Só unidade emancipa trabalhadores

Em 2013 a Associação de Funcionários Judiciais do Uruguay (AJFU) completa 70 anos. São sete décadas de luta sindical que o atual Secretário Geral, Raúl Vázquez, pouco passado da casa dos 60, conta com o cuidado de amarrá-la ao processo histórico do país. A realidade do mundo do trabalho no Uruguai, em muitos aspectos, é similar a do Brasil, até porque se relaciona com a de todos os países capitalistas. Por isso, Vázquez acentua a necessidade de os Sindicatos resgatarem o ser humano, transformado em máquina de consumo, para assim avivarem a solidariedade de classe.

O Uruguai tem apenas uma Central sindical, o PIT-CNT (Plenário Intersindical de Trabalhadores) e a Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT), que tem essa denominação desde 1984 e hoje reúne cerca de 700 mil trabalhadores. Essa Central agrega diferentes correntes ideológicas, e todas opinam a respeito dos temas em debate. “Para nós, a unidade é a chave para a emancipação dos trabalhadores”, diz Raúl. “As ideias de todos são respeitadas. Pode haver aplausos, mas não vaias, porque a lógica é `eu respeito a tua ideia a tu respeitas a minha`. As minorias são respeitadas, mas, quando há votação, elas acompanham a maioria nas decisões”.

 

Sistema eletrônico

A AJFU reúne cerca de 5 mil servidores. Raúl destaca que, nos últimos sete anos, a categoria teve reajustes que chegaram a quase 100%. O auge da conquista de melhores condições de trabalho foi em 2005, quando, além do salário, houve um reaparelhamento do Judiciário.

Mas, como no Brasil, problemas como o assédio moral e os pontos negativos da informatização também estão presentes nas relações de trabalho. “O sistema eletrônico necessariamente não melhora a prestação da justiça porque, se uma pessoa espera anos para ter seus direitos, isso não é justiça”, destaca o sindicalista. É necessário, segundo ele, ampliar o número de juízes e também a estrutura de defensoria pública. No Uruguai, um defensor público pode ser servidor e também atuar na iniciativa privada em área do direito diversa da que atua no serviço público. Isso faz com que a população tenha difícil acesso a esse direito. “Seria fácil se o juíz colocasse todos os dados no computador, tudo o que se relaciona ao processo, e daí saísse automaticamente uma sentença, mas não é assim”, critica Raúl. 

 

Congresso do Povo

O processo pelo qual a Central tomou a forma atual vai mais atrás no tempo, mas Raúl destaca que, de 1959 até 1967, os governos do Partido Nacional iniciaram a marcha neoliberal, atendendo as políticas do FMI.  As lutas populares contra o alto custo de vista e os baixos salários foram reprimidas, e os trabalhadores viram a necessidade de se unirem ainda mais. Em 1965, organizações  populares, sindicatos, movimento estudantil, trabalhadores de vários segmentos e pequenos produtores realizaram o Congresso do Povo, do qual surgiu um Programa para a Solução da Crise, Em 66, as três Centrais então existentes avaliaram que a unidade era o caminho para fazer a pauta dos trabalhadores avançar. Esse processo de acumulação de forças continuou nos anos seguintes.

Entre 1973 e 1985 o Uruguai atravessou o período de ditadura civil-militar, o que exigiu que o movimento se organizasse ainda mais, porque todas as formas de  oposição eram punidas com demissões, prisões, tortura e morte. Em 2005, com a vitória de Tabaré Vázquéz, quebrou-se, com a chamada coligação de esquerda Frente Ampla, a hegemonia dos partidos Colorado e Nacional. Em 2010, os uruguaios elegeram José Mujica, também da FP.

Vale destacar que a AJFU envolve-se nas grandes discussões nacionais, o que ficou evidente nos anos 90, quando a onda neoliberal começou a querer arrastar as empresas públicas para a privatização. Estavam na lista serviços como o de telefonia, empresas de agua e de produção de combustíveis. “Quem pôs freio nisso foi o movimento sindical”, afirma Raúl. Isso porque a Constituição da República pode ser reformada, total ou parcialmente, pelo resultado de um plebiscito, para o qual há regras de realização. Foi com base nesse artigo que, até hoje, os serviços seguem públicos.

Outro exemplo ocorreu em 2006, quando houve reforma no sistema de saúde do país, agora composto por entidades públicas e privadas que cobrem a assistência de toda a população. Raúl explica que o desconto para a manutenção do sistema varia de acordo com o salário do trabalhador. Com salário maior, os servidores do Judiciário, que pagavam percentual fixo, passaram a contribuir com mais, porém o entendimento foi o de que isso era necessário para estender a saúde a toda a população.

Com base nesse exemplo, Raúl ressalta que o trabalhador, de um modo geral, está deixando a solidariedade de classe de lado, e é papel dos sindicatos mudar esse quadro. “Hoje, não só no Uruguai – é um fato social – a motivação é pelo salário alto, e rápido, e o trabalhador não vira para o lado para ver como está a situação do outro”, analisa. Essa situação, para ele, revela a necessidade de os movimentos de esquerda fazerem uma auto-crítica, porque para mudar a sociedade, cada um precisa também mudar.

 

Formação sindical

A AJFU tem relação com a Universidade de Ciências Sociais para a produção de pesquisa científica sobre o Judiciário e também mantém um Centro de Estudos para ter subsídios para melhor se preparar para a luta sindical. Em abril também foi iniciado um curso de formação de dirigentes, com a participação de 60 trabalhadores.

Raúl lembra que, ano que vem, o Uruguai terá eleição presidencial. No período houve conquista de direitos, como ingresso no Judiciário por concurso e a aprovação de uma lei que trata da negociação coletiva, mas os trabalhadores precisam se preparar para eleger um governo que, apesar das conquistas obtidos, avance mais. Nesse sentido, avalia, os dirigentes devem se preparar, e nessa caminhada podem contar com ajuda. “Hoje, com governos progressistas, os sindicatos, para ampliarem os direitos, precisam apresentar propostas, e viáveis. Não basta apenas criticar, ficar na posição de ´dirigente de barricada´”, finaliza.

Por Míriam Santini de Abreu – Fenajufe

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