pequeno proprietário não consegue pensar além da sociedade do trabalho, não pode ver um mundo onde as idéias não passem pelo fio condutor do fetiche da mercadoria, não necessitem da reificação do valor. Portanto, não pode abstrair uma sociedade onde a valoração não seja pela quantidade de bens que tem um indivíduo, mas sim como e como ele pode fruir da vida.

 

8. A sociedade do trabalho compulsivo está numa crise crônica e terminal. Não tem mais como se reproduzir e só pode sair de suas crises alargando limites sociais que não são infinitos. O profundo fosso que o sistema cava entre uma humanidade que ainda consegue reproduzir sua existência dentro da forma Valor e a imensa maioria que vai sendo colocado à parte do processo de reprodução de vida através do Capital, não tem saída. Não há resposta, nem resgate para a imensa crise social que o Capital aprofunda dia a dia. Só um imbecil oligofrênico crônico acredita que, com a previsão que o número de favelados, de excluídos, de desempregados duplicará em apenas 30 anos, não terá conseqüências na retomada dramática e violenta dos conflitos sociais. Conflitos sociais que não terão saída, resolução na sociedade capitalista do valor. Por mais que ela invista no conflito, por mais que ela ser arme, por mais que ela aposte na barbárie e no extermínio massivo e indiscriminado de populações inteiras para manter íntegro o status quo dos donos das modernas senzalas.

 

9. Nenhum sistema que perde sua base social sobrevive. Isto é uma verdade comprovada empiricamente em toda história da humanidade. Quando o número de escravos elevou-se de tal modo que tornou impraticável a continuidade do sistema escravista, Roma, que parecia eterna ruiu, e através do colonato chegamos a um novo modo de produção, o feudalismo. Depois, com a evolução das forças produtivas, co mo alargamento dos mercados, com a expulsão dos agricultores do campo, o feudalismo foi perdendo a sua base social, e, por mais que a aristocracia usasse da força para manter suas posições, a falta de base social para seu sistema fez com que o Capitalismo tornasse sistema dominante. Hoje vivemos o mesmo processo dentro do Capitalismo. O Capital deixou de ser um estímulo ao avanço das forças produtivas e hoje a extração de mais valor, de mais valia, do ser humano, passou a ser um entrave para a continuação das relações de produção. Com o predomínio do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do capital constante sobre o capital variável, em níveis cada vez maiores dentro das unidades fabris, o capitalismo vai criando sua cova, a contradição antagônica sem solução dentro dos marcos do sistema do sistema de mercado sem mercados.

 

10. Se o capital fordista caraterizava-se pela ocupação intensiva da mão de obra, com uma participação grande do capital produtivo, do capital variável no produto final, com isto os operários financiando o próprio sistema e recebendo benesses desta simbiose, desta troca, contrariando na prática aquele aforismo escrito no Manifesto do Partido Comunista: “os operários nada tem a perder, senão suas cadeias”; o capital da automação, o moderno capital toyotista, caracteriza na predominância cada vez maior do trabalho morto sobre o trabalho vivo, por um desemprego crescente, por criações de válvulas de escape fantasistas, de ocupações artificiais para tentar contornar-se a crise incontornável, pelo ataque às conquistas da fase áurea do movimento operário para se garantir a reprodução ampliada do capital sobre uma base cada vez mais estreita. Gera uma pauperização e marginalização crescente que não pode ser revertida. Não há promessa de emprego, de ocupação para a maioria das pessoas das novas gerações. Serão os “desempregados estruturais”, gente sem função, ocupação, sem lugar e sentido num sociedade que valoriza as pessoas exatamente pelo lugar que estas ocupam nesta máquina de moer gente e fazer loucos.

 

11. Vamos gerar loucos numa profusão nunca dantes imaginada. Pessoas das quais cobramos que sejam “gente” a partir de suas ocupações dentro do Capital, mas para as quais cada vez, numa maior intensidade, menos haverá ocupações onde reproduzir a vida através do valor. É exatamente por esta razão que o Capital não consegue acabar com as grandes frentes de prostesto populares proletárias, armadas ou não. Das FARCs ao Exército Zapatista, passando pelo Movimento dos Sem Terra no Brasil, aos Movimentos Indígenas no Equador e Peru, aos Piqueteiros na Argentina, o que fica claro para estas massas que começam a se movimentar e convulsionar o continente é que para eles não há saída dentro do Capital. O Capital não pode reproduzir a mais importante ferramenta de trabalho do sistema, o SER HUMANO. Estes proletários paupérrimos, jogados fora do sistema para si são uma classe em si, no sentido que Marx colocava. Eles não têm interesses pessoais que contraditem os interesses de outras classes, não querem benesses, melhorias ou privilégios. Necessitam para sobreviver reorganizar de tal modo a produção de forma que todos tenham acesso aos produtos pertencentes à toda humanidade, sem exclusão, exceção. E isto é impossível dentro dos marcos do Capitalismo.

 

12. Esta imensa massa proletária miserável não tem outra saída para sua sobrevivência do que reorganizar de baixo a cima a sociedade, ferindo de morte uma organização social que mata o ser humano para continuar a sua sanha irracional de desbarato de todos os recursos do planeta, de destruição da natureza, da nossa nave espacial em que todos vivemos, só para não perder o controle da senzala.

 

13. Por isto, neste momento, novamente se coloca na pauta do dia a ruptura radical visando a uma sociedade do desfrute. Não podemos reproduzir os erros de uma tentativa socialista que colocou como parâmetro de desenvolvimento socialista a taxa de produção de aço. Temos a necessidade de revolucionar o homem de forma humanista. Fazer a crítica revolucionária radical da sociedade capitalista, através de uma classe, o proletariado, que não têm nada a perder senão suas cadeias, tem o novo mundo a ganhar, para inaugurar uma nova era.

 

14. Se esta classe em si, que não pode se libertar sem libertar toda a sociedade, tomar o poder, não pode repetir a lógica do Valor, do trabalho compulsivo e neurótico, esvaziador do ser humano, se não quiser condenar sua tentativa socialista ao fracasso. A passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade não ocorrerá sem uma crítica QUALITATIVA DA PRODUÇÃO, sem que a humanidade pergunte não somente como produzir mas sim o que produzir e para que produzir. Ao contrário da lógica do Capital, que pretende manter de forma indefinida o crescimento perdulário da produção em que pese que, por exemplo, o aumento indiscriminado da produção de automóveis possa matar a terra envenenada, a nova sociedade socialista nascida dos escombros do Fetiche da Mercadoria, tem que subsumir a produção à necessidade humana de desfrute da vida.

 

15. Abolir o trabalho, este conceito que parece tão complicado, mas é tão simples, tem de ser o objetivo da esquerda radical, que necessita para renascer e incorporar este movimento social de protesto crescente livrar-se da lógica do falso marxismo, ou marxismo vulgar. A questão não é pura e simples de repartição, é de rasgar de alto a baixo o véu que encobre a escravidão burguesa e colocar claramente a atualidade da necessidade de uma transição radical para uma outra sociedade. A retomada da dialética, da teoria dos saltos, de se entender que a acumulação quantitativa tem de levar a saltos qualitativos, a rupturas que criem todo um mundo novo. Que é impossível remendar a roupa velha desta sociedade imprestável, de que o rei Capital está nu, e que agora lhe será impossível enganar muito mais tempo a grande maioria da humanidade condenada a fome, a miséria e a escravidão crescentes dentro desta crise que é um beco sem saída. Poucos, muito poucos são aqueles que podem tirar alguma benesse ainda dentro deste sistema. E mesmo estes, se tiverem um pouco de sensibilidade e conseguirem enxergar o incrível desastre social e ecológico que significa o Capital hoje em dia, vão se juntar, para bem de seus filhos e do restante das futuras gerações à crítica radical que visa na prática revolucionar e acabar de uma vez para todas com a escravidão assalariada.

 

17. Mas voltando ao nosso conceito de trabalho. Em Marx o conceito de trabalho tem dupla classificação. Ele é lato sensu: “A CONDIÇÃO NECESSÁRIA DE VIDA IMPOSTA PELA NATUREZA AO HOMEM”. Este trabalho não será abolido em nenhuma sociedade humana. Nossa língua não tem a duplicidade que outras têm, onde se diferencia, por exemplo no inglês, work e labour. A dialética marxista, onde as categorias sucedem-se no tempo de acordo com as transformações sociais reais, diferencia trabalho e trabalho. O trabalho como relação com a natureza, como reprodução da vida humana, perdurará. Todavia o “Labour”, o trabalho compulsivo, inaugurado com a propriedade privada dos meios de produção, este deve ser ABOLIDO.

 

18. Ao criticar a sociedade da gens, em “A Origem da Propriedade Privada, da Família e do Estado”, Engels demonstrava que não tinha sentido perguntar a um índio se pescar ou caçar era um trabalho. Ele simplesmente não tinha esta separação, não tinha uma compulsão externa, uma organização que tirasse dele um trabalho que lhe fosse exterior e vazio. Caçar, pescar, coletar frutos eram atividades prazerosas donde, ao mesmo tempo que ele tirava seu sustento, ele dava sentido a sua existência. Somente com a criação do Estado, com a divisão da sociedade em classes pode se criar uma máquina de extração de trabalho compulsivo, o trabalho no sentido que Marx dizia que devia ser abolido.

 

19. Marx não previa uma volta ao comunismo primitivo. Ele sabia que numa sociedade assentada sobre a carência, não poderia se organizar de uma forma superior uma sociedade igualitária, onde os seres humanos poderiam desenvolver todas as suas habilidades. Marx previa a morte do trabalho compulsivo, daquele localizado exteriormente ao homem, numa sociedade onde a produção fosse organizada de forma que não houvesse nenhuma carência, que de todos fosse tirado segundo sua capacidade e a cada qual fosse dado segundo sua necessidade. Mas uma sociedade mudada, cria homens mudados e necessidades distintas. Aí é que entra a discussão da sociedade do desfrute.

 

20. Na sociedade capitalista, como bem observou Marx, o trabalho é apenas uma parcela ínfima da atividade humana. Uma parcela miserável, agoniante, esclerosada, alienante e brutal. Com a abolição do trabalho compulsivo como norma da sociedade é possível se organizar a produção e a sociedade de forma que as pessoas prestem serviços à sociedade por no máximo três horas e tenham todo o restante do dia para o desfrute. Da arte à simples preguiça, dança e pintura, esporte ou o simples ato de dormir, ou o prazer sexual, numa sociedade liberta do PRECONCEITO DO TRABALHO, é possível fazer com que os bens, os frutos coletivos da produção cheguem a todos os seres humanos sem distinção e que não haja mais estratificação dos homens por seus bens.

 

21. À sociedade compulsiva do trabalho temos que lutar para que se siga a sociedade coletiva do desfrute, do prazer social, da humanidade organizada para que o homem seja realmente livre, não uma máquina absurda de produção de valor, que gasta quase o tempo total de suas horas acordadas trabalhando ou aprimorando (trabalhando de forma indireta) sua força produtiva. Uma loucura que cria seres parciais e insensíveis. Escravos da máquina, escravos dos produtos para os quais trabalha, escravos de uma mentalidade que hoje ameaça de forma gravíssima o futuro próximo da humanidade e de nosso planeta.

 

22. Só com a retomada humanista da crítica radical a sociedade do valor, a crítica do Capital como sistema alienador e castrador do homem, será possível recriar um movimento socialista hegemônico, necessário para disputar corações e mentes dos povos, dos proletários de todo mundo, nesta luta pela sociedade do desfrute, contra a compulsão do trabalho. Luta que significa para cada um de nós a possibilidade de haver futuro para a grande maioria da humanidade.

SOCIALISMO OU BARBÁRIE!

VENCEREMOS!

ASSINA: Roberto Ponciano, servidor da JF do RJ e diretor de Sisejufe/R

 

 

JORNADA SEMANAL DE 30 HORAS, DIÁRIA DE 6 HORAS

 

1. Nos últimos anos vimos assistindo a uma perda generalizada de direitos trabalhistas. A um avanço do trabalho formal sobre o formal, a uma perdados direitos dos trabalhadores sem que estes consigam se organizar efetivamente para defender seus direitos. Os sindicatos estão na defensiva, as duas únicas lutas que efetivamente conseguem organizar são a luta pela manutenção do emprego (que chega ao ponto de acordos reacionários como a dos metalúrgicos de São Paulo que aceitou a diminuição salarial) e reposição de perdas salariais (que  todavia sempre perde para a inflação). Uma conjuntura desfavorável de desemprego em massa favorecido pela automação, que aumenta a participação do capital constante (maquinário  e matérias primas) sobre o capital variável (força de trabalho humana  viva) tem aumentado o exército industrial de reserva. Temos um fenômeno novo  no capitalismo, pela primeira vez o Capital não consegue reorganizar após  uma evolução tecnológica. Não consegue reorganizar a produção de maneira  tal que os desempregados pela necessária concorrência intercapitalista mediada pela evolução tecnológica voltem a seus postos de trabalho após a  implementação das transformações técnicas. Temos agora o fenômeno da ELIMINAÇÃO DOS POSTOS DE TRABALHO, com a conseqüente disponibilização em massa de imensos contigentes humanos que simplesmente não conseguem ser realocados no sistema produtivo. Temos vários exemplos disto, do campo à cidade: Desde o Sindicato dos Cortadores de Cana de Ribeirão Preto (que já foi o maior sindicato agrícola da América Latina com 40 mil filiados) e que foi extinto por as lavouras mecanizadas prescidirem dos bóias-frias, até a diminuição de trabalhadores nos bancos (com a automatização dos saques, pagamentos de conta, contabilidade, etc) e a diminuição da mão de obra empregada até no ABC paulista, com a redefinição da linha de montagem das montadoras, onde máquinas de múltiplas funções substituem dezenas de milhares e trabalhadores. Atônitos diante desta modificação qualitativa nas relações de produção capitalista, muitos sindicatos passaram à defensiva.A Jornada de Trabalho de 30 horas Semanais joga os sindicatos de novo na ofensiva.

 

2. É uma Reforma do Trabalho Progressista (ainda dentro dos marcos do capitalismo) e tem o condão de diminuir o desemprego e obrigar as empresas a contratar mais.Toda a produção de uma empresa é calculada em cima da jornada de trabalho de seus trabalhadores. Empresas do ramo produtivo direito (indústrias), que geralmente funcionam dia e noite, trabalham com três turnos de trabalho e se necessário hora extra. Para reproduzir um capital por ano, elas sabem que terão que produzir uma certa quantidade y de mercadorias aptas a pagar odesembolso para a compra de materiais, aluguel do espaço ou deterioração do imóvel, maquinário e mão de obra e ainda reembolsar seu lucro. Se uma empresa determinada desembolsa um capital de 500 mil reais, 400 mil em maquinária, matérias primas, imóvel (capital constante) e 100 mil em salário por ano, ela sabe que terá que produzir uma determinada quantidade de mercadorias que além de pagar o Capital empregado ainda remunere o investimento inicial.Mas como? Como fazer 500 mil virar por exemplo 1 milhão? O segredo está na exploração da mão-de-obra. O capitalista não compra o trabalho do tabalhador. Ele compra a mão de obra. Ele obtém integralmente a função produtiva do trabalhador. Digamos que este trabalhador tenha sua mão de obra comprada a 500 reais por mês e ele trabalha oito horas por dia. Na  verdade,o salário, que tende a ser o mínimo indispensável para a reprodução deste trabalhador, equivale a apenas uma parte da jornada de trabalho do indivíduo. Como este trabalho não visa a ser um trabalho teórico extenso,não vou entrar em pormenores na teoria da mais valia.Basta a nós saber que,por exemplo , nas modernas condições de produção em massa, 2 das oito horas de trabalho deste operário são capazes de pagar seu salário. O trabalhador trabalha as outras seis horas de graça para o patrão.Daí advém todo o lucro.Mas, falamos de operários. E nos setores de serviço? Tal processo ambém se dá?  Os setores de serviço são vitais à manutenção do Capital e produção de mercadorias, sem eles não haveria a circulação do valor na sociedade  (por exemplo sem os bancos, sem a Justiça que mantém em ordem as relações de propriedade) e portanto são setores cuja "conta" entra na contabilidade da produção.Assim, a diminuição da Jornada de Trabalho, desde o Século XIX, sempre foi um dos enfrentamentos mais ferozes que os trabalhadores tiveram com os patrões, de todo o tipo.De um lado os patrões querem explorar ao máximo a ferramente que têm,
mão de obra humana viva, tirando a máxima lucratividade dela. De outro, os trabalhadores explorados, sempre lutaram para diminuir o grau de explorar e se apossar de uma parcela maior de sua vida, tomada pelos patrões nas extenuantes jornadas de trabalho. Jornadas de trabalho que já foram de 16, 8 horas e que foram sendo reduzidas para 14, 12, 10, até chegarmos à configuração atual prevalente de 8 horas de trabalho.

 

3. Toda a vez que os trabalhadores organizaram-se para lutar por uma jornada de trabalho menor sofreram impiedosa oposição patronal que usando da polícia, sabotagem, chantagem, demissões em massa, tentaram quebrar a espinha da organização laborativa de protesto. Só que, historicamente, a luta de classes em ascensão, conseguiu sempre pôr o patronato na defensiva. A cada vitória do
proletariado (chamo de proletariado os trabalhadores despossuídos de outro bem que não sua  própria força de trabalho alienada de uma só vez ao patrão os patrões também ganharam. Com a racionalização da produção, com um menor cansaço físico e mental, na diminuição das jornadas de trabalho viu-se que um trabalhador poderia produzir em dez horas a mesma quantidade que em 16 horas, sem os mesmos acidentes e problemas e sem as mesmas revoltas.Hoje em dia, com o desemprego em massa passamos por um período de informalidade das relações produtivas, onde os trabalhadores vão perdendo direitos em massa e temos uma volta à barbárie. Trabalhadores sem carteira em empregos informais sequer tem direito à Jornada de Trabalho. A diminuição da Jornada de Trabalho não tem efeito somente em relação aos trabalhadores empregados, tem efeito junto à imensa massa de desempregados.Nos setores produtivos direitos, para que as máquinas continuem funcionando, os capitalistas serão obrigados a contratar mais trabalhadores, o que diminuirá a taxa de exploração relativa a cada trabalhador (mais que aumentará o lucro total por outro lado, devido a haver então uma massa  maior de pessoas empregadas retornando ao sistema produtivo e voltando a ter poder aquisitivo. O que levará a uma maior rotação do capital). Nos setores  de serviço, a  diminuição da jornada de trabalho deve estar atrelada a uma bandeira de NÃO DIMINUIÇÃO DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO, o que levará, principalmente nas empresas públicas, à necessidade de uma contratação maior de funcionários.

 

4. Com a diminuição da jornada de trabalho a massa salarial aumentará consideravelmente, tendo em vista não só a participação de um maior contigente da população no setor produtivo formal,como também o  pagamento de horas-extras para jornada menores de trabalho (hoje o trabalhador que trabalhar 7 horas não receberia hora extra, com a mudança da jornada de trabalho isto já entraria na contabilidade como hora extraordinária trabalhada).Até o patronato, que reacionariamente luta para aumentar o grau de exploração do trabalhador, será beneficiado com a diminuição da jornada de trabalho, devido ao aumento do número de empregados levar a uma massa salarial maior que é gasta geralmente diretamente em produtos de subsistência, o que levaria a um crescimento imediato da produção. Esta deve ser uma bandeira imediata, estratégica e necessária para efetivamente diminuir o empobrecimento e o desemprego (muito mais eficaz inclusive que o populista programa de esmolas chamado fome zero).

 

5. A diminuição da Jornada de Trabalho também leva a uma reificação maior do homem e a possibilidade de lutar de forma melhor contra sua alienação, mas este é um assunto para um próximo texto.

 

30 HORAS DE TRABALHO SEMANAL JÁ!

E QUE COMECEMOS ESTA LUTA!

 

Abaixo, uma pequena análise teórica sobre a questão.

 

Seis Horas de Trabalho Diário

Uma Luta Fundamental

 

6. A luta pelas seis horas de trabalho é fundamental para todos os trabalhadores, não só os do Judiciário, mas para os empregados em todos os setores produtivos, assim como para os desempregados.

 

7. É uma luta que, de um lado cria condições para melhoria das condições de vida dos que estão trabalhando, de outro lado possibilita a entrada no mercado de trabalho de um imenso contingente de trabalhadores desempregados.

 

8. A redução da jornada de trabalho é, acima de tudo, UMA LUTA HUMANISTA PELO DIREITO DO SER HUMANO A SE LIBERTAR DO PROCESSO ALIENANTE DE PRODUÇÃO DENTRO DA SOCIEDADE CAPITALISTA, um passo pequeno, é verdade, na busca da libertação do homem do processo de alienação. Mas só o colocar em discussão a diminuição da jornada de trabalho como um caminho para o desfrute, para que o homem se ocupe nas outras horas da totalidade de sua vida, já começa a discutir o cerne da dominação do capital sobre as relações humanas, discute A FETICHIZAÇÃO DA HUMANIDADE DIANTE DA FORMA VALOR.

 

9. Sobra dizer a diminuição da jornada de trabalho é sem diminuição da remuneração (o que nos leva a uma terceira razão por qual defendemos a diminuição da jornada, o aumento relativo do valor da remuneração da força de trabalho).

 

Pequeno Histórico e Análise da Luta dos Trabalhadores

Pela Diminuição da Jornada de Trabalho

 

10. Vamos a um pequeno histórico da luta dos trabalhadores em todo o mundo pela diminuição da jornada de trabalho, para ilustrar e corroborar nossa teoria em defesa da luta pelas 30 horas semanais. O sistema capitalista se consolida como sistema dominante mundial após a Revolução Industrial. Foi a força motriz à vapor, e depois à carvão que assinalou o fim do período das manufaturas e do sistema  gremial (possibilitou o surgimento da grande indústria produzindo em série). Agora, um único capitalista, empregando uma quantidade grande de trabalhadores tinha um lucro incrivelmente maior. O trabalhador perdeu sua especialização. No sistema gremial cada um trabalhador dominava completamente seu trabalho. O grêmio era a organização que na indústria correspondia ao feudalismo. Mestres, Oficiais e Aprendizes dominavam completamente um determinado ramo da indústria. Um aprendiz tinha a aspiração de se tornar Oficial e Mestre. Cada grêmio de um determinado setor da indústria tinha o monopólio da produção e guardava a sete chaves seu know how. Algum membro de um grêmio que traísse sua corporação e revelasse segredos era punido até com a morte. Seu poder dentro das cidades era grandíssimo, a ponto de proibir a instalação de concorrentes em seus burgos.

 

11. O capitalismo comercial, com a implementação de domínios sobre áreas cada vez mais extensas, com o lucro advindo do tráfico internacional (inclusive o de escravos) e do colonialismo criou uma acumulação de capital e uma necessidade de comércio que transcendia a capacidade de produção dos grêmios. O desenvolvimento da produção em massa era tolhido por suas regras feudais de limitação de produção e de proteção de ramos de indústria. Inicialmente os capitalistas comerciais lutaram contra o monopólio dos grêmios através da indústria doméstica, pagando a artesãos independentes para produzir individualmente produtos fora dos grêmios. Todavia, nesta fase, ainda não era dado o golpe de morte na produção gremial.

 

12. Com o advento do tear movido a vapor criou-se a possibilidade de vários operários ao mesmo tempo produzirem numa velocidade maior que a do operário isolado. A indústria artesanal foi sendo substituída por grandes fábricas onde havia pela primeira vez a divisão do trabalho. Nesta indústria, dez operários trabalhados juntos cooperando com uma máquina, passaram a produzir muito mais do que dez artesãos trabalhando isoladamente e controlando a produção do início ao fim. Se antes, um único operário fazia um alfinete, moldava o corpo, fazia o furo, batia na bigorna a cabeça; vários operários distintos faziam operações separadas que no fim davam o mesmo resultado com muito mais facilidade.

 

13. Cada operário trabalhava numa fase. Um derretia o ferro, o outro carregava a massa líquida para o forno. Um terceiro a esfriava e desenformava, um quarto moldava a cabeça enquanto um quinto fazia o furo. Por fim, um sexto operário embalava os alfinetes e o expedia.

 

14. Foi uma tremenda revolução na produção. A indústria artesanal, ferida de morte não durou muito. O orgulhoso artesão que controlava todas as fases de seu trabalho agora se transformava no operário especializado em apenas uma ínfima operação do produto que estava completamente alienado do trabalho final.

 

15. O primeiro resultado da divisão do trabalho na fábrica foi a alienação do homem em relação ao produto do seu trabalho. Se antes o artesão controlava toda a produção e se personificava como pessoa dentro do seu próprio trabalho, reproduzia sua vida de forma íntegra no seu trabalho; agora o operário apenas transmitia a máquina um movimento repetitivo e monótono que tornava seu trabalho insuportável.

 

16. Citando Marx: “A máquina é uma reunião dos instrumentos de trabalho e de modo algum uma combinação de tarefas para o próprio operário. Quando pela divisão do trabalho, cada operação particular tiver sido reduzida ao emprego de um instrumento simples, a reunião de todos estes instrumentos, postos em ação por um só motor, forma - uma máquina. Instrumentos de trabalho simples, instrumentos compostos, movimentação de um instrumento composto por um só motor manual, pelo bem do homem, movimentação desses instrumentos pelas forças naturais, máquina, sistema de máquinas com um só motor, sistema de máquinas com um autômato por motor - é esse o caminho das máquinas.

 

17. A concentração dos instrumentos de produção e a divisão do trabalho são tão inseparáveis uma da outra, como o são, no regime político a concentração dos poderes públicos e a divisão dos interesses privados. A Inglaterra, com a concentração das terras, esses instrumentos do trabalho agrícola, tem igualmente a divisão do trabalho agrícola e a mecânica aplicada à exploração da terra. A França, que tem a divisão dos instrumentos, o regime parcelar, não tem em geral nem divisão do trabalho agrícola, nem aplicação das máquinas à terra.(Carlos Marx, A Miséria da Filosofia - 1847-, Editora Centauro, São Paulo, 2001).

 

18. Esta transformação só foi possível porque os capitalistas enriquecidos pelo tráfico das colônias encontraram mão-de-obra em abundância devido ao cerceamento dos campos (que foram transformados em pastagem para produzir lã, valiosíssimo artigo de exportação). O fim do feudalismo assistiu a uma vagabundagem geral e ilimitada que vai fornecer a mão-de-obra barata indispensável à instalação das novas fábricas.

 

19. Se nas corporações tudo era regulamentado, e o trabalho, ainda que duro, era suportável e digno, nas novas fábricas se dava todo o contrário. A simplificação das tarefas a movimentos mecânicos repetitivos levou os industriais a empregarem crianças e mulheres. Para não morrer de fome, em condições extremamente miseráveis, os trabalhadores trabalhavam praticamente sem descanso. A Jornada de trabalho praticamente inexistia. Muitos dormiam (ou cochilavam na própria fábrica) e não era incomum jornada de trabalho de 16, 18 horas para ganhar apenas o suficiente para não morrer de fome.

 

20. É o momento que o trabalho visto como VALOR, como mercadoria, estende-se como forma geral para toda a sociedade. Este movimento não foi feito de uma vez para sempre, nem foi lento, gradual, aceito sem lutas. O trabalho visto por toda a sociedade como parcela de valor, foi um fato que teve de se incorporar a toda a sociedade. Só numa sociedade em que de um lado se impusesse um classe detentora dos meios de produção (BURGUESIA) e do outro, uma imensa massa desprovida de qualquer meio de sobrevivência (PROLETARIADO) poderia efetivamente impor esta norma à vida cotidiana a todos. O proletariado, em verdade, não tinha condições de vida superiores aos servos da idade média. Trabalhava mais, em piores ambientes, recebia salários miseráveis, estava proibido de se sindicalizar, não tinha direito a uma jornada de trabalho. Seus filhos passaram a ser empregados como escravos do capitalista e suas mulheres passaram a fazer parte também da engrenagem industrial e do comércio sexual hipertrofiado pelo aburguesamento de todos os valores (transformação de todos os valores no VALOR).

 

21. A transformação de toda a atividade humana em VALOR, a redução de todo e qualquer trabalho a uma partícula ínfima de trabalho social corporificado em valor, transformou toda a vida humana, toda ética, até a vida sexual das pessoas. O corolário ético da revolução industrial foi a revolução protestante, a criação de uma couraça sobre os sentimentos e a criação de uma família compulsiva, célula da atividade econômica. Toda a atividade humana que não fosse destinada a PRODUZIR VALOR, tinha que ser atacada e controlada pela sociedade.

 

22. É interessante o estudo que Michel Foucault faz sobre isto ao demonstrar que o interesse do controle da loucura, a Moral Vitoriana purista, o crescente controle e criminalização de todos os atos sociais tem um mesmo objetivo e uma mesma raiz. O controle total sobre o trabalho, o controle direto, objetivo sobre a vida humana, com o firme princípio de reduzir o organismo humano a produzir. Assim, a loucura é perseguida não por objetivos humanos de defesa da sociedade, mas para efetivamente reduzir a possibilidade de seres humanos que não sejam PRODUTIVOS. Foucault comparou a sociedade capitalista ao grande presídio idealizado por Benthan, o Panopticon, onde, de uma sala central seria possível controlar o movimento de todos os seres humanos. Temática que foi retomada por Orson Wells em seu admirável 1984, que muitos, de forma míope, acharam que era um livro que apenas criticava o Estado Soviético, sem se dar conta como estamos absorvidos em nossa vida, em nossa existência, por um mecanismo de produção de valor que absorve a melhor e maior parte do nosso dia.

 

23. Ainda hoje vemos que a sociedade moderna não se livrou e sequer se deu conta desta paranóia da produção. Os conceitos de ética, moral, bem e mal estão diretamente relacionados ao homem encaixar-se ou não como uma engrenagem, como um parafuso na máquina produtiva. E aqueles que não se encaixam nelas são efetivamente perseguidos, marginalizados e fustigados como proscritos por não darem sua quota-parte na produção de valor.

 

24. A redução de toda atividade humana à produção de valor, a redução da consciência humana, de sua felicidade e existência à busca da produção do valor, Marx chamou de FETICHE DA MERCADORIA. Fetiche, francês, vêm do nosso vernáculo feitiço, e na verdade quer dizer a mesmíssima coisa. O complexo de inferioridade brasílica transformou fetiche numa palavra INTRADUZÍVEL. Qualquer dicionário Francês português mostra a etmologia da palavra, do português Feitiço. Seria o poder que as coisas, que o valor das coisas assumiriam sobre as pessoas, as pessoas vivendo, consumindo-se, trabalhando apenas e tão somente para possuir. A ética pessoal sendo transpassada pela figura da propriedade e o ato de possuir tornando-se a essência da vida. E a mesa que ganha vida e dança na frente do proprietário, com uma essência própria que reifica o homem. O homem absorvido como mecanismo da máquina, retoma sua essência invertida como numa câmera fotográfica, despindo-se do seu conteúdo humano e transformando-se em reles detentor de coisas.

 

25. Marx, o mais genial crítico do Capital, mostrou-nos claramente que a ideologia (consciência social) dominante de uma determinada sociedade é a Ideologia da Classe Dominante, ele assim expressa esta passagem de uma sociedade baseada no costume para uma sociedade assentada no valor:

 

26. “A burguesia, onde ascendeu ao poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem compunção todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensívelpagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação devota, do fervor cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês, filistino, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca de um sem número de liberdades legítimas estatuídas colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta.

 

27. A burguesia despiu todas as atividades até aqui veneráveis e estimadas com piedosa reverência da sua aparência sagrada. Tranformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela.

 

28. A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma mera relação de dinheiro. (Carlos Marx, O Manifesto do Partido Comunista, Edições Progresso, Moscou, 1987).

 

29. Wilhelm Reich, para terminar a caracterização da sociedade do valor, mostrou como a sexualidade compulsiva e anti-natural é efetivamente necessária para a realização de uma sociedade alienada e de exploração. Uma sociedade onde o corpo reduzido ao parafuso de uma engrenagem tem de ser negado e controlado e os efetivos resultados disto. Moralismo sexual fascista, paranóia, esquizofrenia, neuroses de todo o tipo. O homem tendo sua satisfação e sua saúde, sua felicidade estrangulada por uma sociedade assentada no trabalho compulsivo e na produção continuada do valor. O homem como número. Uma moral de uma sociedade desumana só pode ser imposta com controle rígido sobre a natureza de equilíbrio do homem, desnaturando-a e convertendo-a em negação da satisfação de seus desejos mais íntimos. A felicidade assim se vê desnaturada e só pode ser conseguida numa competição brutal, onde o sorriso “Colgate” dos vitoriosos e a desumana alienação das vítimas de um processo de miséria brutal, onde esta felicidade do valor se baseia na escravidão assalariada, miséria, dor, infelicidade e vida sub-humana da esmagadora maioria.

 

30. É nesse contexto que surge a luta pela diminuição da Jornada de Trabalho. A fábrica aproximou os trabalhadores que se constituíram em classe no seu trabalho de produção e reprodução da vida diária, com interesses antagônicos aos do patronato em geral.

 

31. Ocorreu primeiro o movimento ludista, com quebra das máquinas e destruição de fábricas inteiras. Estes movimentos se davam porque os trabalhadores viam na máquina um mal, que causava desemprego e escravidão. Queriam retornar à era feudal. Como não é possível fazer rodar para trás a roda da história, logo, com muitas execuções e prisões o movimento ludista foi se extinguindo (mas não a resistência da classe trabalhadora).

 

32. No lugar do movimento ludista surgiriam os movimentos cartistas e trade-unionista inglês e socialista operário francês. A luta do movimento cartista (que iria desembocar na criação das primeiras trade-unions, os sindicatos operários) era por melhorias nas miseráveis condições de vida da classe operária (que àquela época ia se transformando paulatinamente na grande maioria da população inglesa). O movimento trade-unionista inglês criou o cartismo. Onde as aspirações da classe operária inglesa foram sendo traduzidas numa luta parlamentar, com a cooptação, prisão e até eliminação física dos elementos mais revolucionários para controle efetivo da sociedade sobre o movimento de protesto.

 

33. Ainda assim, o movimento trade-unionista inglês conseguiu as primeiras vitórias decisivas contra as jornadas de trabalho ilimitada.

 

 

As Mentiras sobre a Redução da Jornada de Trabalho.

 

34. Carlos Marx, criador do Socialismo científico, é criador e criatura de uma época.  Na práxis de sua constituição como teórico, além de uma sólida formação científica, imprescindível foi seu contato com o movimento operário. Ele foi contemporâneo do movimento trade-unionista inglês e do nascente movimento socialista francês. Combatente da linha de frente, ele produziu vários textos onde combateu as mentiras contra a redução da jornada de trabalho.

 

35. Os teóricos burgueses, filistinos assalariados pelos patrões, diziam que se houvesse a redução da jornada de trabalho toda a sociedade desmoronaria. Isto porque o trabalhador produziria para o capitalista apenas na sua última hora de trabalho, todo o trabalho restante seria apenas para a reprodução do salário do próprio operário. O Valor, a produção do valor na produção estava completamente envolvido em completa obscurecência. Com esta propaganda em toda a imprensa burguesa da época os patrões obstinavam-se em lutar contra qualquer melhoria das condições do operário. Na verdade queriam apenas explorar ao máximo seu moderno escravo assalariado sobre as mais extremas condições.

 

36. Episódios como os mártires assassinados em Chicago no dia 1º de maio, que se transformou na data internacional de luta dos trabalhadores, são demonstrações cabais de como se dava na prática este enfrentamento. O proletariado ia tomando consciência de classe exatamente nos seus embates onde os seus interesses antagônicos aos da burguesia iam se clarificando. Em cada derrota a grande vitória do proletariado era exatamente a tomada de consciência da sua força como classe e do antagonismo inconciliável de seus interesses com relação aos da burguesia.

 

37. Marx, na teoria teve que desenvolver a forma do valor para explicitar que era uma falácia, uma farsa a história do lucro do capitalista estar apenas na última hora de trabalho. Para começar começou a mostrar que o valor de uma mercadoria está relacionado à quantidade de trabalho SOCIALMENTE NECESSÁRIO despendido nela. Assim, uma mercadoria na qual haja um dispêndio maior do que aquele que seria socialmente necessário para produzi-la em determinado ramo, acabaria por ser vendida abaixo dos seus custos de produção. Que os custos de produção estão relacionados ao grau de desenvolvimento das forças produtivas e da competição inter-capitalista, onde as indústrias menos evoluídas, onde as novas invenções que revolucionam as relações produtivas não estejam sendo aplicadas acabam por sucumbir na competição com as indústrias mais avançadas. E que os ramos onde a competição faça o preço  descer abaixo dos custos de produção termina por produzir falências em série, com estas falências em série, diminui-se a produção num determinado setor e através do equilíbrio posterior entre a oferta e a procura, os preços sobem acima dos seus custos de produção.

 

38. Isto, ao contrário da propaganda liberal, não é uma demonstração da crença no equilíbrio do mercado, no sentido de um equilíbrio harmônico, mas a demonstração da anarquia da produção e do mercado, onde o equilíbrio se dá por crises de super-produção onde só se alcança a estabilidade mediante a destruição de uma quantidade imensa de forças produtivas. Onde este equilíbrio, esta estabilidade, é apenas uma fase de calmaria que prepara as condições para a futura crise de super-produção onde todo o alicerce da sociedade se vê ameaçado.

 

39. Já vimos que o valor de uma mercadoria está relacionado ao trabalho, à quantidade de trabalho socialmente necessário despendido na produção de determinado produto. Mas a representação deste valor se dá numa relação com outras mercadorias. Um quilo de carne = três litros de leite = cinco caixas de alfinete = 1/5 de um pneu... e a lista continuaria ininterruptamente ad infinitum, para mostrar a correlação de valores que só é possível numa sociedade onde o mercado esteja completamente estabelecido e onde todo o trabalho exista para a produção de valor. No feudalismo, onde os pagamentos são em espécie e onde o servo não trabalha para o mercado, mas sim para si mesmo e uma parte do tempo para seu patrão, esta correlação não está plenamente desenvolvida. A quantidade de produtos produzidos é ínfima e a troca de mercadorias ainda é incipiente. Só numa sociedade onde todo o trabalho pode ser objetivado como valor de troca, onde toda a atividade humana seja transformada direta ou indiretamente (a atividade teórica, por exemplo) em produção valor, em trabalho assalariado, é possível este intercâmbio ininterrupto do valor. À concentração da produção corresponde a concentração da população nas grandes cidades, a criação de grandes mercados, o rompimento das barreiras feudais ao intercâmbio, a necessidade da troca ininterrupta, pois para se apropriar do valor o capitalista necessita que toda a sociedade tome uma forma que possibilite o intercâmbio.

 

40. Assim, a moeda, como expressão de valor intercambiável entre todas as mercadorias só se torna forma de pagamento realmente universal com o total desenvolvimento da produção capitalista, ela corresponde a um determinado desenvolvimento das relações de produção onde toda atividade humana reduz-se à forma VALOR da mercadoria e onde todas as mercadorias tem de ser levadas ao mercado para aí serem postas em CIRCULAÇÃO e resolverem sua dupla vida, de valor de troca para seus produtores transformarem-se em valor de uso para seus consumido e assim receberem seu valor determinado pelo mercado. É a CIRCULAÇÃO, o MERCADO, que na verdade está condicionado tão mais que condiciona a produção, que ai determinar em última instância o VALOR SOCIAL, a necessidade, o preço final de uma determinada mercadoria.

 

41. Mas, até agora avançamos muito pouco na questão do valor. Sabemos que o valor de uma determinada mercadoria se dá pela quantidade de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO INCORPORADO NELA, que esta determinação se dá pela CIRCULAÇÃO, pela troca constante, incessante, ininterrupta entre todas as mercadorias que vai determinar que uma determinada mercadoria receba X de valor, a outra 2 X e assim por diante, de acordo com a oferta e a procura delas, determinada todavia pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas da própria sociedade. A produção não produz só as mercadorias, produz o mercado para estas mercadorias, produz necessidades e condicionamentos novos que ampliam o mercado para esta produção. Por exemplo, vejamos a indústria de fiação, a pioneira no capitalismo, ela não só produziu roupas, ela produziu com a expansão da produção toda uma nova necessidade social por estas roupas, ampliando os gostos, os tipos produzidos, trouxe pessoas que antes não consumiam seus produtos para o mercado. Na verdade a utilidade pela qual se mede a procura de um determinado produto é também uma necessidade social, então, sua procura é última instância produzida socialmente e determinada pelas próprias mudanças na sociedade que a evolução nas forças produtivas e nas relações de produção criam a cada dia.

O produtor necessita levar seu produto ao mercado para que este cria valor para ele. Ele produz sapatos, mas necessita para viver de pão, vinho, cordas, feijão, etc. Necessita então trocar este sapato por toda esta série de produtos. No entanto, ele não vai encontrar no mercado simplesmente quem queira intercambiar pão, vinho, cordas, diretamente com ele. Na verdade, a própria expansão da produção e, conseqüentemente do intercâmbio leva a necessidade da produção de um novo produto que seja a REPRESENTAÇÃO UNIVERSAL DO VALOR. Vemos na história que no início alguns produtos correspondem a esta necessidade, de forma precária, como o sal por exemplo. Os metais preciosos, por sua raridade, maleabilidade, durabilidade, acabam por substituir com vantagem todas as formas anteriores e se transformam no símbolo universal do valor, servindo de intercâmbio e se transformando em moeda.

 

42. Deve-se notar que ao fim, os metais preciosos, como o ouro e a prata são mercadorias como outras quaisquer e seu valor está representado também pelo tempo de TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO para a sua produção, por sua utilidade social. Todo o ferro do mundo é muito mais valioso do que todo ouro do mundo. Mas o ouro é muito mais raro que a prata, por esta razão serve como símbolo de valor. Todavia, a correlação do ouro com outros produtos é dado exatamente pelo tempo gasto na sua produção, descoberta, extração, refino. Cada nova descoberta de ouro que coloque em consideração uma quantidade extremamente grande no mercado diminui seu valor. Assim como, a retirada de grandes quantidades do mercado é capaz de aumentar seu valor. Se o ouro pudesse ser produzido numa quantidade tão grande como o ferro, seu valor diminuiria de tal forma que deixaria de ser “precioso”. Sua preciosidade reside necessariamente na sua raridade. Mas não só na sua raridade. Ele necessita da organização da produção de que ele seja a representação do valor, senão, como vimos na Sociedade Inca, seu Valor Monetário será zero.

 

43. Achado este valor universal, o ouro, a prata na sua função de moeda, já podemos resolver a circulação, a compra e a venda através de um símbolo de valor universal. Assim, nosso produtor lança seu sapato no mercado como mercadoria (valor de troca para ele, que só se realizará na venda) e que se torna valor de uso para seu comprador. A transformação de um valor de uso num valor de troca é a metamorfose necessária para que a mercadoria crie valor para seu proprietário, a compra e a venda da mercadoria é a relação que resolve a necessidade desta mercadoria para a sociedade. Se a mercadoria colocada no mercado não é comprada, não é absorvida pela circulação ela não é socialmente necessária naquele momento, seu valor de troca não é resolvido num valor de uso ao ser adquirida pelo consumidor. A metamorfose M-D é o momento onde o produtor, ao colocar seu produto num mercado abarrotado pela concorrência verá se consegue realizar seu lucro através da venda, ou se a produção de seu bem lhe acarretará prejuízo, caso não consiga vender suas mercadorias para cobrir seus custos de produção.

 

44. M-D na verdade se correlaciona com D-M. Toda venda é também uma compra. Se o produtor está no mercado com uma determinada mercadoria, para trocar por dinheiro (que como já vimos também é uma mercadoria (símbolo universal de valor todavia)) o comprador efetua a operação contrária, quer satisfazer através do seu dinheiro uma necessidade humana. Para ele o produto a ser comprado não é uma mercadoria mas um bem tão somente para seu uso. Entretanto, para obter este dinheiro, também o comprador, seja ele um assalariado ou um burguês, teve que em determinado momento vender alguma mercadoria (ainda que seja sua força de trabalho) para a obtenção do dinheiro. Assim, a venda M-D resolvida em seu contrário D-M,  está numa correlação ininterrupta M-D-M-D-M, da mesma forma que a compra inicial D-M, resolve-se em D-M-D-M-M. senão com os personagens singulares iniciais, em toda uma série de compras em venda.

 

45. Nosso produtor (na verdade, um grande burguês nas condições atuais de vida) não vende apenas para receber dinheiro, gastá-lo todo e deixar de trabalhar. Ele necessita separar uma parte do dinheiro da sua venda para comprar meios de produção para produzir novamente e voltar ininterruptamente ao mercado. Da mesma maneira que nosso singular comprador, que deverá continuar a reproduzir sua vida, necessitará produzir mais dinheiro para si mesmo, de alguma forma, para comprar constantemente os produtos necessários a sua vida.

 

46. Bem, já chegamos ao produto que representa o valor universal, já chegamos a circulação M-D-M ou D-M-D. Sabemos que o VALOR de uma determinada mercadoria é representado pelo trabalho socialmente necessário contido nesta mesma mercadoria. Mas, por enquanto andamos em círculo. Se dizemos que o valor de um quilo de açúcar equivale à quantidade de trabalho necessária para produzir um quilo de açúcar, fabricamos uma tautologia. E só podemos efetivamente fazer séries de comparações... Dez quilos de açúcar = 5 quilos de café =10 quilos de tomate =dois quilos de carne = ½ quilo de ouro = 15 reais... na verdade a lista seria infinita, e no fundo sempre relacionado ao valor do trabalho.

 

47. Mas afinal, como saber o VALOR DO TRABALHO? Onde se encontra o trabalho? O trabalho é uma função da força de trabalho humana viva. Então, da mesma maneira que os custos de um determinado produto são os custos para a produção deste produto, o custo do café  representam-se pelos gastos necessários na produção e manutenção da lavoura, também o custo da força de trabalho representam-se pelos custos necessários produção e a manutenção da força de trabalho humana viva, ou seja, os custos de manutenção e reprodução do trabalhador. Sujeitos as todas as flutuações que a escassez, a oferta, a procura, representam para os outros produtos.

 

48. Agora damos um passo à frente. Na circulação, na produção, até agora não conseguimos surpreender o momento em que se dá o LUCRO. Os nossos capitalistas e sua fração de classe de apaniguados intelectuais nos fazem acreditar que o lucro advém de uma operação de venda acima do valor da mercadoria. Mas como pode ser assim, se a determinação do preço de uma mercadoria se dá numa correlação com toda uma série de outras mercadorias? E, ainda que admitissimos, que uma mercadoria é vendida acima de seu VALOR, logo que este capitalista realize seu lucro se torna um comprador ele compraria todas as outras mercadorias acima do seu VALOR também... assim, a operação inicial de vantagem seria completamente anulada pelas compras subseqüentes. Não é possível que toda a classe capitalista engane-se entre si.

 

49. O capitalista necessita de um produto que através de uma alquimia produza um SOBREVALOR. Ele encontra este produto no mercado, este produto é FORÇA DE TRABALHO HUMANA VIVA. Este conceito é fundamental. Pois, na verdade o capitalista não compra o trabalho do operário, ele compra a FORÇA DE TRABALHO. O trabalhador aliena de uma só vez  toda a sua força produtiva para o capitalista. Já vimos que o custo da força de trabalho humana viva é o MÍNIMO INDISPENSÁVEL PARA A MANUTENÇÃO DO TRABALHADOR. Alguns objetaram que muitos ganham abaixo, ou acima deste mínimo necessário, de acordo com a flutuação do mercado, este mínimo deve ser visto como o mínimo para a manutenção e reprodução de toda a classe em si, incluindo-se aí as despesas para a criação dos filhos e para a educação da mão de obra.

 

50. Assim, descoberta a pedra filosofal da produção burguesa, sabemos que a maneira que o trabalhador se auto sustenta é ao vender sua força de trabalho para o capitalista e receber um salário. Este salário é condicionado pelo mínimo necessário para a reprodução de sua vida. Digamos que este trabalhador receba, nas condições brasileiras atuais 400 reais. Ele trabalha para produzir este mesmo salário 2 horas por dia.

 

51. Então ele pega suas coisas e vai embora para casa descansar com sua família, ler, desenhar, pintar, jogar futebol.

 

52. -Epa, alto lá!!!! Grita o nosso capitalista! Eu comprei o trabalho deste trabalhador (nós já sabemos que ele comprou a Força de Trabalho, mas nosso burguês, não) para que ele trabalhe oito horas para mim!!!! Ele tem de trabalhar as outras seis. Estas seis horas de trabalho a mais que o trabalhador entrega graciosamente ao capitalista é o segredo do LUCRO, DO SOBREVALOR.

 

53. Esta operação também pode ser representada por peça, aquele trabalhador que trabalha por peça, geralmente trabalha uma para si, para seu auto-sustento e outras duas ou três de graça para o capitalsta.

 

54. É a MAIS-VALIA.

 

55. E nesta relação de trabalho não pago que reside todo o lucro do trabalho na sociedade capitalista.

 

56. Por esta razão, por não querer reduzir seu lucro é que os capitalistas lançaram a fábula de o lucro do capitalista estar somente na última hora trabalhada. Os burgueses não queriam de um lado que seu lucro diminuísse, de outro não queriam que os operários começassem a interferir na produção como classe, através de sua coesão, ditar normas ao capital diminuir a apropriação que o capitalista tem da vida do moderno escravo.

 

57. Isto resultou em pesados choques. Mortes, prisões, repressão violenta do movimento trabalhador. Quase sempre os trabalhadores saíram vencedores (ainda que parcialmente destas lutas), e é assim que a jornada de trabalho veio diminuindo em mais de século e meio de resistência proletária. Das inciais 18, 16, 14 horas para as atuais 8 horas.

 

58. Na verdade, a diminuição da jornada de trabalho também trouxe vantagens ao próprio capitalista. Com as melhorias das condições de vida adjacentes a esta diminuição, uma melhor concentração, uma diminuição no número de acidentes e uma exploração intensiva do trabalho humano que fez com que o trabalhador pudesse produzir em oito horas o mesmo que em 12 ou 14 horas por dia.

 

59. As profecias catastróficas dos ideólogos da burguesia que prediziam a ruína da produção com a diminuição da jornada de trabalho nunca se concretizaram, na verdade as benesses da diminuição da jornada de trabalho conseguidas pelas lutas operárias foram apropriadas em benefício da própria burguesia, com uma maior racionalidade da produção e uma diminuição do descontentamento proletário com a redução do grau de exploração.

 

A Alienação do Homem no Processo do Trabalho e Sua Reificação

 

60. Na produção o operário não se realiza como pessoa. Ao contrário do servo ou do mestre da idade média, ele não controla seus meios de produção, é controlado por eles. Seus movimentos repetitivos necessários a uma determinada fase da produção o alienam do processo completo de produção. Ele não passa de uma peça de engrenagem que é mais capaz sendo mais castrado, que é melhor sendo mais parcial, que é mais eficiente, sendo menos humano. O processo de produção é já em si também o processo de alienação do trabalhador, que não se dá conta de todo o processo de produção e reprodução, que através da circulação faz parte do processo de produção e reprodução da sociedade.

 

61. Com um processo de trabalho alienante, onde ele se vende, todo seu tempo vital ao capitalista, a vida deste operário começa depois da jornada de trabalho, em sua casa, na taberna, ele experimenta a reificação de uma parcela de sua vida. Como o próprio Marx, dizia, numa sociedade castrante e alienada, tão importante quanto a batata para a reprodução e consolidação da classe operária (ao baixar os custos de produção) foi a aguardente, para conseguir conter toda a frustração de uma vida que não tem sentido. Vendido de uma vez para sempre para os capitalistas, e dependendo desta venda para sua sobrevivência, o operário observa o Mercado como uma mão invisível, que num dia de desgraça pode jogá-lo e toda sua família na MAIS ABSOLUTA MISÉRIA.

 

62. Seu trabalho só vale para ele como produtor de VALOR. O valor que permeia toda a sociedade humanidade cria o FETICHE DA MERCADORIA, na sociedade da forma valor. O trabalho do operário, para ele mesmo, só tem significado enquanto produtor e reprodutor de valor, no qual ele poderá se encaixar na sociedade, onde ele poderá comprar os bens necessários a sua existência. A sua reificação da existência alienada se dá, na sociedade de valor, na compra e venda de mercadorias, que têm uma existência para além do valor de uso, são símbolos de status e importância, tem todo um FETICHE, uma existência para além de sua significação de produtos, na sociedade do valor. A posse reifica e traduz significado à existência humana.

 

63. Toda a luta por uma nova sociedade, onde os homens não estejam escravizados às coisas, tem de passar pela crítica da Forma Valor. Como observam vários teóricos, vivemos numa sociedade onde os homens estão escravizados a seus produtos e trabalham várias horas, ou a maior parte de suas horas, por uma série de coisas das quais realmente não teriam a mínima sociedade, mas que traduzem as diferenças de STATUS numa sociedade capitalista alienada.

 

64. E nesta crítica da alienação do homem no processo produtivo, com a perda de sentido de sua existência individual que Carlos Marx coloca a crítica revolucionária da palavra de ordem de passagem do REINO DA NECESSIDADE para o REINO DA LIBERDADE.

 

65. A quantidade de forças produtivas libertas e lançadas ao domínio da humanidade podem, numa sociedade controlada diretamente pelos produtores acabar com a alienação. Em lugar de o homem trabalhar para as coisas e ser escravo do tempo, ser escravo da produção, o homem dominar a produção para libertar seu tempo livre e se tornar senhor de sua própria existência.

 

A Alienação do Homem no Processo do Trabalho e Sua Reificação

 

66. Neste trabalho panfletário examinamos (não meticulosamente) as várias vantagens e as várias razões para lutar pela diminuição da jornada de trabalho.

 

67. Há ainda uma razão estratégica. Já há mais de uma década que o movimento operário e trabalhador vem correndo como o cachorro atrás do rabo. Sempre com lutas defensivas, para não perder mais direitos. Lutar pela jornada de trabalho de seis horas diárias, 30 semanais, subverte esta lógica. É uma luta ofensiva, que abre a perspectiva de contratação de uma quantidade maior de mão de obra (e com isto se engrossaria até certo ponto - dadas as dificuldade estruturais da crise do Capital - as fileiras dos trabalhadores formais), o aumento real do poder aquisitivo ao traduzir uma mesma remuneração por menos horas trabalhadas e, além de tudo isto, abre a discussão da diminuição da jornada de trabalho na perspectiva socialista de eliminação do trabalho como maldição e da necessidade de lutar por uma sociedade onde a produção seja regulada, visando o bem-estar geral, onde as pessoas só gastem de seu dia o tempo necessário e indispensável para a manutenção da sociedade na produção e que, aproveitando a evolução das forças produtivas, possam se utilizar da melhor maneira possível e que lhes aprouver (cultura, ócio, esporte, etc) sua vida.

 

68. Jogar o movimento dos trabalhadores na ofensiva, questionando a ordem capitalista alienante, brutal e estéril;

 

69. Diminuir um pouco o desemprego nesta crise aguda e crônica do sistema capitalista em sua fase final;

 

70. Melhorar um pouco as condições de vida dos trabalhadores, liberando mais tempo livre para eles;

 

71. Aumentar o salário real efetivo do trabalhador desde que ele tenha o mesmo salário por uma jornada menor;

 

72. Todas as razões para que esta luta seja primordial e estratégica no movimento sindical estão aqui expostas. Mas a maior de todas, a fundamental, é o questionamento efetivo da alienação do homem no processo de trabalho, submisso horas e horas por dia, numa labuta que lhe é alheia e que o vai esgotando ano após ano, apenas para que ele tenha condição de ser remunerado para se reproduzir, comprar e produzir mais valor (os setores que não trabalham diretamente na produção: Bancos, Administração Pública, Justiça, Segurança, etc, entram no custo social de produção, posto que são fundamentais na existência do sistema e seus custos entram na contabilidade dos setores produtivos, portanto, também são regidos pela lógica do VALOR), como RAZÃO DE EXISTIR DA HUMANIDADE.

 

73. Não é à toa que os burgueses reagem com violência a redução radical da jornada de trabalho. Eles no fundo sabem que a partir do momento que os proletários começarem a questionar a submissão total ao processo produtivo e a cobrar mais tempo para sua existência humana além do funcionamento como parafusos, já está se questionando a razão de existir de todo o Capital. O Capital só sobrevive se houver separação entre a produção e a cadeia de mando, a administração, a produção e a circulação.

 

74. Quando os trabalhadores começam a questionar o funcionamento de toda a estrutura produtiva, começam a questionar sua existência de formigas alienadas, dão um passo, pequeno mas efetivo, para começarem a entender e dar o passo final na libertação de todo o processo brutal de trabalho que seja exterior a eles mesmos, no caminho por uma sociedade auto-gerida e controlada em toda sua gênese pelos trabalhadores.

Contra a alienação, o embrutecimento, a perda do sentido de existência humana, 6 horas de trabalho diário, 30 horas de trabalho semanal para toda a sociedade.

 

75. Apenas o primeiro passo para um futuro no qual, com certeza, as pessoas não gastarão mais que duas ou três horas nas funções de manutenção da sociedade e terão todo o  dia, todos os dias, de toda a sua vida a dispor.

 

76. A libertação dos trabalhadores só pode ser fruto da luta dos próprios trabalhadores!

 

Vejam anexo, a Hora Perdida do Trabalho, interessante trabalho de Robert Kurz, sobre o qual, foram feitas algumas ressalvas.

                                      

O socialismo dos produtores como impossibilidade lógica


Original alemão: “Die verlorene Ehre der Arbeit”, in revista Krisis nºº 10,
Erlangen, 1991. Disponível en www.krisis.org, asim como a versão italiana, “L'onore perduto del lavoro”, Manifesto Libri, Roma, 1994. Versão
portuguesa, “A honra perdida do trabalho”, en Grupo Krisis
http://planeta.clix.pt/obeco, 29.11.02. La segunda e última parte se
publicará en breve. Tradução do português ao espanhol: Round Desk.
Robert
Kurz

A ontologia do trabalho


Não é possível socialismo algum nos horizontes da ontologia do trabalho, ou seja que a forma de mercadoria da reprodução social só pode ser superada juntamente com o «trabalho». Porém, isto é impensável tanto para a concepção do socialismo típica do velho movimento obreiro como para seu antagonista burguês. Inclusive en Marx esta questão não está ainda completamente resolvida, está ambígua. Por um lado, este afirma (sobretudo nos escritos da juventude) a necessidade de uma superação do «trabalho», porém por outro desenvolve em muitas passagens uma ontologia deste mesmo trabalho. Se poderia tratar, por tanto, só da superação de las formas histórico-sociais sempre diversas que assumiu o ««trabalho»», e não de sua existência pressuposta como eterna. Esta contradição se explica a partir das condiciones de desenvolvimento
ainda insuficientes do processo capitalista de socialização e cientifização.

 

O conteúdo do socialismo não pode ser «liberar o trabalho», senão única e exclusivamente «liberar do trabalho»». Convém aclarar desde logo que não se trata da forma da atividade humana lato sensu, o do “processo de metabolismo com a natureza”, senão sempre e só do “trabalho abstrato” encarnado en la forma del valor o da mercadoria, do «desgaste da força de trabalho humana»» como fim en si mesmo baixo as condições materiais estabelecidas pela competição dos sujeitos no mercado. É importante explicar melhor tal identidade entre o conceito de trabalho em geral e o trabalho abstrato na forma de mercadoria, identidade esta que torna impossível uma superação da mercadoria e do dinheiro no interior da ontologia do trabalho. O «trabalho» como categoria real inclui já o ««não-trabalho»», ou seja, «esferas» além do ««trabalho»» e «âmbitos» sociais separados do processo  do trabalho. O ««trabalho»» que se manifesta como separado do «tempo livre», da ««política»», da «arte», da «cultura», etc., é já sempre trabalho abstrato. Só a relação capitalista como forma desenvolvida do valor produziu em sua pureza esta separação real entre o «trabalho» e os outros momentos do processo de reprodução social. No passado, esta separação existia somente de maneira embrionária no divórcio entre os «produtores imediatos» e as classes isentas do processo do trabalho que se apropriavam do plus-produto material. Nas sociedades primitivas pré-classistas, pelo contrario, se encontra até a totalidade imediata do processo reprodutivo em que não há nem «trabalho» (no sentido estrito marxista), nem «tempo livre», nem «cultura», etc., como esferas particulares. E esta identidade imediata do processo da vida em todos seus momentos se perpetua no interior do processo de reprodução dos produtores imediatos nas formações pré-capitalistas, até o umbral da industrialização e da divisão
capitalista del trabalho.


Está claro que la separação do «trabalho» do resto do processo da vida não pode ser suprimida voltando até atrás, como queria en última instância a crítica moderna das forças produtivas inspirada na filosofia da vida. A unidade entre trabalho produtivo, práxis da vida e cultura, da maneira como se expressava por exemplo nos cantos dos navegantes do Volga, dificilmente poderia ser recomendada para solucionar as contradições da socialização abstrata en seu nível atual.


Qualquer «reconstrução» pseudo-concreta e pseudo-imediata dessa unidade tem que acabar na idealização reacionária de uma pobreza de necessidades e de um estado de sofrimento que o nível de civilização hoje alcançado torna efetivamente inimaginável. Na unidade total da práxis da vida que «ainda» existia nas sociedades pré-capitalistas, o trabalho não era ainda abstrato como esfera separada pelo simples feito de ocupar, como processo de metabolismo em boa parte imediato com a natureza, quase todo o espaço ativo da vida. Os momentos culturais o «políticos» são meros apêndices de um processo de reprodução imediato que o abarca todo, não em sentido ««funcionalista»», senão como parte de uma unidade tosca, indiferenciada e no mediada, que se pode dizer «orgânica» somente se quiséssemos  ressaltar o quanto ainda se apega à natureza. El caráter concreto do trabalho pré-capitalista consiste precisamente no trabalho como totalidade que abarca a práxis unitária da vida. Onde o trabalho é ainda total nesse sentido, seu conceito não pode ser formulado ainda por falta de diferenciação, e somente como trabalho total que abarca e cumula toda a práxis da vida pode ser ainda não-abstrato, no sentido de não ser uma esfera separada do gasto da força de trabalho.


O desprezo do trabalho por parte de las ««classes dominantes»» pré-capitalistas também representou por isto um enorme progresso, pois somente isenção de  una minoria em relação com o trabalho total no processo da vida que abarca tudo pode criar uma distância respeito à natureza e preparar um grau superior no metabolismo (uma correlação que escapa naturalmente a la consciência dos implicados). O ócio dos antigos ««dominantes»» (ainda submetidos na práxis da vida a fetiches naturais como por exemplo, o parentesco de sangue) era ao fim das contas muito mais ««produtivo»» que todo o ««honesto trabalho produtivo»» da historia universal. A ciência nasceu na antigüidade, e não do ««trabalho»», senão do ««ócio»», do distanciamento da crua unidade do proceso daa vida. Assim se pode entender que a emancipação da humanidade tinha que passar pelo trabalho abstrato e que a separação do trabalho da totalidade do processo da vida foi necessária para poder reconstruir sua unidade en um plano superior de riqueza de necessidades.

 

De feito, por más paradoxal que possa parecer à primeira vista, só a separação entre o ««trabalho»» e a unidade originária do processo da vida como um todo, considerada ««boa»» e ««desejável»», criou um ««ócio»» limitado também para a massa dos ««produtores imediatos»». Só o trabalho abstrato produziu um tempo efetivamente livre, ou seja, um tempo disponível para as massas.

 

La referencia, muitas vezes repetida pelos críticos do desenvolvimento, ao suposto ««tempo livre»» dos produtores imediatos pré-capitalistas acaba confundindo a simples suspensão da práxis da vida ou ««tempo vazio»» dentro de um processo reprodutivo elementar e pobre de necessidades
com o tempo ««livre»» ativo da própia práxis da vida, que só pode surgir a partir de la distancia com relação ao processo de metabolismo imediato com a natureza. Só el trabalho abstrato, que faz da reprodução imediata uma esfera separada, pode generalizar gradualmente essa distância. O navegante do Volga, em seu tempo livre ou vazio, podia na melhor das hipóteses repetir sua obtusa cantilhena do trabalho, enquanto que à ««máscara de caráter»» do trabalho abstrato se lhe abre cada vez mais todo um universo de possibilidades no tempo livre a sua disposição mesmo que naturalmente, o acesso a este universo permaneça deformado pela indiferença abstrata própria del mundo das mercadorias.

 

Não se tratar portanto de ««reconstruir»» para trás a unidade do processo da vida, por meio da dissolução do trabalho abstrato, senão, pelo contrário, de conceber o trabalho abstrato como um trampolim para um estágio superior da práxis da vida, trampolim hoje desnecessário por inútil. Não se trata portanto de anular a capacidade conquistada de distanciamento da natureza, senão melhor de liberá-la das miseráveis muletas do trabalho abstrato. A superação do trabalho abstrato não é possível, en conseqüência, sobre la base del trabalho produtivo, senão sobre a base do ««ócio productivo»».

 

Só desde este ponto de vista se faz claro o discurso de Marx sobre ««o desenvolvimento das forças produtivas»» como pressuposto de uma revolução socialista que o capitalismo cria  inconscientemente.

 

Esta lógica de superação do trabalho abstrato é incompatível com o conceito de socialismo del velho movimento obreiro. E este só podia imaginar a extensão do ««tempo livre»» sobre a base do ««trabalho»». O trabalho aparecía como aquilo que é autêntico, e o tempo livre como o que e derivado, inautêntico.

 

Na luta para reduzir a ««jornada normal de trabalho»», se conquistou e se extendeu de fato o tempo libre disponível para as massas, embora com a ênfase colocada na abstrata ««jornada de trabalho normal»» como centro indiscutível da práxis da vida e como sentido de la vida. Da mesma maneira que o socialismo ««político»» devia ser o ««poder dos obreiros»» e fundar-se ««economicamente»» no ««trabalho»», assim também lhe cabia a este, culturalmente, generalizar uma ««cultura obreira»», cujas monstruosidades ««realistas»» e monumentais glorificações kitsch del ««gasto de força de trabalho»» figuram de modo quase idêntico no fascismo alemão e no socialismo ««em construção»» da União Soviética.

 

«O trabalho libera» era também a palavra de ordem, em certo modo secreta, do movimento obreiro socialista. A unidade cultural da práxis da vida não podia ser restaurada sobre esta base, a não ser como propaganda enganosa. Inclusive quando tal unidade foi formulada de fato como objetivo, implicava mais bem um retrocesso reacionário da capacidade social de distanciar-se do processo produtivo imediato. Devia tratar-se sempre, portanto, de uma unidade baixo a primazia do ««trabalho»».


««Apartai os los ociosos»»: nesta estrofe da ««Internacional»» não se expressa somente um equívoco elementar sobre o caráter da relação social abstrata do ««valor»», que aparece reduzida aqui a um ato subjetivo dos ««exploradores»», senão também um gesto de ameaça do ««trabalho normal»» contra a perspectiva do ««ócio produtivo»». Sem consciência disto, el movimento obreiro se declara aqui a favor do principio capitalista abstrato do ««trabalho»» e contra a liberação do tempo social disponível da tirania do trabalho, que ainda se encontrava historicamente en ascenso. Todo isto se torna ainda tangível na desconfiança e nas campanhas francamente demagógicas contra os ««intelectuais»», aos quais, apesar de algumas declarações ocasionais em contrario, não ficaram imunes nem sequer as melhores cabeças do velho movimento obreiro. Nesta animosidade latente ou manifesta contra os intelectuais, que uma vez mais é idêntica, inclusive nas formulações às  posições do fascismo, não se refletia só as experiências com os ««intelectuais burgueses»» no contexto de suas funções capitalistas, senão também o repúdio a una existência social quase ««indefinível»» fora da atmosfera familiar do trabalho produtivo imediato.
Toda a historia do velho movimento obreiro ––desde os começos da social-democracia, passando pelo extremismo de esquerda da primeira pós-guerra, também a ««revolução cultural»» China–– está como atravessada por um fio condutor que reclama dos intelectuais, artistas, etc., a renúncia a suas pretensões no referente aos conteúdos e aos modos de vida, com o fim de que se submetam preferentemente ao trabalho abstrato, à glorificação do  processo produtivo repetitivo e ao horizonte espiritual das ««máscaras de caráter»» del capital variável. Este socialismo não patrocinava a superação da existência obreira, senão sua generalização coercitiva: o se conservava inconsciente la separação entre el ««trabalho»» e o processo da vida como um todo, como principio capitalista do trabalho abstrato, ou a superação desta separação só podia conceber-se como ditadura rígida do ««trabalho»» e de seus funcionários sobre toda pretensão cultural dissidente e sobre toda concepção da vida, das necessidades o do conhecimento que ««sobrepassasse»» suas fronteiras. O velho movimento obreiro se mostrou não como adversário do trabalho abstrato, senão como força histórica capaz de impô-lo  apresentando-se em cima com o nome de ««socialista»».

 

Por um lado, a cultura burguesa das ««esferas separadas»» podia assim ser realizada: o ««trabalhador normal»», que em seu ««tempo livre»» era empurrado aos museus e arrastado ante obras de arte por funcionários bem intencionados, era a vergonhosa caricatura do ««homem total»», fruto das cabeças quadradas do marxismo oficial de partido. Por outro lado, a oposição a tais horrores ideológicos da sociedade de trabalho socialista degenerava en um hedonismo boêmio e vazio, que tendia a imaginar a manifestação de una vontade ««socialista»» abstratamente libre (que naturalmente também pode ser decifrada como emanação do fetiche abstrato del ««valor»») como una espécie de existência de vagabundo, empunhando uma garrafa de alguma bebida à beira mar.

 

A superação socialista da produção de mercadorias não pode ser realizada como encarnação e realização do trabalho abstrato ««no interesse dos obreiros»», nem como imagem invertida vazia de um hedonismo abstrato, também ele impregnado completamente ainda pelo trabalho abstrato.
A perspectiva do ««ócio produtivo»» como referência positiva da riqueza de necessidades hoje alcançada, a ruptura do envoltório do ««trabalho»» abstrato e portanto a reunificação das ««esferas»» o ««âmbitos»» do processo da vida social separados pela ordem burguesa são impossíveis
dentro do ««trabalho»», e somente possíveis mais além dele. Este «más além», posto na ordem do dia pelo desenvolvimento atual das forças produtivas, sobretudo pelos novos potenciais de automatição, não é, sem dúvida, um ««reino da liberdade»» no sentido de um ««mais além»»
meramente lúdico e infantil del processo de metabolismo com o conjunto da natureza; este processo de metabolismo pode repousar hoje sobre cada vez menos trabajo produtivo humano, que, como tal, e portanto como trabalho abstrato, como esfera separada del mero gasto da força de trabalho, se está revelando completamente obsoleto.

 

O reino da liberdade se inicia já no interior do processo de metabolismo com a natureza, em medida que este já não pode ser definido como “trabalho”. Este reino começa por isto imediatamente no contexto de uma revolução socialista contra o trabalho abstrato, como o resultado do desenvolvimento capitalista das forças produtivas, e não, como resultado, colocado para um indefinido futuro distante e indeterminado, de um socialismo que ainda é parte da sociedade do trabalho.

 

Juntamente com o “trabalho” será superado necessária e logicamente o “tempo livre”, já não no  sentido de um “regresso” reacionário e repressivo da cultura à continuação da ontologia do trabalho, senão, pelo contrário, como fim da pré-história, no sentido da ruptura definitiva do continuísmo no processo histórico.


Observações Críticas (por Roberto Ponciano)

 

Ontologia - Parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser, do ser conceituado como tendo uma natureza comum que é inerente a cada um dos seres. Com Kant o universo é uma dúvida. Com Locke, é dúvida o nosso espírito; e num desses abismos vêm precipitar-se sem dúvida o nosso espírito: e num destes abismos vem precipitar-se todas as ontologias. (Dicionário Aurélio, citando Alexandre Herculano in “Lendas e Narrativas”).

 

É de se ver que no marxismo a ontologia de produção do indivíduo é o próprio processo de produção e reprodução da vida humana. Ver em ideologia alemã, onde Marx coloca claramente que o primeiro ato histórico é a produção para a satisfação de uma determinada necessidade; produção esta que produz também o primeiro instrumental de satisfação de necessidades humanas. Esta necessidade satisfeita em dialética com o instrumento de produção obtido, a produção ininterrupta de novas necessidades e novos instrumentais acaba por tecer o fio histórico de toda sociedade humana em sua estrutura e super estrutura. A produção continua de instrumentos para a satisfação de necessidades humanas, a criação de novas necessidades sociais, o instrumental novo de trabalho vai revolucionando continuamente as relações de produção. Desde a sociedade primitiva, onde a precariedade dos instrumentos de trabalho refletia-se no animismo da religião da natureza, até os processos mais evoluídos, como o feudal, onde a sociedade de senhores de terra tinha seu corolário ideológico no pensamento de uma igreja única que era mais que um poder temporal, era um poder político centralizado que correspondia às necessidades de sócio-metabolismo daquela época; até a acumulação primitiva do Capital, possibilitada pelos progressos nas forças de produção e relações produtivas, que foram capazes de fazer com que a civilização européia se expandisse com uso da força (apoiada da superioridade tecnológica). Da civilização comunista primitiva, até o capitalismo, passando pelo feudalismo, o que vemos em todo o momento é o incessante e contínuo revolucionar das relações de produção através do desenvolvimento contínuo das forças produtivas.

 

A produção e reprodução da sociedade humana inserida dentro deste processo é continuamente revolucionada, até no pensamento mais íntimos dos homens por cada revolução sócio-econômica que  corresponde a uma determinada fase de expansão das forças produtivas.

 

O Homem é um processo contínuo de desenvolvimento, uma relação dialética necessária entre a sua individualidade, os outros homens e a natureza. A relação com a natureza não pode ser vista da maneira contemplativa- idealista, mas se dá principalmente através da indústria humana, de forma dinâmica e contínua, sem a qual não existe sociedade humana e nenhum indivíduo sobreviveria.

 

O ser humano já formado desde o útero de sua mãe, com uma essência imutável e uma moral supra-social é apenas uma Robsonada, que só serve mesmo como um produto imprestável de abstração filosófica, uma fantasmagoria que efetivamente não ajuda avançar nem em um centímetro o terreno da luta pela real libertação do homem das relações que realmente o aprisionam no mundo real da produção e reprodução. Marx coloca muito bem que ao produzir os bens necessários a manutenção de qualquer sociedade, de forma dialética, o homem também produz de forma cega o tipo de sociedade correspondente ao grau de evolução das suas relações sociais em correspondência direta com o desenvolvimento dos instrumentos de produção.

 

De maneira nenhuma concordamos com a tese de Kurz de superação da fetichização da mercadoria, da sociedade do valor, pela simples negação deste fetichismo... Quando não consegue ver a necessária e real dialética da luta de classes do movimento obreiro, quando reduz todo o papel do movimento obreiro em sua luta de emancipação como um auxiliar aperfeiçoador do sistema capitalista, Kurz condena todo sua crítica à ineficácia, por perder o leitmotiv, o motor real da história, as relações concretas de dominação estruturais que geram o sistema sócio metabólico, a dominação e o fetiche.

 

Sartre, bem observou em sua “Crítica da Razão Dialética” que Marx não poderá ser superado enquanto não for superada a sociedade capitalista dividida em classes, e que, em geral, uma crítica pós marxista, na verdade, não passa de um retorno à formas pré-marxistas. Ao não entender a dialética de formação do pensamento marxista, a transformação do jovem marxista hegeliano idealista, a formação da sua teoria da Revolução pelo estreito contato com o movimento trabalhador revolucionário, Kurz perde de vista que toda vitalidade do Marxismo consiste em ser a teoria de uma classe social que não pode se libertar sem libertar de uma vez para todas toda a sociedade. Que embora seja uma classe em si, não é uma classe para si.

 

A sobrevivência de resquícios capitalistas na União Soviética não pode ser vista de forma anti-histórica e voluntarista, como algo próprio do movimento obreiro, baseado numa suposta sobrevivência mística de uma mentalidade capitalista.

 

Tem de se estudar toda a gênese de construção do socialismo no elo mais fraco da cadeia, acuada e atacada, tendo que se expandir para não ser engolida. Dentro do estudo da realidade do processo Russo pode se entender todos os desfeitos estruturais e todos os “desvios” (um conceito muito inexato e problemático em história) na construção de uma sociedade socialista.

 

Em lugar de fazer a crítica depuratória do processo socialista, avaliando todo o avanço do movimento obreiro em mais de um século de luta contra a burguesia, Kurz joga fora a criança junto com a água suja do banho (junto com desvios com o obreirismo, omite-se a luta contra o fascismo feita pelo movimento comunista internacional, a luta contra as duas guerras, etc), ao invalidar a luta de classes como motor de toda estrutura do materialismo dialético. Acaba por se tornar o contrário daquilo que sua crítica pretende, pois, ao não ver nenhum progresso na luta de classes durante séculos de embate do proletariado com a burguesia, reduz o proletariado a um auxiliar da burguesia na construção da sociedade do valor, acaba por fazer coro com os positivistas. Pois a dialética sem a luta de classes em antagonismo inconciliável não tem caminho para ruptura.

 

Kurz assim perde qualquer correlação da crítica com o movimento real feito pelos homens em sociedade, divididos em classes antagônicas em luta ininterrupta, com avanços e retrocessos, é verdade nesta luta. Se a crítica dele das sociedades pós moderna se valida exatamente por utilizar a dialética marxista, quando ele propugna soluções ele retorna a posições pré-marxistas próximos da Crítica Jovem Hegeliana Pré Marxistas, cujo acerto de contas foi feito por Marx em “A Sagrada Família” e principalmente em “A Ideologia Alemã”.

 

Em Kurz, em nenhum momento a arma da crítica se transforma em crítica das armas, em guia de ação revolucionária radical do tipo “Socialismo ou Barbárie”. Retorna a confusas previsões de rompimento do capitalismo pela negação do fetiche do valor e associações voluntárias negadoras da forma valor... Completamente inexeqüiveis num sistema híbrido completamente dominado pelo capital (neste ponto ele assemelha-se mesmo aos socialistas utópicos pré-marxistas, que não podiam entendem que todas as suas associações pró socialistas seriam esmagadas pela realidade da circulação que torna regra geral de sobrevivência a regulação capitalista da produção ou sua crítica total negativa - o SOCIALISMO)..

 

Perdido no Fetiche, Kurz não enxerga que ele não gera a alienação da sociedade, mas é gerado por estruturas econômicas concretas que se não forem derrubadas violentamente perpetuar-se-ão.

 

Ele retorna aos filósofos pré-marxistas no campo prático e dele poderíamos inferir aquilo que Marx diz em “Teses sobre Feuerbach”: “O que os filósofos fizeram até hoje foi interpretar o mundo de diversas formas. A tarefa a ser feita é transformá-lo”!

 

Todavia, sua crítica a questão do trabalho é extremamente bem feita efetivamente por ser prender as categorianas marxianas.

 

Kurz não consegue entender que em qualquer sociedade socialista que for se construir, sem exceção de qualquer passada ou futura revolução, no momento em que se destruir a oposição entre produção e controle, e os produtores passarem a administrar diretamente a produção, a consigna de que todos devem trabalhar é progressista e não reacionária.

 

De maneira nenhuma isto significa que o trabalho então ficará como uma maldição eterna a partir do qual deva se organizar uma sociedade socialista da produção máxima. É apenas um momento necessário da evolução, da passagem de uma sociedade capitalista para uma sociedade socialista. Fato este que Marx conseguiu ver claramente e fica bem nítido em Lenin (O Estado e a Revolução), a passagem de uma sociedade de classes para uma sociedade de classes não pode ser feita de uma só vez. Entre o capitalismo e a sociedade comunista haverá a necessária fase socialista de preparação da sociedade, de revolucionamento da produção, onde a consigna PROGRESSISTA de que ninguém possa sobreviver sem trabalhar (sobreviver do trabalho alheio) resolva-se num futuro próximo na ABOLIÇÃO DO TRABALHO, ao se abolir a sociedade de classes.

 

À primeira vista, falar em abolição de trabalho é algo confuso e obtuso. Que diabos Marx queria dizer com ABOLIÇÃO DO TRABALHO??? Há duas maneiras de se entender trabalho em Marx. Um, trabalho estricto sensu, a condição necessária de vida imposta pela natureza ao homem. Este tipo de trabalho jamais será abolido, nem mesmo na sociedade comunista. E Marx, claro, não colocou esta tarefa.

 

Então, como pode se abolir o trabalho?

 

Marx, observava que na sociedade capitalista o trabalho era um maldição é correspondia a uma porcentagem ínfima da enorme gama de atividades humanas (arte, cultura, esportes, lazer, etc). E que o Trabalho Assalariado, norma geral imposta pelo capitalismo através da subordinação de todos os homens à forma valor, a reificação do processo de trabalho como algo exterior e estranho donde o trabalhador retira sua subsistência e onde toda sua atividade lhe é imposta como uma mão invisível poderosa que toma conta de sua vida.

 

Para Marx, um dialético que trabalha sempre com a relatividade da existência de todos os processos, nascimento, desenvolvimento, caducidade e perecimento, o TRABALHO, na sociedade comunista de livres produtores, seria de tão forma diferente, a atividade humana seria tão mais rica e não estupefaciente, que deveria levar outro nome. Seria a passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade, onde o controle consciente do processo produtivo libertaria todas as potencialidades adormecidas do homem.

 

Um trabalho de tipo tão diferente que deveria necessariamente se falar em abolição do trabalho como o entendemos e o vemos na nossa sociedade Capitalista. Até porque, Marx colocava que a questão não era libertar o trabalho, o trabalho já era livre na sociedade capitalista. A questão era abolir este trabalho, abolir a escravidão assalariada numa sociedade de tal maneira nova que na verdade, até hoje estaríamos na pré-história da humanidade e a história real da humanidade começaria a partir do momento em que os produtores associados conseguissem efetivamente se livrar das vicissitudes de uma produção que assume uma forma autônoma avassaladora e destrutiva em relação as suas personalidades. Na verdade, a crítica que se pode fazer às sociedades de Socialismo Real é que elas, em nenhum momento colocaram esta tarefa. Em lugar de se avançar no planejamento autônomo com o objetivo de se abolir o trabalho, o TRABALHO FOI POSTO NUM ALTAR e glorificando como um valor em si, reproduzindo-se a alienação e a fetichização da sociedade capitalista.

 

A forma valor da mercadoria, que caracteriza o modo de produção capitalista, através da redução do homem à quantidade de trabalho socialmente necessário que ele pode produzir em determinado período de tempo, é uma forma social, desenvolvida historicamente e, por isto, transitória e superável.

 

Na verdade, a transição do feudalismo para o capitalismo não foi automática, a dialética de antagonismos da nova forma social, onde o trabalhador não era mais dono de nenhuma das suas ferramentas de produção, mas ele mesmo se transformava numa ferramenta de trabalho, alienada e fetichizada na forma valor, se deu através de séculos de terrível autoritarismo em cima dos indivíduos. Desde a moral Vitoriana, puritana, que passa a ver o corpo como uma unidade produtiva eugênica, com seus padrões estritos de moralidade, cujo objetivo final é retirar toda espontaneidade do indivíduo, transformá-lo no autômato obediente conformado capaz de executar uma operação repetitiva e monótona sem graves revoltas e pertubações na ordem.

 

Todo o processo de “caça as bruxas”, com seu potencial agressivo de negação da sexualidade, submissão da mulher e negação da natureza em pró de “racionalismo” quase positivista encarnado na perseguição das superstições (caça às bruxas, as mulheres como portadoras da ciência da natureza, da harmonia entre o saber e a natureza e a conseqüente redução da sua sexualidade também. Na produção capitalista a ciência é vista de forma instrumental e a natureza é vista sempre como recursos a serem transformados em produtos), são características a serem estudadas da maneira agressiva continuada de policiamento social para que o homem transforma-se num indivíduo conformado.

 

Séculos depois destes processos altamente autoritários, pode até nos parecer, a homens criados dentro de uma sociedade completamente moldado pela forma valor “natural” a submissão do corpo, da mente, do espírito humano a um processo de trabalho monótono, fatigante e irracional, que leva a maior parte de nosso dia.

 

Mas, na verdade, para se introduzir o processo de trabalho capitalista onde toda atividade humana foi reduzida a forma valor, foi necessária toda uma complicada rede intrínseca de controle social, que passa do aumento da opressão da mulher na família compulsiva monogâmica, estruturada em redor da certeza genética para a transmissão da propriedade (com uma extrema negação da sexualidade, ao ponto de durante séculos ser vedado o orgasmo a mulher - até mesmo a discussão dele!!!), ao controle rígido das funções corporais; contra todos os excessos praticados durante o feudalismo e que resultavam num desperdício de tempo. Como na forma valor, trabalho complexo sempre pode ser reduzido a trabalho simples, a tempo de trabalho socialmente necessário, em suma, todo trabalho pode ser reduzido a questão do tempo como valor expresso em mercadoria e uniformizado através da circulação.

 

Para Foucault, nossa sociedade se parecia muito ao Panopticom, espécie de prisão idealizada por Benthan, onde o controle sobre o indivíduo é compulsivo, doentio e total.

 

O movimento feminista, é, e só pode ser visceralmente anti-capitalista. Pela própria gênese do sistema, onde a mulher tem de estar subordinada ao homem na sua função de gerar filhos “legítimos” para a manutenção do direito de legar, sua emancipação real só se dará numa sociedade onde o processo sócio metabólico de reprodução seja não autoritário.

 

Onde a produção não esteja separada do controle. Onde os produtores livres efetivamente controlem todo o processo de produção construindo um novo edifício social coletivo onde a herança perda qualquer significado. Somente fora dos limites da família compulsiva monogâmica - essencial como microcosmo de reprodução do Capital - a mulher pode ter sua real emancipação.

 

Isto não significa, de maneira nenhuma, como querem os fariseus burgueses pseudo moralistas, que numa sociedade livre da pressão autoritária do controle expropriatório da produção, as relações familiares retornem ao nível de horda, sem nenhuma regulação sexual.

 

Formas superiores de sociedade levam a seres humanos melhores equipados eticamente. É exercício escolástico fazer previsões de como seria regulada a família numa sociedade onde não houvesse separação entre produção e controle, produção e propriedade, produção e circulação. Mas fica claro que a família monogâmica como célula de reprodução social da propriedade seria claramente superada por formas comunitárias de controle da propriedade.

 

Sem a questão da herança, a pressão social sobre a sexualidade feminina seria grandemente reduzida.

A falsa bandeira de aceitação da mulher dentro dos espaços de uma sociedade autoritária, demonstrou que, longe de emancipar as mulheres, colocou-as sobre um julgo duplo, o da dupla jornada de trabalho como regra (trabalho e casa). Somente a emancipação de toda a sociedade de todo o trabalho compulsivo, do trabalho como valor que acorrenta toda atividade humana e suga a energia existencial da vida, pode emancipar a mulher também.

 

Somente uma indústria social altamente desenvolvida (creches, restaurantes comunitários, etc) pode dar condições de retirar a mulher da escravidão da dupla jornada, já que embora a família monogâmica como forma de reprodução micro sócio metabólica do capital seja essencial a sua manutenção, esta família está cada vez mais cindida. Nas costas das mulheres hoje recai o direito da guarda dos filhos. Um direito que é também um fardo e uma obrigação numa sociedade onde o desemprego e os baixos salários tornam a criação dos filhos uma aventura hercúlea. É só vermos que 70% dos mais miseráveis da humanidade são mulheres.

 

A inserção da mulher no mercado de trabalho é muito mais uma necessidade do Capital do que um caminho para sua emancipação. Desnecessário colocar que efetivamente este trabalho não visa, de maneira nenhuma rodar para trás a roda da história e vir com bandeiras reacionárias e machistas do tipo de fazer a mulher tornar á cozinha. Pelo contrário, a emancipação da mulher oprimida é uma questão que só pode ser pensada em termos radicais, como emancipação de toda humanidade de todo trabalho compulsivo, constituindo uma nova sociedade auto-regulamentada pelos produtores (mulheres e homens) onde seu processo sócio metabólico novo que não contrapõe produção à controle, produção à apropriação possa efetivamente regular o funcionamento do edifício social de maneira que efetivamente a mulher consegui sua emancipação real, principalmente a propriedade de seu próprio corpo e sua sexualidade, extinguindo para sempre toda prática machista e toda violência e preconceito contra a mulher.

 

Para entender melhor o processo de fetichização do ser humano, sua reificação como simples instrumento de trabalho, a redução de toda sua atividade a forma valor, ver esta citação de Marx:

 

“A competição, segundo um economista americano, determina quantos dias de trabalho simples estão contidos em um dia de trabalho complexo. Esta redução dos dias de trabalho complexo a dias de trabalho simples não pressupõe, nela própria, que o trabalho simples seja tomado como medida de valor? Se a simples quantidade de trabalho funciona como medida de valor indiferente à qualidade, isto pressupõe que o trabalho simples se torna o pivô da indústria. Pressupõe que o trabalho tenha sido equalizado pela subordinação do homem à máquina ou pela extrema divisão do trabalho; que os homens sejam obliterados pelo seu trabalho; que o pêndulo do relógio se torne uma medida tão acurada da atividade relativa de dois trabalhadores como da velocidade de duas locomotivas. Portanto, não deveríamos dizer que um homem durante uma hora vale tanto quanto outro homem durante uma hora. Tempo é tudo, o homem é nada, no máximo ele é apenas a carcaça do tempo. A qualidade já não mais importa. A quantidade sozinha decide tudo, hora por hora, dia por dia.(Karl Marx, a Miséria da Filosofia).

 

 

 

Disputar e Fortalecer a CUT – Defender e Ampliar Direitos 

 

1. Estamos vivendo um momento novo na política brasileira e internacional, em especial com a vitória eleitoral de Lula. Abre- se um novo período da luta dos trabalhadores, portanto não é um momento qualquer, mais um momento histórico de reorganização da luta de classes no Brasil.

 

2. No plano internacional, a ofensiva do imperialismo no campo político, econômico e militar,  ameaça enquadrar todo o continente na condição de colônia, caso vinguem mecanismos de dominação como a ALCA, não havendo saídas nos marcos de políticas compensatórias , ou planos de desenvolvimento nacional e autônomos de economias de mercado, ou de um capitalismo mais humano.

 

3. As crises da Argentina, Venezuela, a guerra do Iraque, a crise recente da Bolívia , são exemplos que comprovam a real ameaça, da força de destruição acumulada pelo capitalismo-imperialista que podem levar a destruição de economias inteiras, bem como de todo o planeta. A resistência dos movimentos sociais a esse modelo predador, revela mais uma vez que, a única saída é a organização e luta, com objetivo de impedir o avanço do neoliberalismo e a construção de uma nova perspectiva a nível internacional.


4. No Brasil, após dez meses de governo, já é possível fazer uma análise dos rumos que toma a política macro econômica, e  dos rumos e opções do governo lula.

 

5. O governo diz que vive um momento de transição, embora não diga claramente para onde se vai com tal proposição, se uma transição para um projeto nacional e popular ou de adequação e reciclagem do atual modelo.

 

6. A verdade é que as medidas tomadas até agora tem sido  de um lado extremamente ágil no que diz respeito a encaminhar a continuidade dos projetos do governo anterior, em alguns casos até aprofundando  medidas que são exigidas pelo FMI. De outro lado, age lentamente no sentido de dar respostas às reivindicações históricas dos trabalhadores, frustrando a esperança de mudança depositada nas urnas por milhões de brasileiros nas eleições de outubro passado.

 

7. Podemos dizer, que dos 53 milhões de votos que elegeram o presidente Lula, e com exceção daqueles trazidos pela direita (PL e cia), a grande maioria acreditou na possibilidade de estancar a política neoliberal. Ou seja, a grande maioria do eleitorado brasileiro, encontra-se perplexo, especialmente os trabalhadores, depositários de grande esperança na eleição do atual presidente, destacando neste contexto, os servidores públicos, importante base de sustentação da eleição Lula presidente.

 

8. O aumento do superávit de 3.75% para 4.25%, a abertura da possibilidade de autonomia do Banco Central, o anúncio do cumprimento dos contratos, inclusive os de continuidade das privatizações, sinalizam a tendência de dar continuidade ao modelo de subordinação da economia do país aos interesses do grande capital

 

9. As reformas até agora apresentadas,  em especial,  a Reforma da previdência aprovada na Câmara dos Deputados e em debate no Senado Federal, com grandes possibilidades de aprovação, aumenta o sacrifício e impõe várias derrotas as servidores a curto prazo, e a longo prazo abre a avenida da privatização.

 

10. Esse processo tem levado á indignação e frustração milhares de trabalhadores que votaram no Lula com a expectativa de aumentar e ampliar direitos. Ao contrário, vêem seus direitos históricos serem varridos,  alem da abertura de privatizações ou entrega aos fundos de pensões a gestão de políticas públicas.

 

11. A diminuição a conta gotas dos juros, hoje em 19%; a declaração de Lula na visita a Busch de manutenção do calendário da  área de Livre Comércio da América - AlCA, para 2005; a aceleração de reformas que aumentam a concessão e lógica do livre comércio, são sinais claros que o rumo que o governo vem tomando não favorece os trabalhadores, trazendo para o movimento social a necessidade de ter uma postura de contestação de conteúdo ás políticas no próximo período

 

12. Por outro lado, a ausência de  medidas esperadas pela maioria da população ou não saíram do papel ou caminham a passos lentos: a esperança do emprego, da reforma agrária, da moradia e de moralização da máquina pública

 

13. As conseqüências desse processo já são claras: por um lado, o aumento do desemprego (contrariando o propalado espetáculo de crescimento); a tensão no campo com a formação de milícias armadas por parte dos latifundiários; a perseguição a lideres do MST, com prisão de várias de suas lideranças.

 

14. Por outro, os trabalhadores intensificam a resistência: a luta por moradia nas cidades e a revolta dos trabalhadores da economia informal; a greve  dos servidores públicos contra a proposta apresentada pelo governo para a previdência social e a política desenvolvida pelo MST na ocupação de terras, demonstram que os trabalhadores estão organizados e reagindo a mais ofensiva.

 

15. As resposta começam a se esboçar, nas ocupações de terras no campo e na cidade, na luta contra as demissões anunciadas nas montadoras e dos trabalhadores da economia informal, na greve do funcionalismo público, a greve dos correios, dos bancários na luta por reposição das perdas salariais, dão sinais claros desse novo momento, onde mesmo os trabalhadores que votaram em Lula, não deram e nem darão cheque em branco para aumentar seus sacrifícios.

 

16. Não é secundária a intensificação da criminalização dos movimentos sociais. Não por acaso, o principal partido do governo, promove verdadeiros expurgos diante de divergência de opinião, explicitando suas contradições.

 

17. Esse processo desencadeou um grande conflito do movimento social com o governo, com o próprio PT e a CUT. Com o PT, na medida em que os parlamentares que defenderam claramente as históricas posições do movimento, passaram a sofre todos os tipos de constrangimentos, inclusive com ameaça de expulsão.

 

18. Algumas das teses vencedoras no VIII Concut , não resistiram ao confronto com a realidade dos movimentos sociais e as vacilações da nossa central em não apoiar de forma clara as greves deflagradas, especialmente a recente greve no serviço público contra a proposta de reforma da previdência.

 

19. A pretexto de existir diferenças dos que são pelas negociação e os que são pela retirada da proposta, a direção majoritária da CUT e especialmente o seu presidente, Luiz Marinho, perderam a oportunidade de manter a Central na sua de luta e defesa dos direitos dos trabalhadores.

 

20. Na verdade essa disputa apenas isolou e enfraqueceu o movimento, fragilizando a CUT nas organizações sindicais do serviço público.  Tal contradição acabou na medida que o governo realizou uma votação relâmpago no dia 6 de agosto, que ficou conhecida como a "noite da vergonha", ás vésperas da grande marcha a Brasília que reuniu em torno de 70 mil trabalhadores.

 

21. Frise-se que a própria direção da Central teve que reconhecer, pelo desgaste político, que sua opção em relação à previdência era completamente descolada da reivindicação da classe, bem como pôde constatar, conforme denunciavam os servidores, a completa falta de disposição do governo em abrir um debate franco e democrático em relação às reformas.

 

22. Ao contrário de demonstrar disposição de negociar, o governo se mostrou irredutível, e mais:  o governo, através do presidente da Câmara (João Paulo Cunha), utilizou a repressão, inclusive autorizando a entrada da tropa de choque dentro do Congresso Nacional, permitindo a repressão e prisão de trabalhadores. Fato repugnado pela categoria e considerado inaceitável, vindo de um governo forjado no movimento sindical; na luta dos trabalhadores.

 

23. Ao acelerar  o calendário de votações e não permitir um maior debate na sociedade, o governo potencializou a frente de resistência em defesa dos direitos, que se formou a partir da greve dos servidores.

 

24. O movimento de resistência está apenas iniciando. O movimento sindical precisa mais que nunca fortalecer o movimento de resistência que teremos que construir para enfrentar essa e outras reformas que virão (trabalhista, tributária, Lei de falências, etc.).

A defesa de  uma verdadeira Independência da CUT com relação ao governo, é uma tarefa central. Esse  movimento tem que ser fortalecido e consolidado na base da sociedade,  seja pelas mobilizações e greves, seja pelas ocupações do movimento no campo e na cidade.

25. O fortalecimento de um campo de resistência, que não é oposição sistemática ao governo, mas que tenha plena autonomia para lutar contra as políticas que visem desregulamentar direitos conquistados, se expressam no Defender e Ampliar Direitos, e se propõe a não ser omisso no debate de conteúdo de cada reforma/política, acreditando que a única possibilidade de alterar os rumos das reformas é a mobilização dos trabalhadores.

 

26. O posicionamento recuado e dúbio  da maioria da direção da CUT tanto na greve dos servidores, quanto na pressão e ameaça de expulsão dos parlamentares que votaram contra a reforma, revela a necessidade de nos posicionarmos nas instâncias do movimento social de maneira firme e coerente com as bandeiras históricas.

 

27. As vaias dirigidas ao presidente da Central nos eventos de grande participação de servidores públicos, demonstram que ao persistir esse posicionamento equivocado, o setor majoritário tende a levar nossa central a um desgaste que pode ser irreversível, inclusive com rupturas políticas  em vários setores  da CUT.

 

28. Num primeiro momento, esse problema está claro na categoria dos servidores públicos, porém, num segundo momento, se manifestará também em função das lutas de outras categorias e de outras reformas: como a  trabalhista e sindical e a polêmica lei de falências, onde 27 parlamentares do próprio PT, votaram contra

 

29. O movimento sindical deve ter uma postura irrepreensível neste processo para construir um movimento de Defesa dos direitos, da livre expressão e para não permitir o isolamento da categoria dos servidores públicos e de outras lutas do movimento popular em curso (MST, MTST, dentre outros).

 

30. Diante de tal conjuntura, o fortalecimento das categorias em luta, a centralidade de nossas energias na defesa dos direitos, a aproximação de nossa ação à vida real de nossas entidades e categorias tem que ter por objetivo "Construir posição da CUT pela Base". Condição necessária para impedir a capitulação da CUT,  frente a pressão governamental e dos empresários que de tudo farão para criar as condições de impor suas teses que visam a desregulamentação e flexibilização.

 

ASSINAM: Maria Madalena Nunes, servidora da TRF 1ª da Região e coordenadora da Fenajufe; Démerson Dias, servidor do TRE/SP, coordenador do Sintrajud/SP e da Fenajufe;

 

 

Ampliar as bases sociais pelas mudanças, rumo ao desenvolvimento econômico e social

1. A eleição de Lula representou uma mudança qualitativa, de importantes repercussões políticas no país. Uma grande articulação possibilitou que pela primeira vez da história brasileira fosse eleito um presidente egresso do movimento sindical.

2. Esse resultado eleitoral é fruto também de um generalizado descontentamento que se acumulou por anos a fio. Incapaz de construir uma alternativa voltada aos interesses nacionais, o Brasil foi submetido a sucessivas políticas econômicas que agravaram nossos graves problemas.

3. Após duas décadas de baixo crescimento econômico, ampliação das desigualdades sociais e do desemprego e sucessivas crises, a sociedade apostou num projeto de mudanças.

4. A busca por alternativas ao projeto de globalização neoliberal não se deu apenas no Brasil. Esse modelo demonstrou-se inadequado para assegurar o crescimento econômico e ainda ampliou as desigualdades entre os povos. O Fórum Social Mundial, que caminha para a sua quarta edição, as manifestações que têm acompanhado as reuniões das grandes potências, o povo que vai às ruas protestar contra os efeitos dessas políticas são exemplos em escala mundial representativos desse despertar. Mesmo que ainda não se tenha gestado um novo consenso, prepondera uma certeza de que é preciso buscar novos rumos.

5. Mas, sair das armadilhas criadas pela liberdade total que se abriu para a circulação de capitais não é uma tarefa fácil. Os diversos países, reféns de seus desequilíbrios nas suas contas externas, sofrem os efeitos na necessidade de atender continuamente às expectativas do mercado financeiro. Acreditar em saídas a partir da continuidade do modelo ainda tem o seu encanto. Infelizmente, o rompimento com esses paradigmas ainda não se demonstrou uma saída imperiosa. Diversos setores insistem em realizar acomodações no modelo, evitando transformá-lo. Mas, ressalte-se que até mesmo os relatórios recentes do FMI reconhecem que os países que ousaram optar por um novo caminho encontram-se em situação bem melhor aos que sucumbiram aos programas e lições do Fundo.

6. No Brasil, as seqüelas deixadas especialmente pelos dois mandatos de FHC são enormes. Uma herança com múltiplos efeitos, com desagregações nos campos social, econômico e político. A desconstituição do estado nacional e as privatizações diminuíram ainda mais as alternativas. Refém de uma dívida colossal, cara e de curto prazo, a administração pública foi conduzida por um projeto que tem como prioridade a produção de superávits primários volumosos e crescentes, uma política incapaz de solucionar até mesmo a questão da dívida e que dificulta ainda mais as ações do estado voltadas para suplantar todos esses problemas. Emblemático nesta questão foi a necessidade de instalar desde 1998 um regime de co-gestão com o FMI. Um acordo já renovado por duas vezes. O país assumiu uma nova dívida, que supera a marca de 80 bilhões de dólares, cujos recursos somente podem ser utilizados para pagamentos ao próprio Fundo e outras agências multilaterais. Junto com a dívida, o país se submeteu a metas de resultado primário e se comprometeu com um programa de estabilização fiscal para assegurar garantias para o pagamento dos credores do sistema financeiro, a diversas obrigações, como a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, privatizações, especialmente dos bancos estaduais, autonomia do banco central, reformas da previdência abrindo espaços para os fundos de pensão etc. Missões do FMI apuram trimestralmente a fidelidade do governo aos propósitos do acordo, uma supervisão que, para o mercado, representa um aval aos seus múltiplos interesses. Isto sem relacionar outras implicações em questões como livre comercio, proteção de investimentos, patentes etc., que alteram o posicionamento do governo, já que nos tornamos reféns de interesses norte-americanos - que efetivamente influenciam as deliberações do FMI.

7. Durante os primeiros nove meses de mandato, o governo Lula ocupou-se de restabelecer a confiança dos mercados como condutor de uma política monetária e fiscal ortodoxa e austera. O resultado dessa opção foi o desenvolvimento de ações exclusivamente voltadas para uma agenda antiga, identificada com o passado derrotado nas urnas. A ampliação das metas de superávit, o aprofundamento da recessão, o crescimento do desemprego e a reforma da previdência, dentre outros, são, ao mesmo tempo, elementos e conseqüências dessa opção. Essas medidas, que aprofundaram a política desenvolvida pelos governos anteriores, foram apresentadas à sociedade como medidas de transição, uma necessidade diante do grave situação da economia em nosso país. Ansiosa por ser o fim dessa transição, mesmo que não acredite num espetáculo do crescimento, a sociedade ainda aguarda pacientemente um plano B, capaz de conduzir o país por um rumo de desenvolvimento econômico e social.

8. Parece consenso dentre os diversos setores mais avançados que esse modelo econômico não é capaz de conduzir o país por um processo continuado de crescimento econômico, condição essencial para diminuir com o desemprego estrutural e permitir o avanço de políticas públicas de distribuição de renda. Limitado pelos graves entraves do financiamento externo e pela vulnerabilidade decorrente da dívida, o Brasil precisa apostar sempre nas incertezas do fluxo e no bom humor dos capitais especulativos. Ressalte-se que o ambiente que tem atraído esses capitais em 2003, atrás de grandes ganhos na bolsa e nos títulos a juros é o mesmo que repele os investimentos de longo prazo. A abertura indiscriminada a capitais de curto prazo, que exigem grandes retornos em pequenos espaços de tempo tornou-se uma falsa saída, incerta quanto a sua duração, muito cara a sua manutenção.

9. Para induzir o crescimento do país, é preciso alterar a política monetária, baixando os juros e disponibilizando e direcionando créditos para fomentar os investimentos do setor privado. É preciso modificar a política fiscal, diminuir as metas de superávit para que o estado possa realizar os dispêndios necessários não só para garantir a distribuição de renda quanto para a institucionalização de políticas e serviços públicos universais que assegurem pleno acesso em quantidade e qualidade a saúde, saneamento, habitação e educação. É preciso ampliar o salário mínimo, que é seguramente um dos mais importantes e eficientes instrumentos de distribuição e interiorização da renda em nosso país. É preciso fazer uma reforma agrária, permitindo o acesso a terras, meios de produção e de escoamento dos bens, com incentivos à agroindústria. São necessárias políticas que facilitem a exportação, sem que para isso seja preciso constranger o mercado interno. É preciso estabelecer políticas industriais. É preciso expandir e formalizar o emprego. É preciso que o Estado brasileiro assuma um papel indutor e diretor de um desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Esse elenco de tarefas é incompatível com juros de 20% ou mesmo de 10%, se os demais países praticam juros de 4 a 6% ao ano. Também não é possível despender os recursos necessários se somos obrigados a um superávit de 70 bilhões de reais, com projetado para 2004.

10. Essas mudanças não correrão por acaso. É preciso ampliar o apelo social por essas transformações. É necessário disputar dentro e fora do governo assegurando que esses e não outros interesses prevaleçam.

11. Nesses próximos meses, estarão em debate questões importantes, como a renovação do acordo com o FMI, transgenia e a biossegurança, as reformas sindical e  trabalhista, a ALCA, as próximas rodadas de discussões da OMC, o orçamento de 2004 e do Plano Plurianual para 2004-2007. Intensifica-se a mobilização social contra o desemprego, a recessão e a queda da renda dos trabalhadores. Na própria proposta orçamentária, ficará evidente como se darão as discussões em 2004 sobre o aumento real do salário mínimo (na proposta enviada pelo governo o aumento real previsto é inferior a 1%) e sobre a reposição das perdas dos servidores públicos.

12. A questão de fundo que permeia todos esses pontos e vários outros é se continuaremos políticas voltadas exclusivamente para os interesses daqueles que defendem uma relação subserviente com os Estados Unidos em troca de um acesso mais favorecido de seus produtos e serviços ao mercado interno americano. Esses setores, vinculadas às elites liberais, principalmente o grande empresariado financeiro, industrial e de agronegócios, defendem um projeto de Brasil que se molda em função de seus propósitos imediatos e particulares, mas que é sustentado e apresentado perante a grande parcela da sociedade pelos principais meios de comunicação do país como a única saída. Nessa rota, a dependência do Brasil se avoluma, as alternativas vão se extinguindo. Esse modelo, que serviu de base para a construção e implantação do Plano Real, imaginava que submisso aos interesses do capital financeiro internacional, não faltariam créditos fáceis e baratos para promover o nosso crescimento. O país ficou muito mais vulnerável, inclusive com a ampliação do endividamento externo, da remessa de royalties, juros etc. Ficou patente que esse projeto não corresponde aos interesses da sociedade, mas favorece exclusivamente a uma pequena parcela das elites nacionais.

13. Ao disputar ativamente uma posição mais avançada em todas essas questões, esses embates permitirão a visibilidade dos setores da nossa sociedade que sempre lutaram por um projeto de desenvolvimento voltados aos interesses nacionais do povo, capaz de conduzir o país por um crescimento sustentável, onde perfilem resultados econômicos mas principalmente sociais, mais e melhores empregos, onde a distribuição da renda não seja uma promessa para um eterno futuro, mas seja entendida como um princípio e um requisito para a construção de um mercado interno e o desenvolvimento em nosso país.

14. Assim, algumas tarefas emergenciais se colocam para o conjunto dos trabalhadores e de suas entidades.

15. Imediatamente, é preciso negar abertamente um novo acordo com o FMI, que consolidaria mais um período de co-gestão do governo brasileiro, tutelado por interesses que se opõem aos do projeto de desenvolvimento nacional. E, reforçar as posições dentro do governo e da sociedade que afirmam ser essa ALCA voltada principalmente aos interesses dos EUA, de suas empresas e do seu capital financeiro.

16. Outro desafio que se coloca para todos os setores organizados e dotados de compromisso social é organizar e fortalecer a luta social pelo emprego e pela renda. Construir uma grande jornada em defesa da geração e da formalização do emprego, reforçar a luta, que neste final de ano e no primeiro semestre de 2004, se desenvolve pela reposição das perdas inflacionárias; despender esforços pela aprovação de emenda constitucional para a redução da jornada de trabalho, sem redução de salários e com majoração dos encargos para o serviço extraordinário (PEC 239, de 2001 dos deputados Inácio Arruda e Paulo Pain).

17. Há sensibilidade e espaços nesse governo para as demandas organizadas da sociedade. Que sirva de exemplo a disputa que se trava desde setembro para que o Orçamento de 2004 não subtraia recursos para a saúde. Quando o projeto de lei orçamentária foi enviado ao Congresso, a Emenda Constitucional n.° 29, que estabelece recursos mínimos para as ações e serviços de saúde pública, não estava sendo obedecida. A equipe econômica, numa mensagem que justifica um veto presidencial sobre esses recursos, afirma que atender a essas despesas criaria dificuldades para o equilíbrio orçamentário. Mas, a indignação que contaminou o processo de preparação da XII Conferência Nacional de Saúde, a luta das entidades do setor e dos parlamentares devolveu para a saúde R$ 4,2 bilhões de reais.

 

A Reforma da previdência: extrair lições e intensificar a luta em defesa do serviço público e dos direitos dos servidores

18. A proposta de reforma da previdência enviada ao Congresso Nacional é um exemplo típico da agenda antiga que esse governo recebeu e assumiu como sua. Como um elemento dessa agenda velha, ela teve como eixos diminuir os gastos do estado com despesas obrigatórias e efetivar os espaços para a implantação dos planos de previdência complementar, agora entre os servidores. Assim, para os setores que buscavam a inserção do país num novo rumo mudancista, a proposta foi inoportuna quanto ao seu momento de tramitação e equivocada quanto ao seu mérito.

19. É importante ressaltar que o governo teve que ignorar os debates que a sociedade e mesmo o que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES – travaram sobre a reforma da previdência. A proposta deliberada no Conselho tinha nitidamente uma preocupação de responder à enorme exclusão da cobertura previdenciária que hoje existe junto aos trabalhadores do setor privado. Era necessário permitir uma inclusão social que tivesse como preocupação central efetivar a expansão do direito previdenciário, em resgate à cidadania desses trabalhadores (quase 60% dos trabalhadores junto à iniciativa privada), muitos em idade já avançada e sem capacidade contributiva.

20. As indicações do CDES nunca responsabilizaram os direitos dos servidores pelas mazelas do setor público, combateram os privilégios, mas caracterizando-os como exceção e não como regra.

21. Mas, a proposta de reforma foi elaborada tendo como eixo um acordo com os governadores, compensando-os pelas dificuldades que a Lei de Responsabilidade Fiscal, a recessão e a queda nas receitas, mas, principalmente, aglutinando-os para o apoio à reforma tributária. Essa formação, governos federal e estaduais, dificultou em muito os avanços na reforma, durante a sua tramitação na Câmara e no Senado, colocando o governo central e mesmo o parlamento reféns desses interesses.

22. Aprovada na Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência tramita agora no Senado Federal e tem reduzidas possibilidades de ser alterada.

23. Foram aprovadas múltiplas modificações durante as discussões e votações, minorando os efeitos sobre os direitos dos servidores e a sua expectativa. Mas, no fundamental, prevaleceu a vinculação com a agenda antiga, o texto aprovado manteve objetivos da proposição inicial: efetivar cortes em despesas obrigatórias do Estado brasileiro e ampliar espaços para crescimento dos fundos de pensão. Naturalmente, com o processo de luta e negociação, os efeitos em prol desses objetivos ficaram minorados.

24. O texto aprovado retira da Constituição a definição de direitos previdenciários dos servidores. Essa desconstitucionalização repete o movimento iniciado por FHC,  reservando para a Constituição a ampliação de requisitos e carências, além da imposição de obrigações, como a contribuição de inativos. Foi assim em 1998, com a reforma do regime geral de previdência social, quando a fórmula para o cálculo das aposentadorias (36 últimas contribuições) foi retirada do texto abrindo espaço para a aprovação de uma lei que pondera 80% das melhores contribuições do trabalhador, em toda a sua vida contributiva, e ainda lhe aplica um fator previdenciário. Essa combinação permitiu, via legislação infraconstitucional, reduzir os direitos por meio do critério de idade, que o Congresso havia derrotado em votações de emendas constitucionais.

25. O texto da emenda pretende, portanto, trazer para o regime próprio dos servidores as “inovações” que FHC fez no regime geral de previdência social. Fazer reformas para extirpar da Constituição as definições dos direitos é uma recomendação reiterada dos organismos internacionais. Nesse sentido está o Relatório do Banco Mundial “Brasil questões críticas da previdência social”, de 2000, onde se vê:

primeiro avanço da primeira rodada de reformas [a Emenda Constitucional n.° 20, de 1998] foi – na medida em que removeu a fórmula de benefícios da Constituição – tornar mais fáceis as reformas mais profundas”[1].

26. Por outro lado, renova-se a necessidade de organização e de luta dos servidores e da sociedade para defender um modelo avançado de serviço público e os correspondentes direitos dos servidores, no processo de regulamentação da reforma. Se não há garantias constitucionais para a paridade e a integralidade para todos os servidores, caberá à lei definir a amplitude desses institutos.

27. Para os atuais servidores, somente há garantias reais para a integralidade dos que se submeterem a ampliação de carência de idade mínima de 60/55 anos e de tempo de serviço público e de carreira, e, mesmo assim, a paridade estará comprometida se a lei excluir parcelas remuneratórias (na adoção de novos planos de carreira, transformação ou reclassificação de cargos, ou novas gratificações para os servidores em atividade) do cálculo ou dos proventos de aposentadorias e pensões. 

28. O cálculo das aposentadorias e pensões dos novos servidores também depende integralmente das definições legais. Há somente a limitação ao teto do regime geral de previdência social.

29. Ainda estará sujeita à regulamentação a incidência da redução da pensão.

30. Ficou definido que os fundos de pensão serão públicos, mas os benefícios ficarão restritos à modalidade de contribuição definida, não havendo, portanto, garantias constitucionais para os benefícios previdenciários devidos por esses fundos. No entanto, será a legislação que definirá as obrigações e os direitos dos servidores e do Tesouro frente a esses fundos.

31. É certo que, fora da proteção constitucional, a definição dos direitos ficará ao sabor da lei, que responderá em primeira ordem às limitações da lei de responsabilidade fiscal e aos imperativos do ajuste. Mas será a capacidade de luta e o grau de organização dos diversos segmentos interessados que irá decidir essas matérias.

32. Do ponto de vista do regime geral de previdência social, o debate dessa reforma ficou muito aquém de um projeto efetivamente mudancista, não assegurando a inclusão dos 40 milhões de trabalhadores afastados da cobertura previdenciária.

33. A reforma amplia o teto de benefícios do RGPS, mas o mantém fixado em valores nominais no texto da Constituição, incorrendo no mesmo erro da EC 20. A esse valor são acrescidos somente os reajustes para manter o seu valor real. No entanto, como vem ocorrendo desde a promulgação da EC 20, em todos os momentos em que ao salário mínimo é concedido um reajuste superior ao da inflação, o teto cai relativamente ao mínimo. Como o atual governo prometeu dobrar, em valores reais, o salário mínimo, ao fim do seu mandato, o teto não será mais equivalente a 10 salários  mínimo, mas estará reduzido à metade.

34. Sobre o debate que aposta na criação dos fundos de pensão para a promoção do crescimento econômico, é preciso ressaltar que carecem de fundamento as colocações que apontam no mercado de capitais como um novo caminho para o projeto de desenvolvimento para o país, como até mesmo reconhece o Banco Mundial no documento supracitado. Nele afirma-se que:

embora a justificação baseada no desenvolvimento da poupança e do mercado de capitais não tenha sido geralmente provada, as condições no Brasil indicam que melhor equilíbrio fiscal e atuarial das pensões no primeiro pilar – especialmente do RJU – criarão o espaço fiscal necessário para promover o crescimento sustentável do terceiro pilar, financiado [o BM propõe regimes fracionados e focalizados de cobertura previdenciária; no primeiro pilar é o Estado que garante os benefícios; o segundo é um regime compulsório capitalizado e o terceiro é o regime facultativo capitalizado]”[2].

35. Vê-se que a preocupação do Banco Mundial, que não deveria ser a do nosso governo, é estritamente com o desenvolvimento dos fundos de pensão, independentemente de não estar provado que as restrições de direitos dos regimes previdenciários tenham efeito prático no desenvolvimento.

36. Do ponto de vista fiscal, é preciso compreender que os resultados fiscais que derivam dos cortes no regime próprio de previdência e da cobrança de inativos (aposentados e pensionistas) não se destinam a financiar outros gastos sociais, mas fundamentalmente ao ajuste fiscal. Essa lógica fiscalista não pretende cortar direitos dos servidores para ampliar outras obrigações do Estado, derivadas da expansão da seguridade ou da cobertura previdenciária. Perderão os servidores públicos e toda a sociedade, pela precarização dos serviços públicos prestados. A proposta orçamentária para 2004, em tramitação no Congresso reforça essa conclusão. Mesmo depois dos cortes nos direitos previdenciários dos servidores e depois da cobrança de contribuição dos inativos, a proposta ainda faz um corte de R$ 3,5 bilhões nos recursos mínimos para a Saúde, descumprindo a EC n.° 29.

37. Reforçam essa conclusão as afirmações constantes do Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004, enviado pelo governo em abril deste ano. Nesse anexo pode ser lido que a reforma da previdência é fundamental para que se alcance a meta fiscal:

“A redução das despesas especialmente algumas despesas obrigatórias de maior vulto também deverá contribuir para a meta fiscal.  Dentre as medidas para melhorar o quadro fiscal, destaca-se a reforma da previdência social”.

38. Também merece atenção a tática utilizada pelos servidores e suas entidades nesse processo. Vários segmentos apostaram que a bandeira capaz de aglutinar setores dentro e fora do funcionalismo seria a “retira da reforma da previdência”. Essa tática desconheceu que enviar a proposta de reforma ao Congresso fazia parte das obrigações do governo frente ao FMI e que assim, retirar a proposta resultaria num rompimento das expectativas de mercado e portanto não coadunaria que as tarefas que o governo assumiu nesse processo de transição. Por outro lado, as entidades que apostaram na greve e nas manifestações para reforçar o processo de negociação conseguiram fazer avançar a proposta, conseguindo defender os direitos dos servidores.

39. Além disso, a proposta de retirada da emenda constitucional não se demonstrou eficaz para conduzir a luta dos servidores durante a tramitação no Senado Federal. A aprovação do texto na Câmara foi entendida pelos servidores como uma derrota absoluta dessa tática, desmobilizando amplos setores do funcionalismo, mesmo dentre aqueles que construíram um processo de mobilização, foram à greve, às ruas, ao Congresso.

40. Por todas essas questões, é preciso conscientizar os servidores para a necessidade de ampliar a organização, a luta e a capacidade de intervir no processo de regulação da reforma. Isto, é claro, sem falar na mobilização para a defesa dos direitos frente ao Judiciário, que também pode se apresentar como uma frente de embate a ser percorrida nesse processo.

 

Justiça: reformas pró-cidadania em oposição ao projeto pró-mercado do Banco Mundial

41. Existe hoje na sociedade brasileira um posicionamento pró-reformas no Judiciário. Há uma percepção generalizada de que a justiça é lenta, de difícil acesso para amplos setores da sociedade, de que há nepotismo e corrupção. Essa construção é hoje explorada para defender reformas no Judiciário com uma orientação pró-mercado, defendida pelo Banco Mundial. Essas mudanças atingem também o Ministério público e outras funções essenciais da Justiça. Essa grande campanha pela “reforma do judiciário”, reforçada pelos grandes meios de comunicação, não pretende enfrentar quaisquer desses problemas que a sociedade percebe.

42. Mas, como postula o Banco Mundial, depois das reformas econômicas, é preciso realizar as “reformas de segunda geração” voltadas para os aspectos institucionais do Estado.

43. A proposta do Banco Mundial, traduzida em seu estudo técnico n.º 319, de 1996, está centrada na necessidade de construir nos diversos países da América Latina e do Caribe um sistema capaz de aplicar a lei e interpretá-las de acordo com padrões regionais e internacionais, no sentido de “garantia de direitos individuais e direitos sobre a propriedade”. Como diz o documento: “mais especificadamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e equidade na resolução de conflitos, ampliando o acesso à justiça e promovendo o desenvolvimento do setor privado”.

44. Em linhas gerais, para alcançar esses objetivos, o Banco Mundial enumera três pontos básicos para a reforma do Judiciário: o controle externo, a necessidade de institucionalizar métodos alternativos para a solução de conflitos e a verticalização da jurisprudência a partir das decisões das instâncias superiores.

45. No Brasil, esses pontos se escondem em propostas como administração do Judiciário, o controle externo, a arbitragem, mediação, composição das cortes superiores, comissões de conciliação prévia, a súmula vinculante, a argüição de relevância, restrições à concessão de cautelares e liminares, término do poder normativo da Justiça do Trabalho, instituição de foro privilegiado também em ações populares e ações civis públicas, lei da mordaça (foi rejeitada) etc.

46. Em resposta a essa pauta de reforma, é preciso apresentar uma agenda democratizante e publicizante para as reformas no Judiciário e no Ministério público, justamente porque existe um rol relevante de problemas a ser enfrentado. É fundamental intensificarmos os debates e as ações políticas para promovermos as mudanças realmente necessárias para principalmente ampliar a celeridade dos processos e ampliar o acesso ao Judiciário e à Justiça.

47. Para assegurar a autonomia do Judiciário e do Ministério Público é preciso antes de mais nada alterar o processo de composição dos tribunais e das cortes superiores e o processo de nomeação do procurador-geral. É preciso restringir o acesso aos membros das carreiras, rediscutir o quinto constitucional e fazer prevalecer os critérios de antigüidade e merecimento.

48. A publicidade e o controle social sobre os atos administrativos, das contas e do Orçamento são também instrumentos importantes nessas mudanças.

49. Mas, é também preciso ir além das reformas estruturais do Poder Judiciário. A Justiça demanda o reconhecimento de novas relações sociais e jurídicas, o aperfeiçoamento das leis, o aprimoramento da autonomia dos poderes. É preciso ir muito além das preocupações do Banco Mundial, centradas no direito privado, individualizado nos direitos sobre a propriedade. Não há uma só linha no texto do Banco Mundial sobre os direitos sociais ou coletivos, nos direitos indivisíveis etc.

50. Assegurar o acesso universal à Justiça, por exemplo, demanda muito mais do que ampliar a distribuição geográfica dos tribunais, a constituição de procedimentos simplificados, a redução dos custos judiciais e a agilização dos prazos. A democratização do acesso é ainda e, talvez principalmente, um processo de conscientização do direito e o reconhecimento do Judiciário como instrumento de conquista desse direito.

51. Percebe-se assim a importância do Executivo, do Legislativo, das organizações sociais para a discussão e implementação das reformas democratizantes que o Judiciário tanto necessita. As reformas defendidas pelo Banco Mundial são, antes de mais nada, privatizantes do Judiciário, pois pretende-se remodela-lo para assegurar interesses privados.

52. As entidades representativas dos servidores do Judiciário têm um papel importante para desmascarar a acepção privatizante contida nas propostas do Banco Mundial e defender as mudanças capazes de diminuir o foco existente entre o conservadorismo ainda reinante na Justiça brasileira e o avanço que existe nas relações sociais.

 

Defender a autonomia e a organização centralizada dos trabalhadores

53. Durante as discussões sobre a reforma da previdência, apareceram postulações pela constituição de uma nova central de trabalhadores vinculada aos servidores públicos. Algumas entidades questionando a atuação da CUT, consideraram a hipótese de uma nova central sindical exclusivamente composta por representações de servidores públicos.

54. É importante ressaltar que não se tratou de um movimento de desfiliação da Central Única dos Trabalhadores, mas uma aglutinação de entidades, nem sempre com o respectivo respaldo formal das categorias, que nunca se filiaram à CUT.

55. Essa ressalva não significa que as críticas pontuais sobre o posicionamento da nossa Central na questão específica da reforma da previdência não mereça ser discutido. Várias entidades foram para as nossas plenárias com críticas responsáveis e construtivas à atuação da central. Para muitos, faltou uma ação mais incisiva e autônoma frente ao Governo nos debates e negociações sobre a reforma da previdência. As críticas pontuais são instrumentos importantes para a construção da nossa capacidade de representação e de ação nesse novo cenário que se abre com o governo Lula.

56. Todo o movimento sindical brasileiro vive essa nova experiência, e com certeza a nossa ação necessitará ser compatibilizada com essa novo cenário. Devemos retomar as discussões e aprofundar as nossas elaborações principalmente com relação à questão da autonomia das entidades representativas frente aos partidos políticos e aos governo. E, não devemos tratar esses pontos com simplismo.

57. A eterna vigilância sobre as nossas práticas, o que ultrapassa em muito a avaliação dos resultados obtidos,  é o preço a pagar pelo fortalecimento da nossa representação classista e pela responsabilidade que temos em fazer avançar os direitos dos trabalhadores em nosso país e, naturalmente, por impulsionar esse governo rumo ao projeto de mudanças, que resgate a cidadania e o desenvolvimento econômico e social.

58. Um bom sinal para essa questão serão os enfrentamentos para a definição do salário mínimo em 2004, as reformas trabalhista e sindical. E, naturalmente, a luta dos servidores públicos tanto na regulação da reforma da previdência quanto para reposição de inúmeras perdas acumuladas.

59. É importante também intensificarmos as discussões sobre a capacidade e as vantagens da representação generalizada dos trabalhadores frente a representação pontual, como no caso de uma central exclusiva para os servidores.

60. O ponto alto desse debate parece ser reforçarmos os interesses comuns, a formação de sentimentos classistas e a unificação das bandeiras e lutas. Por outro lado, apostar na constituição de uma representação exclusiva reforça a convicção de interesses antagônicos, incompatíveis, a visão de privilégio.

61. Devemos debater e discutir com o conjunto dos trabalhadores as nossas diferenças, a existência de questões, bandeiras e reivindicações específicas, mas afastar de pronto qualquer discurso ou prática que possa ser utilizada para demonstrar que o direitos dos trabalhadores do setor privado se contrapõe ao dos servidores públicos.

62. Aliás, é preciso que o conjunto dos trabalhadores brasileiros intensifiquem a sua ação unitária, que constituam bandeiras unificadas, que compreendam a importância da solidariedade recíproca nas questões específicas e consigam traduzir essa solidariedade na luta concreta do dia-a-dia.

63. E, aí, o papel da CUT se reforça, principalmente a partir da ampliação da nossa autonomia e da materialização cotidiana das lutas em defesa dos interesses classistas do conjunto dos trabalhadores.

 

É preciso uma mudança de qualidade nas relações entre o Servidor e a Administração

64. Não foi apenas nas questões econômicas que as mudanças prometidas pelo novo Governo deixaram a desejar. Mesmo reconhecendo que as pautas de reivindicações e as mesas de discussões estavam muito atrasadas depois de oito anos de FHC, faltou ao Governo implementar um tratamento mais respeitoso com os servidores. Os debates sobre a reforma do regime próprio dos servidores seguiram o modelo anterior. Os servidores continuaram sendo apresentados à sociedade como detentores de injustificados privilégios, faltou verdade aos dados oficiais e respeito aos interlocutores. Os problemas não se deram exclusivamente entre os servidores e o Executivo. Também no Legislativo vimos inaugurar práticas excludentes, repressivas, que não condizem com a importância do Parlamento.

65. Se há uma novidade alvissareira na instalação de Mesas de negociação, não houve resultado concretos e, mesmo na proposta de lei Orçamentária para 2004, a previsão de reajuste para os servidores nem de longe é capaz de repor a inflação prevista um trimestre. Será preciso ampliar em muito as pressões das diversas categorias, em lutas gerais e específicas para que 2004 não se transforme em mais um ano de grandes perdas salariais para os servidores.

66. É preciso reconhecer as dificuldades de desatar um processo negocial entre a Administração e o seu corpo de servidores dentro do atual arcabouço legal brasileiro. Se há problemas entre o Executivo e seus servidores, as questões que envolvem os servidores do Judiciário são ainda mais complicadas, envolvendo no processo os Três Poderes.

67. A centralidade da questão fiscal, que continua a determinar todos os procedimentos, dificultou ainda mais que os servidores obtivessem resultados positivos nessas negociações. As grandes diferenças presentes entre as mais diversas categorias de servidores, o grau de organização, o tamanho das perdas acumuladas, a capacidade de direção das diversas entidades representativas foram também elementos que dificultaram a unidade nessas Mesas.

68. Estruturar um processo negocial, redefinirmos a relação entre os servidores e a administração, o papel do Estado e dos servidores, o debate sobre a estruturação do serviço público; a reposição das perdas salariais; a negociação das propostas que o executivo enviará para a regulamentação da reforma da previdência, são, por exemplo, pautas que demonstram a importância da Mesa Central. E, naturalmente, a relevância de atuação unitária e combativa das entidades representativas nesses cenários de enfrentamento.

69. Se há grandes e importantes pautas para a definição na Mesa central, há também que se discutir a propriedade de instalarmos uma mesa setorial para o debate das questões internas do Judiciário e do Ministério Público.

70. Devemos defender a constituição de Mesas Setoriais, formadas por representação dos tribunais superiores e do TJ-DF e Territórios e do Ministério Público e pelas entidades representativas da nossa categoria, que poderiam definir questões como: unificação das parcelas remuneratórias e indenizatórias relativas a assistência ao servidor (saúde, creche, alimentação); melhoria das condições de trabalho; propostas de alteração dos planos de carreira; projetos de formação e qualificação dos servidores, processo de avaliação institucional e dos servidores; ocupação das funções comissionadas e dos cargos em comissão; transparência na gestão orçamentária; uniformização dos atos de gestão; as garantias do trabalho sindical etc.

71. Mais do que nunca vai consolidando a consciência da necessidade de ampliarmos a luta dos servidores. Não haverá resultado nas negociações sem inovarmos e multiplicarmos as pressões.

72. Num processo mais elaborado, é preciso exigir que o governo altere o seu discurso, que ainda responsabiliza os servidores pelos desatinos por que passa a sociedade brasileira e caracteriza os direitos dos servidores enquanto privilégios. Essa é uma mudança que redescute a natureza da relação existente entre o servidor  e a sociedade, através do Estado.

73. É preciso reconhecer as diferenças que existem entre os interesses que unem um servidor ao Estado e um trabalhor a uma empresa privada. Um contador, que busca a elisão fiscal e o planejamento tributário para seus clientes,  age por interesses diversos de um servidor, que, vinculado ao interesse público, é obrigado a denunciar qualquer irregularidade de que tenha conhecimento; nem um embaixador pode ser comparado a um lobista; nem um militar a um segurança privado; nem um pesquisador que trabalha no setor público a um que trabalha no setor privado. Indistintamente, médicos, professores, enfim, todos os servidores têm o seu fazer identificado a um interesse público determinado pela lei, diferentemente do trabalhador do setor privado.

74. Ademais, o setor privado tem na livre remuneração de seus trabalhadores e na participação nos resultados, para os mais felizardos, os mecanismos de premiação e cooptação de quadros. No setor público, é bastante diferente. A vinculação à legalidade, impessoalidade e ao interesse público impõe restrições a salários, gratificações, benefícios. Assim, o direito à aposentadoria respondeu a essas limitações premiais e valorativas do trabalho. Não deveria ser diferente, porque é preciso compensações para que a administração pública possa competir na seleção de bons profissionais.

75. A tarefa que se coloca é construir um novo relacionamento entre os servidores e a adminstração, com respeito a direitos e, principalmente, baseado num concepção de estado nacional, construída de acordo com um projeto de desenvolvimento econômico e social, voltado para o resgate da cidadania e pautado na universalidade da prestação dos serviços públicos.

 

ASSINA: Sindjus/DF

 

 



[1] Relatório n.° 19641-BR, de 19 de junho de 2000, vol. I: Sinopse do relatório; p. XIV; www.bancomundial.org.br

[2] Banco Mundial; oc.; p. XXII