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1º Encontro de Negros e Negras do Sintrajufe/RS debateu estratégias para a luta antirracista

1º Encontro de Negros e Negras do Sintrajufe/RS debateu estratégias para a luta antirracista

Aconteceu no último sábado, 28, o 1º Encontro de Negros e Negras do Sintrajufe/RS. A atividade foi realizada durante todo o dia, na sede do sindicato, denunciou as diferentes formas de racismo e debateu estratégias para a luta antirracista em todos os espaços. Foram três mesas e seis painelistas, além das atividades culturais, com participação de cerca de 50 colegas da categoria.

O Encontro foi aberto com uma dinâmica proposta pela professora Ana Cristina dos Anjos, construindo, por meio da auto apresentação e da recordação das ancestralidades de cada um e cada uma presente, um sentido de “encontro consigo mesmo”, de reconhecimento de seu passado e seu presente. Depois, Ana Cristina recitou a poesia “Novembro”, da escritora Silvia Barros.

Então, diretoras e diretores negras e negros do Sintrajufe/RS fizeram as primeiras falas oficiais do evento, ressaltando a importância das atividades que se desenvolveriam ao longo do dia, lembrando que a iniciativa era um fruto do que fora discutido no Congresso Estadual do Sintrajufe/RS e dando início aos debates do Encontro – falaram, neste momento, as diretoras Camila Telles e Roberta Vieira, o diretor Diogo Correa, a diretora de base Tatiana Souza, o diretor de base Mario Augusto Marques e a colega Lourdes Helena da Rosa, que também se revezaram na mediação das mesas.

Primeira mesa tratou da interseccionalidade na organização sindical

A primeira mesa do Encontro teve como tema “Como pensar a interseccionalidade na organização sindical?”, com a secretária de Combate ao Racismo da CUT/RS, Ísis Garcia, como painelista. A sindicalista falou sobre o trabalho da secretaria que comanda na central sindical, destacando o projeto “Pílulas Antirracismo” (veja 

) que traz a publicação, nas redes sociais, de cards e vídeos explicando porque determinadas ações ou expressões são consideradas racistas. Para Ísis, “a questão étnico racial tem que ser discutida de uma forma pedagógica, porque fomos construídos a partir do pensamento da branquitude”. Em sua apresentação, ela mostrou alguns desses vídeos, que, então, desencadearam debates sobre temas como as cotas e a necessidade de reparação histórica: “O racismo não é um problema das pessoas pretas, é um problema da branquitude. Nos culpabilizam por sermos pretos e pretas. Viemos para cá sequestrados, tratados como peças, como animais, e isso vai gerar a forma como somos tratados”, destacou.

Ísis disse que há uma divisão racial do trabalho que precisa ser transformada pela ação dos trabalhadores e trabalhadoras negros e negras, mas também dos brancos: “Quem quer uma sociedade antirracista tem que se indignar conosco. O silêncio é muito prejudicial para nós”, defendeu. É por essa divisão social, no mercado de trabalho e em outros espaços, que instrumentos como as cotas se fazem necessários: “O ideal seria que não precisasse de cotas, que todos fossem vistos da mesma maneira quando vão entrar no mercado de trabalho, mas sabemos que não é assim. Foi necessária e urgente a cota de gênero, como é necessária e urgente a cota racial”. Os sindicatos, explicou, são um território e um instrumento importante dessas lutas, de forma que o movimento sindical precisa tratar desse tema: “O movimento sindical precisa entender que cada um vem de um lugar diferente, mas todos queremos trabalho decente”.

Nas perguntas e intervenções de colegas, diretores e diretoras após a fala de Ísis, foram tratados temas como o “pacto da branquitude”, a luta pelo acesso de pessoas negras a todos os espaços, a necessidade de ser antirracista – e não apenas não ser racista –, o problema do colorismo como fator de divisão e a urgência de um “letramento racial” para enfrentar o racismo cotidiano.

Na segunda mesa, resistência, amor e luta

Após a primeira mesa, foi servido um almoço especial para os e as presentes, uma feijoada preparada pelo chef Pedro Nascimento. Conhecido como “Pedrão”, ele está à frente de um projeto social chamado Cozinha Solidária do Pedrão, que serve quentinhas a dezenas de famílias da Vila Mapa.

A segunda mesa do dia, primeira da tarde, teve como tema “O que nos inspira? Como as lutas negras fora do Poder Judiciário contribuem e dialogam com o movimento sindical?”. Como painelistas, participaram a liderança quilombola Patrícia de Lourdes Peres da Rosa, a Mãe Paty; a presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro/RS) e trabalhadora do Sintrajufe/RS Elis Regina Duarte Gomes; e o militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e ativista do Instituto Perifa Sustentável, da periferia do Rio de Janeiro, Walmyr Júnior.

Elis Regina foi a primeira a falar, e recordou sua própria história para explicar de que lugar falava: “Entendemos a falta de perspectiva do nosso povo nos lugares de onde viemos”, afirmou, e criticou o Judiciário, no entorno do qual trabalha hoje: “É um lugar distante de nós. É um lugar punitivo, um lugar que nos diz o tempo inteiro quem somos e de onde viemos”. No entanto, seu objetivo foi “trazer uma fala de amor” para o Encontro: “Precisamos entender até que ponto estamos preparados em amar os seres humanos. Um amor de direitos, de sonhar junto, de oportunidades”, apontou, defendendo que é preciso aprender a dividir amor, pensamentos, sentimentos, e só assim será possível dividir oportunidades: “Nunca seremos individual, somos coletivo”. Para Elis, o racismo no Brasil também passa pela questão da classe, de forma que as lutas antirracistas também devem ter esse corte: “Queremos uma emancipação real do povo negro”, defendeu.

A fala seguinte foi a de Mãe Paty, que começou sua explanação tratando da importância do Encontro e de, em um espaço central e privilegiado, “trazer o povo periférico para hoje estar de frente para vocês”. Ela relatou a situação dentro dos territórios e sublinhou que é preciso atuar coletivamente, da mesma forma que “nossos antepassados lutaram, se alimentaram, tiveram força para que hoje estivéssemos aqui”: “A luta dentro dos nossos territórios é muito grande. E não é uma luta somente porque a gente é preto. É uma luta porque a cada dia que a gente acorda a gente agradece aos nossos orixás por estar vivo. A gente morre porque não tem saúde, não tem assistência, não tem o privilégio de estudar em uma boa escola”. Para enfrentar essa realidade, ressaltou, “Temos que cada um dar um pouquinho mais de si e levantar um outro preto, levantar alguém que está caindo”.

Por fim, foi a vez de Walmyr Júnior falar aos e às presentes. Antes de sua palestra, Walmyr pediu que todos e todas tirassem seus sapatos e batessem os pés no chão. O objetivo era gerar conexão e perceber sensações como de força, energia, liberdade, ritmo e presença. O painelista falou de sua trajetória como morador do Complexo da Maré, narrou casos em que sofreu racismo e violência policial e denunciou: “Enfrentamos no dia a dia a possibilidade de não existir”. Falou sobre o controle pelo Estado, dos aparatos legais que mantêm esse controle e disse que a vida dos negros e negras são tratadas como descartáveis. Walmyr propôs que cada um e cada uma seja porta-voz da resistência e compartilhe ideias e sonhos, como os ancestrais fizeram em outras épocas: “Podem matar nossos corpos, mas nunca vão matar nossas ideias, nossa ancestralidade, nunca vão matar aqueles que nos inspiram”, disse, ressaltando que “é característica do povo negro o reconhecimento da ancestralidade como ferramenta de comunicação”. A comunicação é, para ele, ferramenta central de luta. E, neste momento, ajuda a enfrentar o que chamou de “racismo ambiental”, que passa pelo desmatamento, pela falta de saneamento e por fatores que geram um ambiente de exclusão dos negros e negras. Para lutar contra isso, portanto, é necessário comunicar-se e conectar-se: “temos que botar o pé no chão, temos que botar a mão na terra”, concluiu, retomando a proposta com que iniciara sua fala.

Nas intervenções que se seguiram, colegas e dirigentes do Sintrajufe/RS voltaram a enaltecer a realização do Encontro e a defender a ocupação de todos os espaços pela população negra, inclusive no Judiciário, nos demais Poderes e nos partidos políticos. E a luta antirracista, apontaram, está conectada a pautas que se referem a disputas sociais e pelo Estado, como a defesa da Justiça do Trabalho, por exemplo.

Na mesa final, retomadas históricas e apoio às cotas

A mesa final do Encontro teve como tema “Políticas públicas para a população negra”, com o operador de Direito Gleidson Renato Martins Dias (Taata N’Daji dya Zambi) e a servidora pública e ativista dos direitos humanos Magali Dantas.

Magali apontou que o debate racial perpassa as diversas questões presentes na sociedade: “Não tem como falar de água, energia, transporte, habitação, saúde sem abordar a questão das pessoas negras”. Com isso em mente, ela fez um apanhado dos antecedentes históricos das relações étnico raciais no Brasil, com especial atenção para a memória do ordenamento jurídico brasileiro. Conforme a ativista, sempre existiram políticas públicas para a população negra, mas de exclusão. Apenas no último período começaram a ser conquistadas políticas no sentido contrário, como a lei para o ensino da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena, as cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Lutar por políticas que fortaleçam a população negra e efetivem a necessária reparação histórica, defendeu Magali, também é missão do movimento sindical.

Gleidson, por sua vez, lembrou que o Brasil vem sendo construído em cima da exclusão da população negra. Para ele, neste momento, “estamos no olho do furacão de uma revolução que tem o antirracismo como base, com negros e negras ocupando espaços onde nunca quiseram que a gente estivesse”. A questão do “lugar do negro”, disse Gleidson, é um dos fundamentos dessa discussão: primeiro, a desumanização da escravização; depois, a sub-humanização: “Quando estamos discutindo política para a população negra, temos que discutir o lugar da população negra no Brasil e o lugar do Estado. Não é à toa que o movimento negro é à esquerda, é contra o neoliberalismo”, sublinhou, avaliando que “disputar um lugar para a população negra e também disputar o conceito de República, o conceito de serviço público”. Nesse contexto, a cota racial é um instrumento fundamental para “enegrecer” os espaços de poder.

Após as palestras, foi aberto espaço para intervenções dos e das presentes, momento no qual estiveram em pauta temas como a pouca presença de negros e negras no Judiciário e as dificuldades ainda enfrentadas na efetivação das políticas de cotas.

Encaminhamentos e aprovação de propostas

Após a finalização das mesas, foram lidas e debatidas propostas de encaminhamento. Embora o Encontro não tenha caráter deliberativo, os textos afirmam o posicionamento dos e das participantes. Os dois textos propostos foram aprovados. Veja AQUI e AQUI.

De acordo com a diretora Camila Thomaz Telles, “o Encontro de Negros e Negras foi uma mostra de que o espaço sindical é e deve ser um lugar de diálogo e de acolhimento de pautas que são caras à maior parte da classe trabalhadora brasileira, com o objetivo de aperfeiçoar a luta por democracia dentro da nossa categoria”.

Momento cultural teve a inauguração de duas exposições

  

 Ao final do Encontro, os e as participantes se dirigiram ao Salão Multicultural Alê Junqueira, também na sede do Sintrajufe/RS, onde foram apresentadas duas exposições artísticas. Uma delas, fotográfica, chamada “Trajetórias negras”, com fotos da socióloga, fotógrafa e colega aposentada Lourdes Helena da Rosa. A outra, com retratos em óleo sobre tela do artista visual Valdenar Gonçalves, com o título “Pretos a três por quatro”. Enquanto os e as presentes observavam as fotos e pinturas, foi servido um coquetel preparado por Fabiana Sasi, do projeto “Amor na panela”, com um cardápio especialmente preparado para fazer referência à cultura afro-brasileira.

No mês de novembro, o Sintrajufe/RS irá divulgar vídeos do evento nos meios de comunicação do sindicato.

 

Veja mais fotos no link abaixo:

https://www.flickr.com/photos/197423767  

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